GEORGE E CAMILA


Ela dizia coisas que ninguém queria ouvir. Coisas que ninguém ouvia de fato. Passava o final de semana inteirinho dentro do apartamento, dentro do quarto. E quando saía à rua, não havia ninguém que dissesse ter sentido sua falta. Minto. Apenas um garoto sentia sua ausência. Apenas um garoto queria ouvir suas narrativas, suas lamúrias, suas decepções, suas agruras e suas amarguras. Era George o garoto que a ouvia. Somente George parava para ouvi-la. O garoto George. Ao amigo ela pedia um conselho, um dólar, um abraço e um tempo. O garoto não se importava com suas contradições e dizia que queria mais era vê-la feliz e ser feliz também. Correr sem ter para onde ir, ir sem ter aonde chegar. Era um espírito livre o garoto George. Ela chorava. Dizia que por ser gorda o mundo não a amava, os rapazes não a queriam e a felicidade era um sonho inatingível. Ela chorava e chorava. George dizia que tudo aquilo era uma bobagem e que um dia ela veria o amor em cores límpidas e translúcidas. Oferecia-lhe seu ombro frágil de adolescente. George acreditava no amor e nas promessas dos amantes. Queria ensinar sonhos na universidade da vida, esse era o seu sonho. Tanto insistiu com sua discípula primeira e única que a convenceu da verossimilhança do amor.  Ela acreditou no amor que George lhe pintou. Ela agradeceu dizendo que sua dívida de gratidão para com o amigo só fazia crescer. Ela colocou quantos piercings pode, fez quantas tatuagens lhe coube. Pintou os cabelos em vermelho como fogo e passou a usar couro. Eles conversavam sobre livros e amores quando os encontrei num final de tarde de frente para o mar de Navegantes. E depois disso nunca mais os vi nessa vida. E se alguém me pergunta sobre Navegantes, mesmo que eu não diga, ocorre-me imediatamente George e Camila.

Do Blog de JefhCardoso

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