quarta-feira, 19 de julho de 2023

Os segredos que cercam a megaprisão símbolo da guerra de Bukele contra as gangues de El Salvador

 

Angélica conta que já tinha um pressentimento, mas aquele vídeo confirmou suas suspeitas.

Ele foi compartilhado em um grupo do Facebook e ela analisou com paciência, quadro a quadro.

Depois do minuto 25, quando viu aquele homem sentado com as pernas cruzadas estendendo a mão para o seu colega de beliche, ela parou o vídeo. Angélica retrocedeu e deixou avançar alguns segundos para depois voltar a pausar.

Ele tinha a cabeça raspada e estava vestido como os demais presos, apenas com um calção branco. Mas ela não teve dúvidas: era seu marido Darwin.

Ela não o havia visto desde que foi preso, no dia 30 de março de 2022 – 11 meses antes.

Estas imagens eram a primeira prova de que ele havia sido transferido para o Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot) , a megaprisão inaugurada pelo presidente salvadorenho Nayib Bukele em 31 de janeiro de 2023. O Cecot transformou-se em um símbolo da “guerra contra as gangues” e da política de segurança de Bukele, que deu ao presidente uma popularidade sem precedentes , dentro e fora de El Salvador.

O apoio a Bukele baseia-se principalmente na drástica redução dos homicídios registrada desde que ele assumiu o governo do país, que já chegou a ser o mais violento do mundo.

Muitas pessoas destacam esta mudança e respiram aliviados, sobretudo nos bairros que eram controlados pelas gangues, onde a regra era “ver, ouvir e calar-se”. Os moradores agora podem cruzar as fronteiras invisíveis impostas historicamente pelas gangues, sem sofrer perseguição e sem medo de represálias.

Mas, cinco meses depois da sua inauguração, o Cecot também é um símbolo de isolamento e das acusações de falta de transparência do regime de exceção imposto depois de 76 assassinatos registrados em apenas 48 horas, em março de 2022.

Desde que o início do regime de exceção, quase 70 mil pessoas foram detidas, diversas garantias foram suspensas e existem inúmeras denúncias de graves infrações dos direitos humanos, que vão desde prisões arbitrárias e torturas até mortes sob a custódia do Estado.

Milhares de salvadorenhos estão há meses sem ter notícias dos seus familiares presos e, como Angélica, procuram os entes queridos em vídeos, fotografias ou espiando pelos pequenos buracos nos muros das prisões que conseguem alcançar.

Muro da prisão de Ilopango, em San Salvador, por onde pessoas tentam identificar seus familiares.

Muro da prisão de Ilopango, em San Salvador, por onde pessoas tentam identificar seus familiares/BBC News Mundo

Cecot foi apresentado ao povo salvadorenho em cadeia nacional de rádio e televisão como “a maior prisão das Américas”.

Segundo o governo de El Salvador, o centro tem capacidade para 40 mil presos e é exclusivo para prisioneiros que “ocupam altas posições” da Mara Salvatrucha (ou MS-13) e das duas facções do Barrio 18 – gangues rivais que aumentaram progressivamente seu poder nas últimas décadas, recrutando jovens e controlando territórios. Elas semearam o terror, a divisão e a morte no país centro-americano.

Depois de aparecer na imprensa percorrendo suas instalações, Bukele divulgou a prisão no Twitter, sua plataforma preferida para promover os resultados do seu governo:

“El Salvador conseguiu deixar de ser o país mais inseguro do mundo para ser o país mais seguro das Américas.”

“Como conseguimos? Colocando os criminosos na prisão. Há espaço? Agora, sim. Eles poderão dar ordens de dentro da cadeia? Não. Conseguirão escapar? Não. Uma obra de sentido comum”, acrescentou ele.

Com publicidade midiática similar, no dia 24 de fevereiro, foi anunciado o ingresso de 2 mil internos na prisão e, em 15 de março, mais 2 mil. Foram as duas únicas transferências de que se tem notícia até o momento.

Entre as imagens oficiais de homens seminus, às vezes correndo agachados, às vezes sentados muito próximos uns dos outros, Angélica conseguiu identificar seu marido, um preso hondurenho que havia sido deportado dos Estados Unidos em 2018, depois de cumprir pena por roubo. Ele emigrou posteriormente para El Salvador, onde não tem antecedentes penais.

“Eu o reconheci pelas tatuagens”, declarou ela à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. Foram as mesmas tatuagens que o levaram à prisão por “associações ilícitas” – um delito que, em El Salvador, engloba não só os líderes ou membros das gangues, mas também aqueles que obtêm “proveito indireto” das relações com elas, seja qual for a sua natureza.

É devido a essa gravação (e porque tem um recibo que comprova que ela forneceu, para a Direção Geral de Centros Penais, US$ 90 (cerca de R$ 435) para os gastos do seu marido na prisão) que ela tem certeza de que seu esposo passa seus dias atualmente em uma das 256 celas daquela gigantesca unidade penal.

Vista aérea do Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), em El Salvador

Vista aérea do Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), em El Salvador/Presidência de El Salvador via Getty Images

Depois da entusiasmada abertura da prisão, mas antes que os primeiros prisioneiros fossem transferidos, diversos meios de comunicação visitaram o Cecot, mas as informações públicas sobre as condições dos que ali vivem são muito poucas, quando não inexistentes.

A BBC News Mundo solicitou uma visita à prisão, mas o pedido foi negado. E, até o momento da publicação desta reportagem, a entrevista solicitada ao presidente Bukele ou outro representante do governo para falar desta e de outras questões levantadas nos últimos meses permanece “pendente”.

Mas, examinando vídeos (do governo e da imprensa), fotografias, entrevistas com autoridades e dados contestados por um técnico envolvido na construção (e cuja identidade não revelamos por questões de segurança), o serviço em espanhol da BBC conseguiu recriar detalhes da megaprisão, para tentar fornecer uma ideia melhor das suas dimensões.

O Cecot tem 256 celas.

Cada uma delas é formada por três paredes de cimento e grades.

As camas são placas metálicas e, segundo as informações oficiais, não há colchões.

Veja a matéria na íntegra, clicando no link:

https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-051ab38e-b7d2-44ce-b40f-80d5b51f7db2

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