sábado, 1 de fevereiro de 2020

(O MUNDO INTEIRO PRECISA SABER DESSA MONSTRUOSIDADE!!!) O caso de Paola Guzmán, que se suicidou após abusos na escola, julgado agora pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

Petita AlbarracínCentro de Direitos Reprodutivos e CEPAM Guayaquil  Image caption Petita Albarracín, mãe de Paola Guzmán, pediu justiça nesta semana na Corte Interamericana de Direitos Humanos 

 Paola era uma garota muito alegre e amorosa, amada por toda a família e cheia de sonhos."

É assim que Petita Albarracín descreve a filha Paola Guzmán, jovem equatoriana que se suicidou após engravidar em decorrência dos abusos sexuais que sofreu durante dois anos na escola.
Bolívar Espín, então vice-reitor da escola Martínez Serrano, onde Guzmán estudava em Guayaquil, foi apontado como suposto autor dos abusos.
Guzmán tinha 16 anos quando tomou pastilhas de fósforo branco, conhecidos como "diabinhos" no Equador, para tirar a própria vida em 12 de dezembro de 2002.
Os "diabinhos", usados na pirotecnia, contêm uma substância química muito tóxica, que pode levar à morte se for ingerida.
A família e as amigas tentaram salvar a jovem após a ingestão das pastilhas, mas uma sucessão de acobertamentos e omissões fez com que Paola perdesse a vida.
Após 18 anos, e sem condenar os culpados, o caso de Paola Guzmán chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na última terça-feira (28), como o primeiro sobre violência sexual no contexto educacional.
 Paola Guzmán quando tinha 11 anos 
Direito de imagem Petita Albarracín Image caption Paola Guzmán quando tinha 11 anos
Petita quer justiça para a filha.

Quem era Paola?

Paola Guzmán morava com a irmã mais nova, a mãe e a avó em um subúrbio da cidade equatoriana de Guayaquil no início dos anos 2000.
"Tínhamos uma vida tranquila. Havia muito amor e valores", afirmou Petita na audiência de terça-feira.
"Fui mãe e pai das minhas filhas. Tive que trabalhar duro para que não faltasse nada a elas."
Entre os projetos de Paola, estava conhecer Nova York, onde sua tia morava, e terminar o ensino médio.
"Ela queria ser secretária para poder trabalhar em uma boa empresa", disse a mãe à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Mas, em outubro de 2002, Petita começou a notar mudanças em Paola.
"Minha filha, o que está acontecendo? Você está com algum problema?", ela perguntava.
"'Não, mãe', ela dizia, e fazia uma piada."
 Petita Albarracín na audiência da Corte Interamericana de Direitos HumanosDireito de imagem Centro de Direitos Reprodutivos e CEPAM Guayaquil Image caption O caso de Paola Guzmán chegou à Corte Interamericana porque a família da jovem não conseguiu fazer justiça no Equador
"Mas eu percebi (que algo estava acontecendo) por causa de algumas feridas que apareceram (no corpo dela). O médico me disse que era psoríase, doença que surge quando alguém está com problemas ou preocupações", acrescentou.
Ela disse que conheceu Bolívar Espín, o vice-reitor da escola, quando Paola tirou uma nota baixa, e foi conversar com ele acompanhada da filha, porque estavam dando oportunidades a alunos com notas baixas.
"Eu disse a ele que poderia colocar um professor particular, mas acho que ele não gostou. Então não a ajudou", disse Petita na audiência.

O dia trágico

Em 12 de dezembro de 2002, o telefone tocou na casa dos Guzmán Albarracín. Uma sobrinha de Petita atendeu. De repente, seus olhos ficaram vermelhos.
"Uma colega da Paola ligou, disse que ela tomou algo e que precisávamos ir para a escola rapidamente. Peguei um táxi com meus sobrinhos e fomos até lá. Havia um grupo de garotas do lado de fora chorando e comentando, mas fui direto para a reitoria para ver minha filha. E lá encontrei minha filha jogada em uma poltrona. Nesse momento, o vice-reitor se aproximou de mim e disse: 'Pegue sua filha e leve ela' ", contou Petita quase à beira das lágrimas.
"'Mamãe, mamãe, me perdoe!', ouvi ela me dizer."

Paola mal conseguia andar por causa da dor — a mãe decidiu então levá-la ao hospital. Segundo a família, a menina não havia recebido atendimento médico na escola.
"No hospital, a médica me disse: 'Senhora, sua filha tomou diabinhos'."
Essas pastilhas contêm fósforo branco inorgânico, com uma concentração média de 20 miligramas por comprimido — e uma dose de 50 a 60 mg é letal, conforme explicado por especialistas na Corte.
Paola tomou 11 comprimidos.
"Foi um caso grave de evolução rápida que levou à falência múltipla dos órgãos", afirmou um dos especialistas na audiência.
A comunidade médica do Equador vem alertando sobre o perigo deste produto há décadas , uma vez que é de fácil acesso, e os jovens têm usado para tentar suicídio.
"Como minha filha devia estar desesperada para ter tomado os diabinhos", desabafou Pepita.

"Por que você fez isso?"

