'A morte é grande conselheira': a lista de 'últimos desejos' que mobiliza amigos de ativista com câncer

 

Ana Michelle Soares é uma das principais vozes do movimento paliativista brasileiro

Em tratamento contra o câncer há 12 anos, a jornalista e escritora Ana Michelle Soares é uma das maiores referências do movimento pela valorização dos cuidados paliativos no Brasil.

Com a recente piora de seu estado de saúde, ela precisou ficar internada praticamente o tempo todo durante os últimos três meses.

E foi durante uma conversa com amigos próximos que ela teve uma ideia: fazer uma bucket list, ou uma lista de coisas para fazer antes de morrer.

Entre os desejos, Ana Mi — como é conhecida — incluiu coisas como "fazer algo perigoso", comer alguns pratos específicos e repetir experiências simples, como rever o cachorro e dormir mais uma vez em casa.

Assim que compartilhou a lista num grupo de WhatsApp, familiares e amigos se mobilizaram para realizar cada um dos desejos dela — e criaram uma rede de apoio que envolveu até a cantora Duda Beat, o chef de cozinha Rodrigo Oliveira e a professora de filosofia Lúcia Helena Galvão.

"Esse momento que estamos vivendo mostra o sucesso absoluto de uma vida. No auge da fragilidade, ela foi capaz de tomar decisões sobre o que é importante e sagrado para si mesma", comenta a médica Ana Claudia Quintana Arantes, amiga de Ana Mi e fundadora da Casa Humana, uma instituição que trabalha com reabilitação e cuidados paliativos.

'Posso estar morrendo, mas estou gata'

Em outubro de 2021, a BBC News Brasil publicou uma reportagem sobre os erros e os mitos a respeito dos cuidados paliativos e do tratamento de doenças graves no país.

Ana Mi foi uma das personagens da matéria e compartilhou um pouco de sua história numa entrevista.

Ela contou que recebeu um diagnóstico de câncer de mama em 2011, quando tinha 28 anos de idade.

Quatro anos depois, em 2015, os exames mostraram que o tumor havia se espalhado para outras partes do corpo, num processo conhecido na medicina como metástase.

Com bom humor, Ana Mi lembrou de um episódio logo depois de receber essa notícia há oito anos. Ela se preparava para ir à balada, colocou um vestido vermelho, se olhou no espelho e pensou: "Posso estar morrendo, mas estou bem gata."

"À época, eu vi no prontuário médico que, a partir dali, o objetivo do meu tratamento era 'paliativo'", relatou.

"Aquela palavra soava estranha para mim, era como se eu estivesse morrendo. E eu me sentia bem."

No final de semana após a balada, Soares resolveu entender melhor o que esse tal de paliativo realmente significava. "Quando finalmente compreendi, percebi que era algo óbvio, que deveria ter sido oferecido a mim desde o começo do meu tratamento", disse.

"Decidi então começar a fazer cuidados paliativos por mim mesma. Fui atrás de terapia, suporte espiritual e resolvi muitas questões que me causavam sofrimento", completou.

Nos últimos oito anos, Soares virou uma das vozes mais ativas do movimento paliativista brasileiro.

Ela lançou os livros Enquanto Eu Respirar, em 2019, e Vida Inteira, em 2020, ambos pela Editora Sextante, cuida da conta de Instagram @paliativas, que tem mais de 170 mil seguidores, e coordena a Casa Paliativa, um espaço de convivência para pacientes com enfermidades que ameaçam a vida.

"Eu posso até estar com uma doença grave. Mesmo assim, ainda vale a pena viver da melhor forma possível", declarou à BBC News Brasil.

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Arantes destaca que o trabalho de Ana Mi congrega e inspira pacientes em cuidados paliativos de todo o Brasil.

"Em 2019, quando montamos a Casa do Cuidar, resolvemos criar também a Casa Paliativa, e Ana Michelle foi a responsável por estruturar esse projeto, que reúne pacientes independentemente do tipo de doenças que eles têm", diz a médica, que também é autora dos livros A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver e Histórias Lindas de Morrer (Editora Sextante).

"Hoje, a Casa Paliativa tem um grupo de Facebook com mais de 2,3 mil participantes e um banco de 130 aulas disponíveis gratuitamente sobre dor, fadiga, ansiedade, insônia, sexualidade, suporte familiar, luto, desistir e outros temas relacionados ao sofrimento", informa Arantes.

"Fizemos fóruns de cuidados paliativos para pacientes em que esperávamos 200 ou 300 pessoas. No total, foram 15 mil inscritos e algumas aulas tiveram mais de 8 mil participantes simultâneos", completa.

Os últimos desejos

Numa nova entrevista à BBC News Brasil, realizada por telefone direto do hospital onde está internada, Ana Mi revelou que a ideia de criar uma bucket list veio a partir da história de uma grande amiga: Renata Lujan, que também teve câncer, foi ativista do setor e morreu em 2018.

"Mesmo com a Renata muito mal, as pessoas fingiam que nada estava acontecendo. Todos sempre usavam o discurso de que logo ela ficaria melhor e sairia daquela condição", lembra.

"Ninguém entendia que ela estava numa situação grave e precisava de uma rede de apoio, com momentos para dar risada, brincar, falar besteira… Ou seja, deixar de tratá-la com aquele ar morimbundo, para encará-la como uma pessoa viva", explica.

O termo em inglês bucket list vem da frase kick the bucket, ou "chutar o balde", em tradução livre. Trata-se de uma figura de linguagem equivalente ao "bater as botas" em português.

Essa expressão, inclusive, serviu de título para um filme de 2007, lançado no Brasil como Nunca É Tarde Demais. A história, estrelada por Morgan Freeman e Jack Nicholson, acompanha dois amigos em estado terminal, que resolvem fazer uma viagem e cumprir uma lista de desejos antes que ambos "chutem o balde" — ou "batam as botas".

Cartaz do filme 'Nunca é Tarde Demais', estrelado por Jack Nicholson (à esquerda) e Morgan Freeman (à direita)

"A Renata tinha pouco tempo de vida, mas conseguimos fazer muitas coisas que eram importantes para ela", diz Ana Mi.

Entre os desejos que puderam ser realizados a tempo, Renata conseguiu visitar os campos de lavanda de Cunha, em São Paulo, e recebeu a benção do padre Fábio de Melo, de quem era grande admiradora.

Leia mais, matéria completa no link?

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64295487


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