- Da BBC News em Seul
No último sábado (31/8), apareceu uma mensagem do Telegram no celular de Heejin, enviada por um remetente anônimo.
"Suas fotos e informações pessoais vazaram. Vamos conversar."
Quando a estudante universitária, da Coreia do Sul, entrou no bate-papo para ler a mensagem, recebeu uma foto sua tirada alguns anos atrás, enquanto ainda estava na escola, seguida por uma segunda imagem, usando a mesma foto, só que sexualmente explícita — e falsa.
Apavorada, Heejin, que não é seu nome verdadeiro, não respondeu, mas as imagens continuaram chegando.
Em todas elas, seu rosto havia sido anexado a um corpo realizando um ato sexual, usando a sofisticada tecnologia de deepfake.
A pornografia deepfake — que combina, em sua maioria, o rosto de uma pessoa real com um corpo falso e sexualmente explícito — está sendo gerada cada vez mais por meio de ferramentas de inteligência artificial.
"Fiquei petrificada, me senti tão sozinha", contou Heejin à BBC. Mas ela não estava sozinha.
Dois dias antes, a jornalista sul-coreana Ko Narin havia publicado o que se tornaria o maior furo de reportagem da sua carreira. Recentemente, tinha vindo à tona que a polícia estava investigando redes de pornografia deepfake em duas das principais universidades do país, e Ko estava convencida de que deveria haver mais.
Ela começou a pesquisar nas redes sociais, e descobriu dezenas de grupos de bate-papo no aplicativo de mensagens Telegram, em que os usuários compartilhavam fotos de mulheres que conheciam, e usavam um software de inteligência artificial para convertê-las em imagens pornográficas falsas em segundos.
"A cada minuto, as pessoas estavam enviando fotos de garotas que conheciam, e pedindo que fossem transformadas em deepfakes", disse Ko à BBC.
Ko descobriu que estes grupos não tinham como alvo apenas estudantes universitárias. Havia salas de bate-papo dedicadas a escolas específicas do ensino médio e até mesmo do ensino fundamental.
Se fosse criado muito conteúdo usando imagens de uma aluna em particular, ela poderia até ganhar sua própria sala. Com o rótulo genérico de "salas de humilhação" ou "salas de amigas de amigos", elas costumam ter termos de entrada rigorosos.
A reportagem de Ko, publicada no jornal Hankyoreh, chocou a Coreia do Sul. Na segunda-feira (2/9), a polícia anunciou que estava considerando abrir uma investigação sobre o Telegram, seguindo o exemplo das autoridades da França, que recentemente acusaram o fundador do aplicativo de crimes relacionados à plataforma. O governo prometeu impor punições mais severas para os envolvidos, e o presidente pediu que os jovens fossem mais educados.
O Telegram afirmou, por sua vez, que "combate ativamente conteúdo prejudicial em sua plataforma, incluindo pornografia ilegal", em uma declaração enviada à BBC.
'Um processo sistemático e organizado'
A BBC teve acesso às descrições de várias destas salas de bate-papo. Uma delas pede que os membros postem mais de quatro fotos de alguém, junto ao nome, idade e região em que a pessoa vive.
"Fiquei chocada com o quão sistemático e organizado era o processo", declarou Ko.
"A coisa mais horrível que descobri foi um grupo para alunos menores de idade de uma escola que tinha mais de 2 mil membros."
Nos dias após a publicação da reportagem de Ko, ativistas em defesa dos direitos das mulheres também começaram a vasculhar o Telegram — e seguir pistas.
Até o fim daquela semana, mais de 500 escolas e universidades haviam sido identificadas como alvos. O número real de pessoas afetadas ainda não foi estabelecido, mas acredita-se que muitas tenham menos de 16 anos, que é a idade de consentimento na Coreia do Sul. Uma grande parte dos supostos perpetradores são adolescentes.
Heejin disse que tomar conhecimento da dimensão da crise piorou sua ansiedade, porque ela passou a se preocupar com quantas pessoas poderiam ter visto seus deepfakes. Inicialmente, ela se culpou.
"Eu não conseguia parar de pensar que isso aconteceu porque postei minhas fotos nas redes sociais: será que eu deveria ter sido mais cuidadosa?"
Dezenas de mulheres e adolescentes em todo o país removeram suas fotos das redes sociais ou desativaram suas contas por completo, com medo de serem exploradas na sequência.
"Estamos frustradas e com raiva por termos que censurar nosso comportamento e nosso uso das redes sociais, quando não fizemos nada de errado", desabafou Ah-eun, uma estudante universitária cujas colegas foram alvo.
Ah-eun contou que uma vítima da sua universidade foi informada pela polícia para não se preocupar em levar o caso adiante, pois seria muito difícil pegar o perpetrador — e que "não era realmente um crime", uma vez que "as fotos eram falsas".
No centro deste escândalo, está o aplicativo de mensagens Telegram. Diferentemente de sites públicos, que as autoridades podem acessar facilmente e, em seguida, solicitar que as imagens sejam removidas, o Telegram é um aplicativo de mensagens privado e criptografado.
Para ler a matéria na íntegra acesse:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/crlrwrk929po
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