Existem muitas mensagens naquele chat. Algumas descrevem ferimentos, mas não conseguimos determinar o destino de todas as participantes do grupo.

Enquanto esperavam pela chegada dos soldados israelenses, sentadas nos quartos seguros, as moradoras do kibbutz continuavam a apoiar umas às outras.

Gutentag fez ligações silenciosas para as vizinhas que postavam mensagens expondo sua angústia, dizendo "respire comigo".

"Postei muitas mensagens de incentivo: tenho certeza de que o exército está aí, tenho certeza de que eles estão chegando, tenha paciência, respire", ela conta. Outras pessoas do grupo fizeram o mesmo.

Em uma troca de mensagens, alguém perguntou: "alguém pode dizer alguma coisa para nos acalmar?" Foi questão de segundos até que uma vizinha respondesse "eu posso" e descrevesse como o exército iria lidar com a questão.

Perto das 15 horas, Gutentag recebeu uma ligação de vizinhos pedindo para ir para a sua casa porque a deles estava cheia de fumaça.

Ela correu para a porta da frente e começou a desfazer uma pilha de móveis que ela havia colocado contra a porta, para impedir que alguém entrasse. Ela então deixou a família de quatro pessoas passar, levando-os para o quarto seguro antes de montar novamente a barricada.

Poucos minutos depois, outra mulher entrou em contato pedindo para entrar e Gutentag conduziu novamente o mesmo processo.

Enquanto sua família aguardava o resgate que elas não tinham certeza se iria acontecer, Michal Pinyan conta que colocava as mãos sobre seus três filhos e "dava beijinhos, mas em silêncio".

Uma mensagem no grupo do WhatsApp ofereceu conselhos sobre como manter as crianças calmas. A mensagem dizia que o medo é normal e aconselhava a acalmar as crianças com um abraço.

A chegada das forças de segurança

À tarde, as atualizações compartilhadas no grupo indicavam que os soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) haviam chegado e começavam a avançar.

"Os soldados, agora, estão lutando... mais dois batalhões estão a caminho", dizia uma mensagem, enviada pouco depois das 15h30.

As pessoas continuavam a postar seus endereços, na esperança de que alguém viesse salvá-las. Elas acrescentavam informações rápidas, como "terroristas escondidos".

O grupo palestino Hamas realizou um ataque surpresa no sul de Israel nas primeiras horas deste sábado (7/10)

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O grupo palestino Hamas realizou um ataque surpresa no sul de Israel nas primeiras horas deste sábado (7/10)

Mas a confusão continuava a dominar a todos e ninguém parecia saber quantos soldados haviam chegado, nem se eles vinham em um grupo organizado em condições de controlar a situação.

As pessoas relataram ouvir gritos de "IDF, IDF!" no lado de fora, mas não sabiam se podiam confiar no barulho. Talvez fosse o Hamas disfarçado para tentar fazer os moradores abrirem suas portas.

Abidbol continuava de pé com sua arma na cozinha. Ele conta que conseguia ver os homens do Hamas com granadas, gritando "IDF, IDF".

"Enviei mensagens para os vizinhos dizendo que eu não achava que fosse a IDF", ele conta. "Eles tinham sotaque e não estavam adequadamente vestidos – estavam de uniforme, mas não estavam vestidos direito."

Esta mensagem também foi compartilhada no grupo. "Eles também se disfarçaram de soldados, não atendam ninguém do lado de fora", dizia uma das mensagens.

A evacuação

À medida que a noite se aproximava, as mensagens começaram a trazer mais esperança.

Os sons ouvidos pelas pessoas nos seus quartos seguros eram diferentes. Muitos começaram a ouvir mais vozes falando em hebraico.

Eles haviam esperado por socorro quase um dia inteiro.

Em uma das primeiras mensagens no grupo, uma das participantes disse às pessoas que não se preocupassem e que elas não precisavam do exército. Tudo estaria resolvido em breve.

Mas, poucos minutos depois, as pessoas estavam implorando pela chegada dos soldados.

Agora que a ajuda finalmente havia chegado, os moradores tentavam coordenar com os soldados os locais para onde as tropas das IDF deveriam ser enviadas para lutar.

Israelenses sob o controle de homens do Hamas na comunidade Be'eri

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Israelenses sob o controle de homens do Hamas na comunidade Be'eri

"Quem precisa de ajuda e onde? Mandem as localizações das casas", escreveu alguém.

Pouco antes das 18 horas, circulou uma mensagem dizendo que as principais forças do exército estavam cuidando do incidente.

"Até agora, vocês foram incríveis e corajosos. Permaneçam nos quartos seguros e o incidente irá terminar. Todos estão cientes da situação e as informações estão chegando a todo momento", dizia a mensagem.

Foi perto desse horário que Bhing Sol e Meir Hadad foram resgatados do seu quarto seguro.

A casa à sua volta, onde a família estava reunida em torno do jogo de tabuleiro na noite anterior, agora eram cinzas. Mas, de alguma foram, eles sobreviveram, presos em um quarto minúsculo, enquanto todos os seus pertences queimavam.

Sol olhou para trás enquanto eles saíam escoltados pelos soldados. Pelo celular, ela tirou uma foto do que sobrou da sua casa.

