O sim de Sérgio Moro para o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro(PSL) para ocupar o novo Ministério da Justiça e Segurança Pública é uma "sinalização muito clara de como o novo governo estaria comprometido com o combate à corrupção e ao crime organizado". Por isso, é "um acerto de dimensões gigantescas". As avaliações são do cientista político Carlos Pereira, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Por outro lado, o movimento político do juiz representa um "jogo arriscado", afirma o analista. "Vão surgir argumentos de que Moro estaria agindo com uma agenda escondida. Além disso, a qualquer imbróglio que possa vir a se desenrolar no governo Bolsonaro, Moro coloca em risco toda uma carreira".
O ministério de Moro vai voltar a englobar a área da segurança pública, um dos maiores desafios do novo governo. Especula-se também que a pasta vai se fundir com a Secretaria da Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria Geral da União e o Coaf. Bolsonaro afirma que a extensão da fusão ainda está sob avaliação.
Para Pereira, esse superministério representa "uma carta branca para que Moro implemente sua agenda".
Além disso, o novo governo deve começar com um cenário institucional muito favorável, com apoio do Congresso e da maior parte da sociedade, afirma Pereira. Isso também poderia facilitar o trabalho de Moro. "O início de um novo governo é um momento de lua de mel com a sociedade, a opinião pública, os investidores. Então, Moro pode usar esse momento", diz o cientista político.
Veja abaixo a entrevista:
BBC News Brasil - Qual sua leitura sobre o juiz Sérgio Moro aceitar ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro?
Carlos Pereira - Do ângulo do presidente eleito Jair Bolsonaro, foi um gol de placa, uma sinalização muito clara de como o governo estaria comprometido com o combate à corrupção e ao crime organizado. Sérgio Moro traz para o novo governo muita credibilidade, por ter ocupado um espaço de destaque, não só na Justiça de primeira instância de Curitiba, mas por ter sido um grande paladino da Justiça e um grande representante do combate à corrupção no Brasil. Para o governo Bolsonaro, é um acerto de dimensões gigantescas.
Já para o juiz Sérgio Moro e para a própria Justiça é um jogo muito arriscado. Por um lado, isso vai dar a Moro muita capacidade de ação no combate à corrupção e ao crime organizado. Por outro lado, Moro vai sofrer um desgaste com a opinião pública mais liberal, que pode enxergar nesse movimento (de ida para o governo Bolsonaro) que as ações do juiz antes de fazer parte do governo não foram completamente isentas.
Vão surgir argumentos de que Moro estaria agindo com uma agenda escondida. Além disso, a qualquer imbróglio que possa vir a se desenrolar no governo Bolsonaro, Moro coloca em risco toda uma carreira. Ele tinha uma reputação a zelar. Agora, vai deixar a proteção que a Justiça oferece a ele para se tornar um representante de governo.
Como brasileiro, eu acho muito positivo esse movimento. Agora, como analista político, eu vejo que é uma jogada de risco para Moro.
BBC News Brasil - O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, sinalizou que Moro pode ter sido sondado para assumir a Justiça antes da eleição...
Pereira - Isso é muito ruim, porque sinaliza um potencial vínculo do juiz com uma candidatura em curso. O desgaste para a Justiça e para Moro (ocorre) se o juiz puder ser vinculado a um determinado governo antes mesmo de fazer parte desse governo. Mas, até agora, toda a ação do Moro se caracterizou com muita isenção.
Nas suas ações no Ministério, Moro vai ter que fazer um esforço grande no sentido de sinalizar que a atuação dele no passado não se caracterizou por nenhum tipo de vínculo, promessa, conexão política.
BBC News Brasil - Também se especula que Moro pode ter aceito em troca de ser indicado para o STF no futuro.
Pereira - Nesse sentido, é uma oportunidade de ouro, porque Moro teria uma gestão dentro do Ministério da Justiça principalmente no início do governo Bolsonaro. Em um início de governo, ainda existe um benefício da dúvida muito grande, é um momento de lua de mel do governo com a sociedade, a opinião pública, os investidores.
Então, Moro pode usar esse momento para institucionalizar escudos protetores das instituições de controle, como a Polícia Federal, e até para retomar as próprias medidas anticorrupção que foram adiadas pelo Congresso Nacional durante o governo Temer.
Existe um lado todo positivo nisso. E existe o risco, caso o governo Bolsonaro não resista às tentações de interferir nas instituições de controle e não dote esse Ministério da Justiça com uma autonomia de ação suficiente.
BBC News Brasil - Como fica o discurso da Lava Jato sobre isenção e imparcialidade se Moro adere rapidamente ao governo do principal adversário do PT?