A família decidiu levar Paola a uma clínica particular. Mas o estado de saúde da jovem piorou.

 Captura de tela da audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na qual Petita Albarracín mostra uma foto da filha PaolaDireito de imagem Corte Interamericana de Direitos Humanos Image caption 'Os abusos que minha filha sofreu, todos sabiam', disse Petita na Corte Interamericana de Direitos Humanos
"Ela dizia: 'Mamãe, me dá um banho, me dá água... (o fósforo branco) já estava queimando ela. E eu não podia fazer nada", declarou Petita com a voz embargada.
"Eu perguntava: 'Por que você fez isso? Por causa de algum namorado? O que aconteceu?'. 'Não, mãe, não é nada', ela dizia", relembrou aos prantos no tribunal.
"No dia seguinte, minha irmã percebeu que as unhas dela estavam roxas e gritou: Paola está morrendo!"
Os médicos levaram a jovem para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Paola faleceu em 13 de dezembro de 2002.

A verdade

Após 18 anos deste fato trágico que mudou completamente sua vida, Petita Albarracín reviveu na Corte Interamericana de Direitos Humanos as dores e lágrimas daquele dia — e contou como descobriu a verdade.
"Estávamos na clínica com todas as amigas dela, quando um jornalista entrou gritando: 'Quem é a mãe da Paola? Senhora, você precisa denunciar o Bolivar Espín, vice-reitor. Uma colega dela me ligou e me contou tudo. Esse homem a perseguia, estuprava e a engravidou'."
"Fiquei surpresa ao saber que tantas coisas estavam acontecendo com minha filha. E pedi ao médico para fazer um exame para ver se minha filha estava grávida", acrescentou.

 Paola Guzmán quando tinha 6 anos
  Direito de imagem Petita Albarracín Image caption Paola Guzmán quando tinha 6 anos
Mas o corpo de Paola já estava aos cuidados dos médicos-legistas — e eles seriam responsáveis ​​por determinar se a jovem estava grávida.
"Sem se importar com a dor que eu sentia, (o legista) me fez entrar, e vi minha filha deitada nua sobre uma mesa, com o corpo todo aberto, seus órgãos todos ali... Ela me mostrou um pedaço de carne e disse: 'Este é o útero da sua filha, não há gravidez", relembra Petita com a voz embargada.
 
"Em meio à minha dor, como eu poderia saber se aquilo era um útero?", questiona.
"Minha filha estava grávida, porque mostrou o resultado de um teste de laboratório a uma colega."
Petita diz que dias antes de morrer, Paola contou às amigas que havia engravidado do vice-reitor. Mas a situação ainda iria piorar.
"O agressor disse que ela devia fazer um aborto no serviço médico da escola; e lá, ela foi novamente vítima de violência sexual, porque o médico condicionou realizar o procedimento em troca de sexo", segundo o Centro de Direitos Reprodutivos e o Centro Equatoriano para a Ação e Promoção da Mulher (CEPAM) de Guayaquil, organizações que dão apoio jurídico a Petita.
"O abuso que minha filha sofreu foi lá (na escola). O reitor sabia, as autoridades, os professores, os alunos, as amigas — e não me disseram nada. Todo mundo sabia", lamentou a mãe.
Paola deixou duas cartas de despedida: uma endereçada à mãe, e outra a Bolívar Espín.
"A que se dirigia a mim, dizia: 'Mamãe, mamãe, me perdoe, cuide da minha ñaña (avó), que cuidarei de você do céu."
Depois de ler as duas cartas, a mãe disse que a filha sofreu por causa de Espín.
"Ele abusou da confiança dela. Ela talvez o visse como um superior, como um professor. Mas ele abusou dela, a manipulou. Minha filha tinha 16 anos, e esse homem tinha 65. Isso não é amor. Quando ela estava jogada lá, acredito que ele a ameaçou para que não nos dissesse nada. Isso ela levou para o túmulo."

A investigação

Para esta mulher equatoriana, a morte da filha não só "arruinou sua vida", como ela também precisou sair em busca de justiça com os poucos recursos que tinha. E não foi fácil.