Médicos empurram um homem ferido na entrada de emergência do hospital Ichilov, em Tel Aviv, após uma incursão do Hamas nos assentamentos israelenses ao redor da Faixa de Gaza

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Médicos empurram um homem ferido na entrada de emergência do hospital Ichilov, em Tel Aviv, após uma incursão do Hamas nos assentamentos israelenses ao redor da Faixa de Gaza

De volta ao grupo, uma mensagem enviada às 18h08 dizia: "estão começando um processo de evacuação". Esta postagem foi seguida pelas primeiras mensagens de pessoas contando que haviam sido salvas.

Mas o processo foi lento. Muitas continuaram a pedir ajuda noite adentro.

"Muitas balas também por aqui. Não para. Por favor, eles estão aqui", disse uma mensagem enviada pouco depois das 19 horas.

Os militares chegaram ao apartamento do irmão de Gerster às 20 horas, dizendo a ela e ao seu marido que eles seriam resgatados em uma hora.

Participantes do grupo das mães começaram a compartilhar as senhas que os soldados iriam fornecer para que os moradores pudessem confirmar que eram realmente eles. As pessoas continuavam preocupadas se, na verdade, não seria o Hamas tentando entrar nas suas casas.

Enquanto isso, o som dos disparos prosseguia. Eles foram informados que não havia acabado, mas, como eles haviam passado o dia inteiro sem ver nada, mas ouvindo tudo, a sensação era que eles não conseguiam diferenciar nada, nem confiar em ninguém.

"Eles não estão dizendo a senha, ajudem", escreveu uma moradora.

Antes e depois: casa de Meir queimada pelo Hamas
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Antes e depois: casa de Meir queimada pelo Hamas

Quando os militares chegaram à casa de Michal Pinyan, ela inicialmente se recusou a abrir a porta. Uma das pessoas da unidade de emergência do kibbutz ligou para o marido de Pinyan, para ter certeza de que realmente eram as IDF.

"Eles disseram que eles iriam voltando e gritar", conta ela. "E ele disse a eles que gritassem o nosso nome e eles abririam."

Os soldados formaram um círculo em volta da família e do cachorro de estimação. E os escoltaram para fora do kibbutz.

"Eles nos disseram 'vamos sair em silêncio e, em algum momento, vocês irão precisar cobrir os olhos dos seus filhos, pois existem muitos corpos no lado de fora'."

"Então, nós andamos, com o cachorro e ele, realmente, estava muito calmo. Levamos, eu acho, 15 minutos para sair do kibbutz até onde eles reuniram todas as pessoas. Os soldados visitaram todas as famílias desta forma, então levou muito tempo."

Pinyan cobriu os olhos das crianças, mas manteve os seus abertos.

"Eu queria olhar", relembra ela. "Vi corpos. Meu marido disse que viu corpos de pessoas do kibbutz, mas eu vi corpos de terroristas."

Outras pessoas não conseguiam olhar para os restos da sua comunidade. "Eu olhava para baixo", conta Gutentag. "Acho que isso salvou a minha alma."

Enquanto eles esperavam para serem levados embora, um atirador abriu fogo perto deles. Aquilo ainda não havia acabado.

Os moradores foram levados em caminhões do exército para uma cidade próxima, antes de serem transportados para um hotel no Mar Morto.

Dafna Gerster viu os militares pela primeira vez às 20 horas, mas só foi resgatada depois de uma hora da manhã. Ela havia passado as últimas 19 horas em um estado de tensão e horror tão grande que não havia se preocupado muito com seu irmão.

Ela descobriu que ele morreu lutando. E não foi o único.

Uma mulher postou às 10 horas que integrantes do Hamas estavam dentro da sua casa e fez repetidos pedidos de ajuda por toda a manhã. Ela ficou em silêncio por boa parte da tarde, até enviar uma enxurrada de postagens perto das 17 horas.

A primeira mensagem foi de voz, um sussurro devastador: "preciso de ajuda".

Outras pessoas responderam que ela permanecesse ali.

Às 18 horas, ela postou de novo: "precisamos ser evacuados".

Estas foram as últimas mensagens daquela mulher observadas pela BBC no grupo de WhatsApp. Seus amigos afirmam que ela deve estar morta ou ter sido capturada.

Os moradores do kibbutz agora relembram a vida que tinham antes daquela primeira mensagem que dizia "Deus nos livre" – um tempo em que aquela comunidade, para eles, era um paraíso.

Eles descrevem um belo cenário, uma comunidade de mães e amigos que confiavam uns nos outros e cuidavam dos seus vizinhos.

Os sobreviventes afirmam que estão reunindo forças com a sua comunidade desfeita, mas não conseguem esquecer aqueles que perderam.

"Eles são nossos amigos, são nossa família, são tudo para nós", lamenta Golan Abidbol. "Nós os conhecemos. Eles fizeram parte das nossas vidas desde que nascemos e os queremos de volta."

Os moradores passaram décadas construindo uma comunidade no kibbutz Be'eri. Para eles, parecia algo indestrutível. Agora, muitos não sabem para onde ir e o que fazer.

"Não sei nem mesmo se teremos uma casa para onde ir depois disso", lamenta Gerster. "Vivíamos na ilusão de que estávamos seguros."

* Com tradução das mensagens originais de Shaina Oppenheimer, Jonathan Beck, Liora Schurr e Jonathan Shamir, entre outros.

Design e visualização de Tural Ahmedzade e Joy Roxas.

Verificação pela equipe BBC Verify.

Edição: Samuel Horti.