Pereira - Eu acho que não resta dúvida da imparcialidade da Lava Jato. Embora o PT talvez tenha sido o partido que sofreu os maiores efeitos da Lava Jato, até porque era governo no desenrolar da operação, vários outros partidos já sofreram punições, como PMDB, PP, PSDB. O que caracteriza a imparcialidade da Lava Jato é que a operação não puniu somente o PT.
Obviamente, o PT vai se utilizar desse discurso de parcialidade de Moro e da Lava Jato. Mas a vida prática já mostrou que a Operação Lava Jato é imparcial.
BBC News Brasil - O que podemos esperar da condução de Moro na Justiça? Ele mencionou "implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado".
Pereira - Podemos esperar exatamente isso. Moro vai tentar reproduzir na esfera nacional aquilo em que foi bem sucedido na esfera de Curitiba. A Lava Jato foi muito específica, em cima de uma agenda muito concentrada no combate à corrupção da Petrobras.
Mas, agora, no Ministério da Justiça, Moro vai poder estender esse tipo de ação para várias esferas do combate à corrupção e ao crime organizado em nível nacional. Vai ser uma oportunidade ímpar de tentar operacionalizar profissionalmente o Ministério da Justiça e as suas instituições, como a Polícia Federal. Se Moro conseguir fazer isso, vai ser incrível para o Brasil.
BBC News Brasil - O que de concreto o Ministro da Justiça teria condições de implementar?
Pereira - Até então, a ação de Moro estava concentrada no papel de um juiz de primeira instância. De certa forma, a Justiça é reativa, ou seja, ela tem que esperar uma manifestação do Ministério Público ou da polícia. Agora, não.
Moro passa a ser pró-ativo, assume uma posição no Executivo, de Ministro da Justiça. Isso significa que ele vai ter orçamento, vai poder influenciar junto do Legislativo a aprovação de medidas concretas de combate à corrupção, vai ter uma influência direta na Polícia Federal, indicando o diretor do órgão.
Diante do legado que Moro já deixou no combate à corrupção na Petrobras, em função da Lava Jato, vai poder redesenhar institucionalmente as instituições de combate à corrupção. Ele vai ter muito mais atitude, atuação e capacidade de influência no combate à corrupção na esfera nacional.
BBC News Brasil - A atuação na Lava Jato dá pistas do que ele poderia implementar?
Pereira - Moro teve uma ação muito robusta em defesa das 'Dez Medidas de Combate à Corrupção', que infelizmente não prosperaram no Legislativo no governo Temer. Agora, com esse novo Congresso, com um novo presidente e toda sua legitimidade nas urnas, com a posição de destaque de Moro, as chances de que isso seja implementado aumentam consideravelmente. Ele (Moro) inclusive foi fotografado hoje de manhã no aeroporto em Curitiba com um livro com medidas concretas de combate à corrupção. Acho que aquilo vai ser a cartilha dele.
BBC News Brasil - Por enquanto, sabemos que o Ministério da Justiça vai voltar a englobar a segurança pública. Especula-se também que a pasta vai se fundir com a Secretaria da Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria Geral da União e o Coaf. Como o senhor vê esse superministério?
Pereira - As coisas ainda não estão muito claras, é preciso esperar um pouco mais. Mas essa noção de superministério, em última instância, é uma noção de carta branca. Eu acho que o fato de que Moro tenha aceitado abrir mão de uma carreira estável no Judiciário, em que ele construiu uma reputação muito boa, e ter embarcado nesse projeto indica que esse superministério de fato vai representar uma carta branca para que implemente sua agenda. E que o presidente vai respeitar as decisões tomadas. A minha interpretação é de que o novo Ministro da Justiça terá autonomia e capacidade de ação e de implementação de políticas, com suporte político do presidente.
BBC News Brasil - Com essa fusão de pastas, Moro vai ter uma outra bomba para desarmar, que é a questão da segurança pública. Como o senhor vê essa outra faceta do trabalho?
Pereira - Combate à corrupção, combate ao crime organizado e segurança pública andam muito próximos, têm uma interface muito grande, em que pese haver especificidades. A segurança pública vai ser um desafio muito grande.
Eu não sei se Moro já vem estudando isso, se preparando para isso, porque com certeza será um desafio sem precedentes. Mas, baseado na performance no combate à corrupção, acredito que ele tenha uma autoridade moral, muito senso, muito tino de ação política na definição de estratégias.
BBC News Brasil - Como o senhor imagina que vai ser a postura política do ministro Moro?
Pereira - O que é recomendado aos cientistas políticos é que analisem o passado, não prevejam o futuro. Mas, baseado no que Moro fez esses anos na Operação Lava Jato, sabemos que ele tem muita personalidade, altivez, autonomia, capacidade de ação. Acho que Moro só topou esse jogo porque o presidente eleito deve ter ofertado garantias de autonomia e independência de ação.
