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Denys Henrique, de 16 anos, é uma das nove pessoas
que morreram após ação da polícia no Baile da 17 na favela de
Paraisópolis
Um adolescente de
16 anos que cursava o primeiro ano do ensino médio pela manhã e
trabalhava à tarde como lavador de estofados, Denys Henrique Quirino da
Silva é descrito pela família como um garoto muito inteligente, amoroso e
que tinha prazer em fazer os amigos rirem com suas piadas.
No
último fim de semana, ele deixou a casa onde morava em Brasilândia -
periferia da zona norte de São Paulo - e atravessou a cidade até a
favela de Paraisópolis, na zona sul. Foi a última vez que ele curtiu o
Baile da 17, ou Dz7, ao lado dos amigos. Ele é um dos nove jovens que
morreram após uma ação da Polícia Militar no
"pancadão" .
Os policiais disseram ter entrado no Baile da Dz7 após dois suspeitos
de terem roubado uma moto ter tentado fugir pelo meio da festa que
atrai milhares de pessoas todos os fins de semana. Algumas até de outras
cidades. A versão oficial diz que todas as vítimas morreram pisoteadas
durante a confusão.
Imão de Denys, Danylo Amilcar, de 19 anos, não se conformou com o relato oficial.
Ele
estava no grupo que foi recebido pelo governador de São Paulo, João
Doria, após uma passeata que saiu de Paraisópolis e foi até o Palácio
dos Bandeirantes, sede do governo estadual, nesta quarta-feira (4/12).
Para ele, nem todas as pessoas, incluindo seu irmão, morreram
pisoteadas.
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Felix Lima/ BBC News Brasil
Governo de São Paulo
Depois de manifestação que saiu de Paraisópolis e
foi até o Palácio dos Bandeirantes, Doria recebeu comissão ao lado de
secretários
Durante o encontro, João Doria, o secretário da
Segurança Pública paulista, general João Camilo Campos, e chefes de
outras pastas se comprometeram a criar uma comissão externa para apurar
as nove mortes que ocorreram no baile em Paraisópolis. Além de
familiares das vítimas, a apuração paralela vai contar também com a
participação de membros do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa
Humana (Condepe), OAB e organizações de Paraisópolis.
"Essa
manifestação significa que a gente não vai aceitar o que eles querem e
que não ficaremos calados. Mostra o tamanho da nossa força. Diante de um
massacre onde nove jovens morrem sem ter cometido crime nenhum, ver
tantas mulheres e crianças caminhando por pessoas que elas nem conheciam
demonstra indignação e que não ficaremos quietos diante de tudo isso",
afirmou Danylo Amilcar à BBC News Brasil.
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"Essa manifestação significa que a gente não vai
aceitar o que eles querem e que não ficaremos calados, diz Danylo
Amilcar, irmão de garoto de 16 anos que morreu durante ação no Baile da
17 Só mais de uma hora depois de ter entrado no Palácio dos
Bandeirantes, o grupo convenceu membros da secretaria de Governo de que
eles deveriam ser recebidos pelo governador.
Baile da 17
A
festa mais famosa de Paraisópolis é na verdade um pancadão embalado
pelo som de carros com poderosos sistemas de som estacionados ao longo
de algumas das ruas estreitas da favela. Grupos de jovens se reúnem no
entorno desses veículos para dançar, beber e se divertir. De acordo com
moradores ouvidos pela BBC News Brasil, há semanas em que o pancadão
começa na noite de quinta-feira e se estende até domingo.
A festa
já chegou a reunir cerca de 30 mil pessoas nas vielas e em quatro das
principais ruas da favela. Semanalmente, o baile recebe excursões de
jovens de cidades do interior de São Paulo e até de outros Estados, como
o Rio de Janeiro.
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Felipe Souza/ BBC News Brasil
Baile feito em algumas das principais ruas de Paraisópolis já chegou a reunir mais de 30 mil pessoas
O alto barulho, no entanto, fez com que moradores se mudassem da
área, dando espaço para estabelecimentos comerciais voltados aos
frequentadores, como tabacarias e bares. Parte do baile é bancada por
esses comerciantes.
Também há diversas denúncias de atuação do
crime organizado, que se utiliza das festas para comercializar drogas
ilegais. O Baile da 17 foi criado no início dessa década nas ruas de
Paraisópolis. Segundo moradores, o número 17 é uma referência a um bar
de drinks que existia na favela.
O líder comunitário de
Paraisópolis, Gilson Rodrigues, que também fez parte do grupo que se
reuniu com o governador diz que cobrou propostas para deixar o baile
mais seguro.
"Foi uma violência o que aconteceu aqui. Não importa
se houve uma perseguição ou se tinham pessoas vendendo drogas ou algo do
tipo. É um absurdo usar essas justificativas para cometerem esse crime.
Temos que estruturar esses bailes. O baile é ilegal há anos, então por
que não se organiza já que acontece há tantos anos, isso acontece e não
se resolve? O sistema está sendo falho. Ele serve para os jardins, serve
para a Vila Madalena, Mackenzie, Higienópolis (em menção a bailes que
ocorrem em ruas de áreas nobres), mas não serve para Paraisópolis e nem
para as favelas do Brasil", afirmou.
