domingo, 5 de janeiro de 2020

Em funeral de Soleimani, Irã reforça status de herói e mártir de general morto pelos EUA


Iranianos em procissão fúnebre para Qasem Soleiman em Ahvaz, neste domingoDireito de imagem

REUTERS
Image captionIranianos em procissão fúnebre para Qasem Soleiman em Ahvaz, neste domingo

*Reportagem atualizada às 8h30 de 5 de janeiro
Com cantos de "morte à América", milhares de iranianos saíram às ruas neste domingo (5/1) na cidade de Ahvaz para homenagear os restos mortais de Qasem Soleimani, general do país morto em Bagdá na semana passada por um ataque americano.
Soleimani era o arquiteto da influência iraniana na política externa do país pelo Oriente Médio e era considerado o segundo homem mais poderoso do Irã, atrás apenas do aiatolá (líder supremo) Ali Khamenei.
Na véspera, Soleimani já havia sido homenageado por populares no Iraque, por onde sua influência se estendia. Seu corpo foi levado para o Irã na noite do sábado.

O general liderou por duas décadas as operações militares iranianas no Oriente Médio como comandante da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária. Nesse período, o Irã apoiou o grupo libanês Hizbollah e outros militantes pró-iranianos no Líbano, além de expandir a presença militar no Iraque (onde apoiou um grupo xiita paramilitar que ajudou a combater o grupo sunita autodenominado Estado Islâmico) e na Síria (onde ajudou a orquestrar a ofensiva do governo sírio contra os rebeldes na atual guerra civil).
O Irã declarou luto de três dias de luto pela morte do general e prometeu vingança contra os EUA.
"A retaliação do Irã é certa, mas ainda não se sabe quando, onde e como. Por enquanto, a prioridade é fortalecer o status de Qasem Soleimani como herói nacional e assegurar-se de que ele siga sendo tão poderoso na morte quanto era em vida", aponta Lyse Doucet, correspondente-chefe da BBC no Oriente Médio.
"O mais importante agora (para o Irã) é elevar seu martírio. (...) Líderes iranianos esperam que sua morte consiga unir o país", explica Deucet.


Procissão em homenagem a SoleimaniDireito de imagemAFP
Image captionProcissão em homenagem a Soleimani levou iraquianos às ruas neste sábado

Escalada de tensões

O assassinato de Soleimani marca uma significativa escalada nas tensões entre Irã e EUA.
O aiatolá Khamenei prometeu "vingança severa" contra os EUA, e analistas apontam que o país pode promover ciberataques ou alvejar pontos ou interesses americanos no Oriente Médio.
No sábado, o presidente americano Donald Trump, que autorizou o ataque contra Soleimani, afirmou pelo Twitter que os EUA estão preparados para atacar 52 locais "importantes para o Irã ou para a cultura iraniana".
Em uma série de tuítes que eleva as preocupações quanto a confrontos avançados entre os dois países, Trump afirmou que os EUA atacariam "muito rapidamente e duramente" se o Irã alvejar bases ou soldados americanos.
O chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif respondeu, também no Twitter, que a morte de Soleimani foi uma quebra da lei internacional e de que alvejar pontos culturais constituiria crime de guerra.

Novo ataque aéreo no Iraque

A imprensa estatal iraquiana reportou na sexta-feira que outro ataque aéreo foi realizado no país, 24 horas depois daquele que matou Soleimani. Uma fonte do Exército iraquiano afirmou à agência Reuters que seis pessoas morreram na ação, que alvejou um comboio de uma milícia iraquiana.
Um porta-voz do Exército americano negou que os EUA estejam por trás do novo ataque.