Obviamente, é um cargo político. Então, em função disso, Moro também vai ter que prestar atenção aos interesses do governo. Vai ter que traçar estratégias de ação, não vai poder ser ingênuo de achar que vai poder fazer tudo, a qualquer tempo, a qualquer custo. No governo, vai ter que calcular e negociar com o próprio Bolsonaro qual a estratégia mais adequada de ação. Mas, eu imagino que deve haver uma cooperação inicial e uma cumplicidade grande de atuação dos dois. Isso é o que se espera de um ministro que acabou de aceitar um ministério.
BBC News Brasil - O PT vinha argumentando que Moro foi parcial no julgamento de Lula. Isso deve ser usado ainda mais pela defesa do Lula?
Pereira - Diante do envolvimento do PT na Operação Lava Jato e dos fracassos da política econômica que nos levaram a essa recessão sem precedentes, era esperado que o PT não conseguisse ofertar candidatos competitivos esse ano. Mas o crescimento da candidatura do Bolsonaro aliado à estratégia do ex-presidente Lula de auto-divulgação conseguiram unificar o partido e mantê-lo competitivo.
O PT elegeu uma bancada muito grande na Câmara e no Senado, elegeu quatro governadores, e conseguiu colocar um candidato no segundo turno. Isso mostra que a estratégia do PT funcionou - não para ganhar as eleições, mas para manter o partido como o principal núcleo de oposição ao futuro governo.
Acho que o PT vai continuar exercendo esse papel de oposição ativa. O PT tem esse mandato de ser uma oposição vigorosa e esse vigor só vai fazer bem para democracia brasileira. Um governo Bolsonaro vai necessitar de uma oposição responsável e ativa.
BBC News Brasil - Mas a ida de Moro para um posto-chave no governo Bolsonaro não dá força para o argumento do PT?
Pereira - Lógico. O PT vai se utilizar disso. E vai ser um embate interessante. Um embate entre uma oposição que vai tentar vincular Moro a uma parcialidade, por um lado, e ações concretas do governo, tentando mostrar que não é assim, de outro. Vai depender das ações do ministro Moro, garantindo autonomia para a Operação Lava Jato, mais recursos para o combate à corrupção, mais estrutura para o combate ao crime organizado.
BBC News Brasil - Como fica a continuidade da Lava Jato?
Pereira - A Lava Jato tende a se fortalecer com a presença de Moro no Ministério da Justiça. As instituições de controle vão se fortalecer ainda mais, vão se tornar mais independentes, contar com mais escudos protetores de qualquer tipo de interferência e intervenção.
Com relação ao ex-presidente Lula, eu acho que a Operação Lava Jato já tem uma expertise muito grande em Curitiba. E, se Moro decidiu sair nesse momento, é porque ele acredita que não vai haver descontinuidade (na Lava Jato).
Eu acho que muda muito pouco com a saída de Moro. Já há todo um conjunto probatório, defesa e acusação, então eu acho que não vai gerar descontinuidade. Acho que vai ter um curso normal. E eu espero que o calendário de julgamentos seja mantido a despeito da substituição do juiz Moro.
BBC News Brasil - É uma novidade a nomeação de uma figura não ligada ao núcleo político do presidente para um cargo tão importante?
Pereira - Isso já ocorreu em outros governos. O governo Fernando Collor, por exemplo, não foi um governo político. A grande maioria dos ministérios foi ocupada por pessoas, teoricamente, de fora da política. No governo de Fernando Henrique Cardoso, uma parcela de ministros também não era vinculada a partido político, como Pedro Malan, que foi ministro da Economia. Então, ministros não políticos não são uma novidade do governo de Bolsonaro. Mas ministros da magnitude do juiz Moro, que teve uma atuação decisiva em um processo que está redefinindo como se faz política e como se relaciona com a burocracia pública e com os empresários, isso é novidade.
BBC News Brasil - Isso acirra a polarização do país?
Pereira - A probabilidade de que essa polarização se mantenha é pequena, dado que as condições institucionais e políticas do novo governo são muito favoráveis. Quando uma nova elite política chega ao governo, chamamos de governo inaugural. O governo Bolsonaro vai ser um governo inaugural.
Esse tipo de governo tende a ter um benefício da dúvida até maior. Então, podemos imaginar que Bolsonaro vai ter uma lua de mel muito sólida. Além disso, as urnas foram muito benevolentes com o novo governo, porque produziram uma maioria Legislativa consistente com a agenda política de Bolsonaro. Então, não vai haver incongruência entre o que o Congresso deseja e o que governo deseja.
O novo Congresso também terá muitos deputados de primeira viagem. Vai demorar um tempo para eles entendam o procedimento legislativo. Isso vai facilitar muito mais a relação de Bolsonaro com o Congresso. Assim, o Executivo vai passar o rolo compressor nos seus primeiros meses de governo. Isso tende a colocar as vozes da oposição muito na defensiva.
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