O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou pela primeira vez desde que foi preso em abril a superintendência da Polícia Federal em Curitiba para prestar novo depoimento como réu na Operação Lava Jato nesta quarta-feira. Dessa vez, não mais a Sergio Moro, que saiu de cena ao aceitar ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro, mas à juíza substituta da 13a vara de Curitiba, Gabriela Hardt. Apesar da mudança de magistrado, o embate tenso se repetiu ao longo de quase três horas de interrogatório.
No processo em que prestou depoimento agora, o Ministério Público acusa Lula e sua família de serem os usuários principais de um sítio em Atibaia (SP) que recebeu reformas pagas pelas empreiteiras OAS e Odebrecht e o pecuarista José Carlos Bumlai. Para a acusação, as empresas custearam as obras com recursos desviados da Petrobras e de contratos públicos.
Já a defesa sustenta que, embora o ex-presidente frequentasse o sítio, ele pertence a amigos próximos, Jacó Bittar e seu filho Fernando Bittar. Lula argumentou que, não sendo dono da propriedade, o pagamento dessas obras não eram de seu conhecimento.
Logo na abertura do depoimento, Lula questionou Gabriela Hardt sobre a propriedade do sítio: "Doutora, eu só queria perguntar para o meu esclarecimento. Eu sou o dono do sítio ou não? Porque eu estou disposto a responder toda e qualquer pergunta. Eu sou dono do sítio ou não?".
"Isso o senhor que tem que responder e eu não estou sendo interrogada nesse momento", respondeu a juíza.
O presidente afirmou então que quem deveria responder é quem está o acusando, no que foi repreendido por Hardt. "Senhor ex-presidente, esse é um interrogatório e, se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema".
'Power point'
Ao longo do depoimento, diversas vezes Lula fez referência à apresentação de Power Point realizada em 2016 pelo chefe da força tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, com as acusações contra ele no processo do tríplex do Guarujá, pelo qual acabou condenado neste ano em primeira e segunda instâncias.
A apresentação mostrava Lula como principal chefe do esquema de corrupção da Petrobras e gerou controvérsia no mundo jurídico.
"O primeiro processo que fui vítima é uma farsa, uma mentira do Ministério Público com Power Point", afirmou à juíza ainda no começo do depoimento.
Depois, ao voltar ao tema, afirmou: "Eu, quando vi o Power Point, eu falei pro PT, se fosse presidente do PT, pediria pra que todos os filiados no PT no Brasil inteiro, prefeito, deputado, abrisse processo (sic) contra o Ministério Publico pra ele provar o Power Point".
A declaração gerou nova reação da juíza que o acusou de estar estimulando que partidários "tumultuassem o processo".
"O senhor está intimidando a acusação assim, senhor presidente. Por favor, vamos mudar o tom que o senhor está intimidando, o senhor está instigando. E o senhor está intimidando a acusação. Eu não vou permitir", disse.
Ao longo do interrogatório, a defesa também levantou questões de ordem questionando a condução do depoimento pela juíza e reclamou que ela estaria interrompendo demais o ex-presidente, impedindo que Lula concluísse suas respostas. Hardt respondeu que faria isso sempre que Lula se desviasse da questão principal.
Quando o petista começou a falar sobre como, ainda candidato, mantinha conversas com muitos empresários e grupos sociais para montar seu plano de governo, em resposta a uma questão específica sobre se havia sido cobrado pelo empresário Emílio Odebrecht para que a Petrobras não buscasse estatizar o setor petroquímico, a juíza o interrompeu para que dissesse "sim ou não".
"Lamentavelmente não é assim, doutora", respondeu Lula.
Notas de obras e reforma da cozinha
Lula afirmou no depoimento que teve conhecimento do sítio pela primeira vez em janeiro de 2011 e que, a partir daí, passou a frequentar o local.
Argumentou que não teve qualquer envolvimento ou conhecimento de obras realizadas pela Odebrecht na propriedade antes dessa data. Segundo a acusação, essas melhorias foram feitas para atender às necessidades de Lula e sua família.
Questionado por Hardt sobre o fato de notas de compra de materiais de construção usados na reforma do sítio de Atibaia terem sido encontradas no apartamento de Lula em São Bernardo do Campo, o ex-presidente afirmou que não tinha conhecimento desses recibos e não sabia esclarecer porque estariam no seu imóvel.
Já sobre a ampliação da cozinha realizada em 2014, Lula disse que tinha conhecimento da reforma, mas que não sabia sobre como havia sido paga.
"Estamos falando de 2014. Eu não era mais Presidente da República, nem disputava mais eleições. Eu sempre parti do pressuposto de que (se) o cara fez um serviço (a obra da cozinha), recebeu pelo serviço. Ou o Fernando (Bittar) pagou ou a Marisa (sua mulher já falecida) pagou. O Leo (Pinheiro, dono da OAS) poderia ter dito para alguém ou cobrado de alguém", disse Lula.
Já quanto a sua responsabilidade na escolha dos diretores da Petrobras durante seu governo, o petista voltou a repetir, como havia feito no processo do tríplex do Guarujá, que esses nomes eram indicados por partidos da base e depois aprovados pelo Conselho de Administração da Petrobras. Ele repudiou novamente a acusação de que desvios da estatal tenham alimentado contas informais das empreiteiras para gastos seus e do PT.
Ironias
Hardt também fez perguntas para esclarecer qual era a intensidade e forma de utilização do sítio por Lula. Ao ser questionado se costumava usar o quarto principal da propriedade, o petista disse que sim e que se tratava de uma deferência da família Bittar.
"Quando me dava (o quarto principal), eu ocupava. Isso era uma deferência que eu recebia tanto lá na chácara, quanto no palácio da rainha da Inglaterra, no palácio da rainha da Suécia, em vários lugares que eu frequentei, inclusive no Kremlin, sabe? Eu tive o prazer der ser convidado a dormir no Kremlin. Eu não sei o que o Ministério Público viu de absurdo nisso", afirmou.
Depois, quando a juíza perguntou sobre emails enviados ao instituto Lula sobre a morte de pintinhos e gambás no sítio, o petista sorriu e ironizou: "O que me consta eu nunca tive preocupação se galinha comeu um gambá ou se o gambá comeu a galinha. Isso não era meu problema".
No fim do dia, Lula voltou à carceragem da Polícia Federal. Ele cumpre pena de 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, condenado por ter recebido um tríplex no Guarujá (SP) da OAS. Ainda cabem recursos às cortes superiores. O petista sustenta que a empreiteira queria na verdade lhe vender o imóvel, mas que desistiu da operação. Também afirma que sua condenação foi política, com finalidade de o impedir de disputar a eleição de 2018.
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