Jacira, feminista da linha de frente



Jacira Melo. (Foto: Viridiana Brandão)
Jacira Melo abre a entrevista esclarecendo: "Feminismo quer dizer mulheres lutando por respeito e poder. Desse ponto de vista todas as mulheres são feministas, uma vez que todas querem respeito e poder. Desejamos que nossas escolhas, opções, profissões sejam respeitas. Queremos ocupar posições de poder para intervir na vida pública e construir um mundo sem violência e menos desigual." Ela não fala da boca para fora. Não é uma feminista de plantão. O feminismo foi para dentro dela quando começou a observar as relações familiares. "Minha mãe sempre quis trabalhar fora de casa, nada do outro mundo, seu sonho era ser feirante. Meu pai, com uma cultura machista, jamais permitiu. Essa injustiça calou fundo em mim, tanto que saí de casa e comecei a trabalhar muito jovem", ela confidencia. Quando ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo - USP, Jacira encontrou a primeira turma de mulheres dispostas a levantar questões de igualdade entre mulheres e homens.



No final da década de 1970, o movimento estudantil pulsava organizado por tendências políticas, todas de esquerda. A palavra de ordem era derrubar a ditadura militar. "Nós criamos na faculdade de Filosofia o grupo 8 de Março, queríamos que o feminismo entrasse na pauta das lutas. Mas foi em vão, pois os direitos das mulheres, dos negros, dos homossexuais eram considerados irrelevantes. Os líderes estudantis, na imensa maioria homens, achavam que falar nesses direitos era dividir a luta geral." Logo depois, fora da universidade, Jacira Melo foi uma das criadoras do grupo feminista SOS-Mulher para o atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica.

Em 1981, a cantora Eliane de Grammont, aos 26 anos, foi abatida pelo ex-companheiro e também cantor de boleros Lindomar Castilho. Jacira conta: "Lindomar foi a julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo, situado na Praça da Sé. Os advogados de defesa vieram com a conversa de "legítima defesa da honra" para livrar o réu da culpa. Nós, as feministas, fizemos faixas, bolamos slogans e fomos para a Praça da Sé clamar por justiça. Só que a temperatura esquentou, alguns homens nos hostilizaram, inclusive com agressões físicas. Me lembro que comecei a pedir calma e dizer que estávamos lá exatamente por não tolerar a violência." No dia seguinte, a foto da jovem Jacira Melo estava estampada na primeira página dos jornais. Baixinha e valente com a mão estendida pedindo calma.

Trinta e dois anos depois, as mulheres seguem sendo mortas por companheiros e ex-companheiros. Mas a certeza da impunidade não é mais certeza. Haja vista que, neste março de 2013, os assassinos das jovens Eliza Samudio e Mércia Nakashima foram condenados a 22 anos e 20 anos de prisão respectivamente. Hoje a população quer dar um basta à violência doméstica. A grande maioria acha intolerável que suas mães, irmãs, filhas caiam nas mãos de homens agressores. "Apesar dos números alarmantes da violência doméstica, eu sou uma batalhadora otimista. Dou vivas à Lei Maria da Penha! Sei que mais de 80% das brasileiras e brasileiros sabem que esse instrumento de justiça existe e concordam com ele. O que ainda falta é a resposta dos municípios, governos estaduais e federal para tornar a Lei Maria da Penha plenamente operante", afirma Jacira. 

Qualificando os direitos das mulheres
Em 2001, Jacira Melo fundou o Instituto Patrícia Galvão. O nome é uma homenagem à musa do modernismo, jornalista, escritora, militante política e feminista que fez história no Brasil do século XX. O Instituto tem como objetivo ajudar os jornalistas a contextualizar e qualificar os debates acerca da violência doméstica contra as mulheres. "É uma luta danada contra a fragmentação das notícias. Nos esforçamos na articulação dos fatos e no mapeamento de fontes de primeira qualidade. O feminismo é um movimento social, portanto a comunicação não é adorno. É estratégica", Jacira explica e relembra que sempre amou a comunicação: "Fiz parte do Lilith Vídeo, grupo que realizou documentários tendo mulheres comuns como protagonistas. A gente pôs na tela operárias, profissionais do sexo, donas de casa, boias-frias. Relatei a produção de imagens desse grupo na minha dissertação de mestrado na Escola de Comunicações e Artes da USP."

- E agora, Jacira? - "Agora é continuar o enorme trabalho para erradicar a violência doméstica. Eu e minha equipe estamos mergulhadas na gestão do Portal da "Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha - A lei é mais forte". Trata-se de uma ferramenta para auxiliar os operadores e operadoras do sistema de Justiça nos casos de crimes de violência contra as mulheres." Terminamos a entrevista. Jacira Melo tem um voo marcado para Brasília. Ela irá participar do lançamento do programa federal "Mulher, Viver sem Violência", que pretende criar Casas da Mulher Brasileira em cada capital do país. A ideia é fazer um atendimento integral à mulher em situação de violência. Eu desço pelo elevador pensando: "Água mole em pedra dura..."


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