Pensadores

Pensadores

(Imagem: Flickr, do álbum de bluechameleon)
O exercício de escrever pode ser tudo, menos fácil. A constatação não é só de quem não possui qualquer afinidade literária, mas sobretudo dos que se realizam na literatura. Em entrevista a Edla van Steen, Cyro dos Anjos já se revelara insatisfeito com o que dizia e escrevia.
 
“Não sou um escritor de forma fácil, que vai escrevendo emocionalmente” – também diria à escritora catarinense o poeta Vinicius de Moraes, para quem “mil poemas” saíam todos os dias sem que ele os anotasse. “Se for importante, o poema volta”, justificaria Vinicius. Para o baiano Jorge Amado, falecido em agosto de 2001, mesmo com a idade, a experiência e mais de trinta títulos publicados, a tarefa de escrever um romance tornara-se “muito mais difícil”.
 
Nem é preciso ir tão longe. Estão aí os resultados colhidos, por exemplo, em provas de redação aplicadas a vestibulandos. Diante dessa disciplina, a Matemática – antes o monstro devorador de boa parte dos jovens que ousassem alimentar um sonho na vida – quase se transforma em bichinho de estimação.
 
Falar, mesmo abobrinhas, dá muito menos trabalho do que desenhá-las em texto como o que li dia desses: o autor recorreu a 595 palavras, distribuidas em 49 linhas, para contar que recebera folheto institucional de uma empresa, com link para um site em construção. Ao final, vangloriava-se de ter conseguido preencher o espaço de sua coluna virtual, apesar de estar sem assunto.
 
Eis aí a chaga: falta de assunto. Não fosse o inesperado (geralmente uma tragédia), esta época do ano seria toda ela dedicada à indigência da informação, representada por “atores” sem qualidade que a mídia eleva apressadamente ao pedestal, numa relação promíscua de interesses trocados. Um “fenômeno de degenerescência epidérmico”, como disse o mesmo Vinicius de Moraes a respeito de produtores de cinema que, diante do surgimento de um tema de sucesso, atiravam-se a ordenhá-lo “até vê-lo secar”.
 
Preservadas exceções raras, parece senso comum que a tevê no Brasil venha se reafirmando um fértil celeiro de bobagens. Mas o exemplo de explícita e preocupante falta de assunto que trago aqui não vem da telinha, e sim da revelação de um adolescente anônimo, publicada em um site da internet. O jovem confessou ‘odiar’ quando, em conversa com uma garota, de repente o assunto acaba e fica “um silêncio funeral”. À pergunta da moça, que deseja saber o que dá nele para que fique tão quieto, ele responde.
 
- Nada, tô só pensando...
 
Não nos tem faltado nem Informação (com maiúscula), nem tecnologia para acessá-la. Mas é curioso constatar que, apesar de tudo, falta assunto quando se trata, especialmente, da comunicação de massa. Vai ver, o “assunto” por aqui sai em férias, e só começa a dar as caras, lenta e preguiçosamente, depois do carnaval.
 
Enquanto isto, o futuro se traduz em monumental interrogação, repleta de muito e exaustivo “pensar”.

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