Mulheres de aço e de flores







(...) A vida é quase um castigo, não fosse a eterna esperança. Eu vivo esperando. Olho para a porta verde-musgo e sorvo o desatino da dor. Mas a dor está costurada na espera. Meu visitante discorda. Ele não deve entender nada dos meus desatinos. Eu só o tolero porque não tenho mais ninguém nessa vida.
 Andei necessitando de uma revisão médica. Doutor Bernardo acompanhou os exames. Após prolongados dias de coletas de sangue e outros excrementos, deu-me a sentença final. - Nada que mereça preocupações, pois a senhora está com a saúde em perfeita ordem!
Concluí que estou pronta para o amor, a maternidade, as extravagâncias. Ocorreu-me o desejo de litros inteiros de cachaça, rodadas de cartas, noitadas, música alta e garçons com olhares libidinosos servindo-me uma bebida proibida. Ocorreu-me o desejo de lençóis desconhecidos, outros cheiros, locais impróprios, sorrisos maldosos, cochichos no ouvido. O carro parado à porta,  o vestido vermelho, o salto alto, a maquiagem expressiva, os olhos contornados de vida. A buzina impaciente, o braço pra fora do carro, os pêlos à mostra, o relógio dourado quase vulgar. O vinho à espera em algum lugar, a frase obscena, a língua no ouvido.
Foi então que me percebi mentirosa. Eu queria mesmo era uma cama quente, pijamas de flanela e esbarros noturnos de Horácio. A tosse alta, o ronco descompassado, o incômodo do cobertor enrolado aos pés da cama. O chá no criado- mudo, a fumaça subindo cúmplice, os óculos acomodados próximos ao abajur, o copo de água, a cartela de comprimidos. A velhice, a preocupação com os filhos, a confidência de segredos familiares.  (..)

Do Livro: Mulheres de aço e de flores
  Padre Fábio de Melo

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