Ataque na quinta-feiraDireito de imagemREUTERS
Image captionAtaque contra general iraniano ocorreu na capital do Iraque, Bagdá

"A coalizão (liderada pelo Exército americano) não conduziu ataques aéreos (naquela região) nos últimos dias", declarou, pelo Twitter, o coronel Myles Caggins III.
Os EUA afirmaram, porém, que despacharam mais 3 mil soldados americanos ao Oriente Médio, para ajudar a responder a eventuais contra-ataques ao de Soleimani. A respeito da morte de Soleimani, o presidente Donald Trump, em pronunciamento em seu resort na Flórida na sexta-feira, afirmou que "os militares dos EUA executaram um ataque de precisão impecável que matou o terrorista número um de todo o mundo".
Trump acusou Soleimani de estar "planejando ataques iminentes e sinistros contra diplomatas e militares americanos, mas o pegamos e o eliminamos".
Representantes de seu governo não deram detalhes sobre quais seriam esses planos. Em governos passados, tanto Barack Obama quanto George W. Bush consideraram arriscado demais alvejar o general em ações aéreas.
O Departamento de Estado dos EUA emitiu alerta após o ataque, advertindo que cidadãos americanos deixem o Iraque imediatamente.

A reação iraniana






As grandes crises que levaram a relação entre EUA e Irã ao ponto de tensão atual

Em comunicado após a morte de Soleimani, o aiatolá Khamenei afirmou que "sua partida rumo a Deus não termina seu caminho ou sua missão, mas uma vingança espera os criminosos que têm nas mãos seu sangue e o sangue de outros mártires".
A agência iraniana Tasnim afirmou que líderes da Guarda Revolucionária do país prometeram "punir americanos onde quer que estejam sob o alcance da República Islâmica" e que 35 alvos americanos e israelenses já foram identificados. Também prometeram ataques no Estreito de Hormuz, por onde passa grande quantidade do petróleo do comércio global.
As históricas tensões entre EUA e Irã sofreram uma rápida escalada na semana passada, depois de os EUA realizarem ataques aéreos no Iraque e na Síria alvejando milícias apoiadas pelo Irã, as quais os EUA culpam pela ação que resultou na morte de um civil americano recentemente. Em resposta, milícias pró-Irã invadiram a embaixada americana em Bagdá.
Em uma carta ao Conselho de Segurança da ONU, em reação ao ataque contra Soleimani, o embaixador do Irã na ONU, Majid Takht Ravanchi, disse que Teerã tem direito à autodefesa sob a lei internacional.
Analistas apontam que o Irã pode responder com ciberataques contra os EUA, além de avançar contra alvos militares ou interesses americanos no Oriente Médio.

E como fica o Iraque?



Qasem SoleimaniDireito de imagemAFP/GETTY
Image captionSolemani era uma das figuras mais importantes do regime iraniano

O premiê iraquiano, Adel Abdul Mahdi, classificou o ataque de quinta-feira de uma "descarada violação da soberania" do país e um "ataque evidente contra a dignidade da nação".
O Parlamento iraquiano agendou uma reunião emergencial neste domingo.
O Irã já patrocina diversas milícias xiitas no vizinho Iraque. Soleimani, por sinal, estava em Bagdá em um comboio com uma dessas milícias quando foi morto.
Agora, o Iraque está na difícil posição de aliado tanto dos EUA quanto do Irã (ambos os países são de maioria xiita, ao contrário da maior parte do Oriente Médio, de maioria sunita). Milhares de soldados americanos permanecem no país para ajudar no combate ao Estado Islâmico, mas agora o governo iraquiano afirma que os EUA ultrapassaram os limites de seu acordo com o país.
"Todos estão advertindo a respeito da reação iraniana, mas e quanto ao Iraque? Os EUA conduziram um ataque em sua capital, em seu aeroporto nacional, matando diversos iraquianos proeminentes além de um visitante oficial do Irã (em referência a Soleimani)", lembra, via Twitter, o diplomata americano James Dobbins, analista da Rand Corporation, organização de consultoria em política externa nos EUA.
"É difícil acreditar que o governo iraquiano continuará a dar boas-vindas a tropas americanas e conceder-lhes imunidade. Mesmo que o Irã não faça nada, esse ataque pode lhes entregar um contrabalanceamento da influência americana (no Iraque)."

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