No dia 9 de novembro de 1968, por volta das 7h30 da manhã, a campainha tocou.

"Inocentemente, abri, e imediatamente uma enxurrada de policiais entrou, eles subiram correndo para o quarto da minha mãe e do meu pai."

"Ouvi um barulho lá fora, fui para o meu quarto olhar pela janela, e vi muita gente com câmeras."

"Eu não estava assustado nem nada, porque pensei que meu pai estava sendo resgatado."

"Só soube que não era bem isso quando meu pai veio até o meu quarto e me disse que havia se comportado mal, que sentia muito e que precisaria se ausentar por um tempo."

"Eu perguntei a ele: 'Até quando? E ele disse:' Ainda não sei'."

"Mesmo assim, não achei que fosse grave até ver minha mãe absolutamente arrasada, e pensei: 'Isso não faz sentido!'"

"Eu não conseguia entender: se os policiais eram os mocinhos, e vieram buscar meu pai, isso significava que ele não era um mocinho? Isso me confundiu, porque eu só conseguia imaginá-lo como um herói."

O pai de Nick, o espião super-herói da infância dele, estava na lista dos homens mais procurados do mundo da Interpol.

Era Bruce Reynolds, o cérebro por trás de um dos maiores e mais ousados ​​roubos da sua época — o famoso assalto ao trem pagador.

Em 8 de agosto de 1963, Bruce e um grupo de cúmplices armados (incluindo "tio Jack"), atacaram um trem dos correios que ia de Glasgow, na Escócia, a Londres, na Inglaterra, e roubaram £ 2,5 milhões, o que equivaleria a mais de US$ 50 milhões (R$ 250 milhões) hoje.

Foi um assalto lendário e também violento. O maquinista, Jack Mills, foi brutalmente espancado por um dos homens, e morreu dois anos depois.

Portanto, a riqueza da infância de Nick, daqueles dias despreocupados sob o Sol, não eram provenientes da venda de tabaco.

Fim da festa

Os autores do assalto ao trem pagador com cópias do livro que escreveram em 1979. Da esquerda para a direita: Buster Edwards, Tom Wisbey, Jim White, Bruce Reynolds, Roger Cordrey, Charlie Wilson e Jim Hussey

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Alguns dos autores do assalto ao trem pagador com cópias do livro que escreveram em 1979. Da esquerda para a direita: Buster Edwards, Tom Wisbey, Jim White, Bruce Reynolds, Roger Cordrey, Charlie Wilson e Jim Hussey

O pai de Nick era um criminoso e, como ele descobriria mais tarde, o famoso assalto não era o único em que ele estava envolvido.

Antes do assalto ao trem pagador, houve outro também bastante notório em um aeroporto de Londres.

"(Eles) eram muito ousados. Faziam o tipo de roubo que, até então, só se via no cinema."

Nick conta que seu pai adorava planejar os assaltos.

"Ele via os roubos como um diretor de cinema, roteirista e ator. Era uma unidade de produção completa."

"E ele me disse que depois sentiu um grande anticlímax. Tinha acabado de realizar o maior roubo da história da Inglaterra até então e, em vez de se sentir eufórico, se sentiu mal porque pensou: 'E agora?'"

A resposta, no caso de Bruce Reynolds, foi a prisão. Ele foi condenado a 25 anos, dos quais cumpriria dez.

Mas o que aconteceu com Nick? Como ele reagiu depois de abrir a porta e ver seu mundo desabar?

"Me lembro vividamente daquele momento porque foi quando a festa acabou: aquelas férias de seis anos e a unidade familiar desapareceram para sempre."

"Minha mãe ficou completamente perdida sem meu pai. Pouco depois, desenvolveu vários problemas de saúde mental e, ao longo dos anos, foi internada mais de cinco vezes."

"Para ela, foi o fim do mundo."

Para Nick, nem tanto.

"As crianças são bastante adaptáveis."

"Eu tinha muita fé de que não seria assim para sempre, e que as coisas iriam melhorar."

Embora tenha havido algo que o impressionou muito.

"Quando fui visitá-lo pela primeira vez na prisão, meu pai estava em uma caixa de vidro – como Hannibal Lecter. Eu nem sequer podia tocá-lo. Isso foi mais assustador. Pensei: 'Meu Deus, quem é meu pai, para terem prendido ele assim!'"

Nova fase

Nick, no palco, em show do Alabama 3

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Nick, no palco, em show do Alabama 3

A vida de Nick mudou drasticamente, até porque seus pais decidiram mandá-lo para um colégio interno, um lugar em que ele desesperadamente não queria estar.

Mas havia uma constante: seu relacionamento com o pai.

"Eu tinha passado mais tempo com meu pai naquela época do que a maioria das outras crianças. Tínhamos um vínculo muito, muito próximo."

Da prisão, "ele me escrevia cartas muito longas. Era uma forma de me ensinar sobre tudo que interessava a ele, para que quando eu fosse à prisão tivéssemos muito o que conversar".

Nick também escrevia para ele, e ia visitá-lo a cada duas semanas

Claro, ele manteve em segredo quem era seu pai por muito tempo.

"Se me perguntavam, eu dizia que era policial."

Mas em algum momento de sua vida, ele percebeu que, sem querer, estava fazendo tudo o que seu pai queria, mas não podia fazer.

"Ele queria ser músico, mas não tinha aptidão musical (Nick ainda faz parte do Alabama 3). Ele queria estar na Marinha, mas sua visão não era boa (Nick ingressou na Marinha Real britânica quando terminou a escola)."

E não para por aí.

Seu pai adorava arte e costumava enviar um cartão postal com cada carta. Na frente, a imagem de alguma obra de arte; e no verso, descrições detalhadas sobre o artista e o estilo.

Aos poucos, Nick também ficou fascinado. Tanto que, hoje em dia, ele é o principal praticante no mundo de uma forma de arte quase esquecida: as máscaras mortuárias.

Nick Reynolds na inauguração da estátua do crucifixo de Pete Doherty, chamada For Pete's Sake, em 2005

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Além de músico, Nick Reynolds também é escultor

"Uma máscara mortuária é feita moldando as feições de uma pessoa morta. É quase como se o seu último suspiro tivesse sido congelado no tempo, é o último retrato."

Em 2023, o museu National Portrait Gallery, em Londres, abriu uma nova ala — e parte dela é dedicada às máscaras mortuárias. Entre elas, estão obras de Nick.

O papel do pai no assalto ao trem pagador influenciou dramaticamente sua vida.

Será que, às vezes, ele deseja que nada disso tivesse acontecido? E que pudesse ter levado uma vida normal?

"As coisas não podem ser revertidas. Você é o que é. Passei minha vida inteira tentando jogar com as cartas que recebi, e não faz sentido reclamar."

"Às vezes, acho um pouco irritante que aos 61 anos eu ainda seja 'filho de alguém'. É uma grande sombra, e um peso que há muitos anos tento tirar dos ombros. Mas não é fácil de tirar, e tenho convivido com isso."

"De qualquer forma, você tem que aproveitar ao máximo as coisas da vida e, se puder, ver o lado engraçado de tudo."