Lenços brancos
A
passeata desta quarta-feira começou na rua Ernest Renan, na favela de
Paraisópolis, o mesmo local onde ocorre semanalmente o Baile da 17. A
mesma região onde os nove jovens morreram após ação da PM no último fim
de semana.
Antes mesmo do ato começar, as famílias das nove
vítimas, com idades entre 14 e 18 anos, se emocionaram. Chorando, poucos
tiveram condição de falar ao microfone conectado a um amplificador de
som.
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Manifestantes agitaram lenços brancos e exibiram cartazes durante passeata de Paraisópolis à sede do governo Entre os que se expressaram, a mensagem mais enérgica partiu de
Danylo Amilcar, que questionou a versão oficial de que todas as vítimas
morreram pisoteadas.
"Exigimos que todos os responsáveis (pelas
mortes) sejam punidos e investigados. O que aconteceu aqui não foi uma
fatalidade. Não foi sem querer. E não foi pisoteamento. O secretário da
segurança pública tem responsabilidade. O governador tem
responsabilidade", afirmou o adolescente com os olhos cheios de
lágrimas.
O protesto começou nas ruas estreitas e lotadas de
Paraisópolis, passou pelas largas e arborizadas avenidas do rico bairro
vizinho do Morumbi, com mansões cercadas por muros com mais de dez
metros de altura e cercas elétricas até chegar a cerca de 500 metros de
uma das entradas do palácio dos Bandeirantes. O ponto final foi
delimitado por uma barreira formada por policiais militares com escudos e
armas que disparam balas não-letais.
Durante o trajeto,
manifestantes agitaram lenços brancos entregues no início do ato e
gritaram palavras de ordem contra o governo estadual e a Polícia
Militar. Um dos coros mais entoados dizia: "Doria, a culpa é sua. A luta
continua".
14 anos
O mais
jovem entre os nove mortos no Baile da 17 foi à festa escondido da
família. Gustavo Xavier, de 14 anos, passou os últimos cinco anos de sua
vida sem a presença do pai, que morreu vítima de câncer.
O papel
foi assumido majoritariamente pelo tio e padrinho do adolescente,
Roberto Oliveira. Durante a passeata, ele falou que o garoto foi à festa
por falta de outras opções de lazer perto da casa onde ele morava no
Capão Redondo, a cerca de 9 km de Paraisópolis.
"Ele queria curtir
como qualquer jovem e saiu escondido como a maioria dos adolescentes
que vêm aqui. No sábado, ele foi na minha casa quando a gente estava
fazendo churrasco e disse que iria embora. Ele era um menino muito doce,
respeitoso e que nem falava palavrão", afirmou.
Oliveira sugere que seja criado pelo governo um espaço dedicado a bailes como o de Paraisópolis na cidade.
"Aqui
é um lugar muito estreito para 5 mil pessoas. Eles (governo) tinham que
pegar um local como o Anhembi e oferecer para os jovens fazerem o
baile", disse à reportagem.
Paraisópolis
Segunda
maior favela de São Paulo, a estimativa é que mais de 100 mil pessoas
morem na comunidade. Cerca de 21% dos habitantes trabalham nos cerca de 8
mil comércios dentro da própria favela, segundo a associação de
moradores.
Por outro lado, apesar do comércio aquecido e da fama
adquirida com uma novela da TV Globo que usava suas vielas como cenário,
a comunidade ainda tem uma série de problemas comuns a toda favela do
Brasil, como pobreza extrema, falta de saneamento básico e violência.
Obras
de urbanização estão paradas há anos, como canalização de um córrego e a
construção de moradias sociais. Cerca de 5 mil famílias da comunidade
vivem de bolsa-aluguel pagos pela prefeitura.
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Paraisópolis não tem nenhuma biblioteca, parques ou salas de cinema
Paraisópolis não tem nenhuma biblioteca , parques ou salas de cinema.
Por
outro lado, a favela localizada no distrito da Vila Andrade na zona sul
de São Paulo, é campeã em tempo de espera quando o assunto é marcar uma
consulta com um clínico geral: 75 dias.
Já no rico bairro vizinho
do Morumbi, que fica literalmente do outro lado do muro que o separa da
favela, a espera é de apenas 1 dia. A média de espera do município de
São Paulo é de 19 dias.
O distrito onde fica Paraisópolis também
fica em primeiro lugar em toda a cidade com o maior tempo de espera para
matricular uma criança na creche. Não possui nenhum equipamento público
de cultura, enquanto no Morumbi a média é de 5,83 equipamentos para
cada 100 mil habitantes e o bairro conta até com um museu.
Esses dados oficiais são referentes ao ano de 2018 e foram compilados no Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo.
Nos
últimos anos, a União de Moradores e Comerciantes criou uma série de
projetos para tentar melhorar a vida no bairro, como um banco
comunitário, restaurantes populares, escolas de balé e música para
crianças.
Recentemente, Paraisópolis participou da criação do G-10 das favelas do Brasil , grupo que pretende desenvolver a economia local por meio do empreendedorismo.
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