Ao aceitar ser ministro da Justiça no futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL), o juiz Sérgio Moro põe em risco a legitimidade da Operação Lava Jato e prejudica os procuradores que atuam no caso. Essa é a avaliação do professor Timothy J. Power, diretor da School of Global Area Studies, da Universidade de Oxford - departamento que se dedica a estudar diferentes regiões do mundo - entre elas, a América Latina.
"Não fiquei surpreso com o convite, mas com a aceitação pelo juiz Moro. Acredito que, depois de quatro anos de manchetes e avanços na investigação Lava Jato, ao aceitar esse cargo no Ministério da Justiça, o juiz coloca em risco alguns pontos de legitimidade dessas investigações", afirmou Power à BBC News Brasil.
Um dia após ser eleito, Bolsonaro afirmou publicamente que gostaria de ter Moro no Ministério da Justiça ou indicá-lo para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma vaga no STF, porém, só deve abrir em 2020, com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello, que completará 75 anos.
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Nesta quinta, Moro se reuniu com Bolsonaro e aceitou o convite para assumir o "superministério" da Justiça, que deve englobar também as funções da Controladoria-Geral da União e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Para Power, a decisão do juiz da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba pode servir de combustível para o argumento do PT de que a Lava Jato serve a interesses políticos e à perseguição do partido.
"Havia um obstáculo grande à eleição de Bolsonaro que era a figura do ex-presidente Lula. Ele foi preso e foi um obstáculo removido por ação direta do juiz Moro. Se Lula estivesse presente seria uma eleição mais competitiva", avalia.
"Agora, poucos dias após as eleições, Moro aceita um convite para ser 'superministro' da Justiça. Isso reforça a narrativa do PT de vitimização pela Lava Jato. Coloca em risco a legitimidade das investigações e prejudica os juízes e promotores que vão continuar com as apurações", conclui Power, que estuda política do Brasil há mais de 30 anos e foi diretor do Programa de Estudos Brasileiros de Oxford antes de assumir a diretoria do departamento que também engloba esse curso.
Moro pode evitar ataques ao Judiciário
Por outro lado, o professor de Oxford avalia que a presença de Moro no Ministério da Justiça pode conter eventuais ataques diretos de Bolsonaro ao Judiciário e ao STF.
Durante a campanha, o deputado do PSL chegou a propor aumentar de 11 para 21 o número de ministros, mas depois voltou atrás. E um dos filhos dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, de 36 anos, apareceu em vídeo gravado em julho dizendo que bastariam um "cabo e um soldado para fechar o Supremo", se a Corte decidisse impedir a posse do pai dele como presidente.
"Acho que a presença do Moro no governo pode vir a evitar ataques diretos à independência do Judiciário e ao Supremo, porque caberia à figura do Moro defender o Judiciário", avalia Power.
O professor de Oxford também levanta a possibilidade de o juiz de Curitiba amenizar o "tom" de Bolsonaro em relação à defesa de violência policial.
O presidente eleito já afirmou que um policial que mata "10, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada um tem que ser condecorado, não processado". E o programa de governo do capitão reformado do Exército prevê que agentes das forças de segurança não possam ser processados ou punidos por mortes ocorridas durante ações policiais.
"Talvez Moro possa mudar um pouco o tom do Bolsonaro em relação à polícia e à violência urbana no Brasil. Bolsonaro propõe um tipo de lei de Talião (que prevê punição na mesma medida do crime cometido) para o país inteiro. O Moro vem de outra tradição", diz.
"Pode ser que ele tenha um efeito positivo na discussão sobre esse tema, ao sentar à mesa com outros ministros do governo que adotam uma visão mais linha-dura em relação à atuação policial."
'Moro consolida laço de Bolsonaro com antipetistas'
Se, por um lado, Power vê riscos à reputação da Lava Jato, por outro, ele avalia que a ida de Moro para o Ministério da Justiça beneficia Bolsonaro, ao reforçar a sua plataforma de campanha de combate à corrupção.
"Bolsonaro é um político. Ele diz que não é, mas qualquer político quer chamar para o gabinete, num primeiro momento, os nomes mais aprovados pela população. Poucas personalidades gozam de muita popularidade e é inegável que Moro é um dos nomes mais conhecidos do Judiciário."
Para o pesquisador de Oxford, A indicação do juiz responsável pela Lava Jato reforça os laços de Bolsonaro com a parcela dos eleitores que votaram nele para impedir o retorno do PT ao poder.
"Bolsonaro ganhou a eleição porque existiam duas clivagens no eleitorado. Primeiro, uma rejeição de tudo o que está aí, do establishment, da classe política em geral. Ele se apresentava como outsider, embora seja um deputado. E a segunda clivagem é o antipetismo, a rejeição ao partido e à figura do ex-presidente Lula. Para muitos antipetistas, Moro era um santo, um herói dessa luta contra o PT. Então, Bolsonaro está, de certa forma, consolidando esse laço antipetista."
Sobre o impacto que a presença de Moro na pasta da Justiça pode ter em investigações de corrupção, Power acredita que o efeito será simbólico. Cabe ao ministro indicar o diretor-geral da Polícia Federal, que é um órgão em si subordinado à pasta, embora goze de autonomia nas investigações.
"A Polícia Federal vinha ganhando muita autonomia nos últimos anos. Não precisa de mais um impulso externo. A indicação do Moro tem um valor maior simbólico do que operacional."
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