 Petita Albarracín na audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
 Direito de imagem Centro de Direitos Reprodutivos e CEPAM Guayaquil Image caption 'Minha filha não falou nada porque estava sendo manipulada e ameaçada', afirmou Petita
"Eu era uma mulher pobre. Tinha que procurar advogados. Fui à Defensoria Pública, eles me apoiaram por dois meses e depois me abandonaram", afirmou.
"Foi uma luta terrível. Fiz de tudo para colocá-lo atrás das grades: fui à promotoria, ao tribunal... houve muita humilhação. Eles não me atendiam, jogavam a papelada fora. 'Não haverá justiça aqui, não posso ficar aqui', pensei."
Em 2003, a promotoria de Guayas, no oeste do Equador, abriu uma investigação — e a defesa de Petita solicitou a prisão preventiva de Espín, mas o juiz negou o pedido.
No mesmo ano, ela entrou com uma segunda ação contra o vice-reitor por danos morais por incitar o suicídio da filha.
Em 2004, a Justiça decretou uma ordem de prisão preventiva contra Bolívar Espín, mas ele fugiu. E foi convocado a ir a julgamento pelos crimes de assédio sexual e incitação ao suicídio — tampouco apareceu.
Em 2005, ele foi condenado a pagar uma indenização de US$ 25 mil por danos morais à mãe de Paola. Mas Espín continuou sem comparecer perante os tribunais, até os crimes imputados a ele prescreverem.
 Ativistas realizaram um protesto pacífico do lado de fora do Ministério da Educação, em Quito, enquanto a audiência era realizada na Corte InteramericanaDireito de imagem AFP Image caption Ativistas realizaram um protesto pacífico do lado de fora do Ministério da Educação, em Quito, enquanto a audiência era realizada na Corte Interamericana
Apenas no âmbito administrativo, ele sofreu uma sanção por abandonar o cargo de vice-reitor.
"Nós esgotamos todas as instâncias. Fiz além do que uma mãe poderia fazer. Infelizmente, no Equador, nenhuma justiça foi feita", disse Petita.
"Ele está livre e vivo, minha filha, não. Ele trabalha em escolas particulares, onde não o conhecem."
E, aparentemente, o caso do abuso de Paola não foi isolado.
"Ficamos sabendo que adolescentes que foram abusadas por este homem mudaram de colégio, e suas famílias não quiseram contar o que aconteceu", afirmou à BBC News Mundo Lita Martínez, diretora do CEPAM de Guayaquil, advogada de Pepita.
 Petita Albarracín na audiência da Corte Interamericana de Direitos HumanosDireito de imagem EPA Image caption 'Este homem destruiu a vida da minha filha, a minha e da minha família', desabafou Petita
Mas, quando a história de Paola foi divulgada, outros casos começaram a vir à tona, embora não tenha havido outras denúncias na Justiça.
"Uma professora informou às autoridades educacionais que este homem a havia trancado em uma sala, tocado seu corpo, e a assediado, mas nada foi feito. Houve um silêncio cúmplice de todas as autoridades", resumiu Martínez.

Mudança de vida

"Este homem destruiu a vida da minha filha, a minha e da minha família", declarou Petita na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
"Foi uma luta tão dura, que eu já não queria mais continuar, mas precisava. Encontrei bons advogados para seguir lutando porque minha filha foi uma vítima".
Petita Albarracín, juntamente ao CEPAM de Guayaquil, apresentou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque não conseguiu justiça no Equador.
"Tentamos um acordo de solução amistosa com o Equador por muitos anos, mas não foi possível avançar porque sempre havia algum contratempo", disse Martinez, que representa Petita Albarracín desde 2005.
"Quando há impunidade e não há justiça, resta uma mensagem de permissividade para que esse tipo de atitude seja totalmente naturalizada, endossada, permitida e continue a fazer parte do cotidiano de mulheres em todos os países da América Latina."

Como o Equador se posicionou?

Durante a audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos, representantes do Estado equatoriano pediram desculpas à mãe e à irmã de Paola.
 Representante do Estado do Equador na audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos 
Direito de imagem Centro de Direitos Reprodutivos e CEPAM Guayaquil Image caption Os representantes do Estado do Equador pediram desculpas à família de Petita Albarracín
"Como representante do Estado, peço à senhora Petita Albarracín e a Denis Guzmán desculpas públicas por ações ou omissões do Estado equatoriano que tenham causado violações dos direitos de Paola Guzmán", afirmou María Fernanda Álvarez, advogada que representa o Estado do Equador.
Ela também pediu desculpas "pelas ações ou omissões do Estado equatoriano que geraram violações de seus direitos na busca pela verdade e reconhecimento".
No entanto, os representantes do Equador não admitiram culpa no caso de Paola, algo que chamou a atenção da defesa.
"Oferecer um pedido de desculpas público e depois não reconhecer a responsabilidade pelos fatos é, no mínimo, contraditório. Isso nos causou muita indignação", disse Martinez à BBC News Mundo.
"Seus próprios peritos nos permitiu deixar claro que houve uma negligência em relação à Paola — de outro modo, haveria uma probabilidade, embora mínima, de que Paola ainda estivesse conosco", acrescentou.
De todo modo, em sua apresentação, a representante do Estado reiterou "o compromisso (do Equador) para que os acontecimentos deste caso não voltem a se repetir".

Busca por justiça

"Espero que este Tribunal faça o que o meu Equador não fez, porque não me deram proteção. Não houve justiça. Deixo nas mãos de Deus e no seu coração", disse ela aos juízes.
 Petita Albarracín na audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
 Direito de imagem Centro de Direitos Reprodutivos e CEPAM Guayaquil Image caption Petita Albaracín espera que o que aconteceu com Paola não aconteça com outra jovem
A expectativa é que a Corte Interamericana de Direitos Humanos emita sua decisão em um ano.
"Isso não vai trazer minha filha de volta. Peço justiça e reparação. Estou cansada e psicologicamente doente. Essa é a última coisa que faço por Paola", acrescentou Petita.
"Só espero viver uma vida tranquila, e que nada aconteça com a minha outra filha, que é a única que me resta."
Paola teria hoje 33 anos.


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