Sobreviventes do naufrágio chegam ao porto de La Valetta, um
dia após o incidente. REUTERS/DARRIN
ZAMMIT LUPI
Onze de Outubro de 2013
foi uma das datas mais negras da
crise migratória desencadeada pela Guerra da
Síria. Nesse dia, 268 pessoas, entre as quais 60 crianças, morriam nas águas do
Mediterrâneo, perto da ilha italiana de Lampedusa, depois de um barco pesqueiro
sobrelotado proveniente da Líbia se ter virado e afundado. Quase quatro anos
depois, a revista italiana L’Espresso divulga agora um conjunto de cinco
gravações telefónicas que revelam como as autoridades italianas ignoraram
durante cinco horas os pedidos desesperados de auxílio de um médico sírio a
bordo.
Segundo a revista
italiana, que reproduz as gravações áudio no seu site, o primeiro alerta foi
dado às 12h39. A essa hora, o centro de operações da guarda costeira italiana,
em Roma, recebe uma chamada de Mohanad Jammo, um médico sírio que dá conta dos
problemas a bordo, indicando a presença de “cerca de cem crianças, cem mulheres
e talvez cem homens”. Na verdade, soube-se mais tarde, estavam pelo menos 480
pessoas no pesqueiro líbio.
“Por favor
despachem-se. Está a entrar água. Por favor despachem-se, por favor
despachem-se. Por favor. (…) o barco está a afundar-se. Juro, há cerca de meio
metro de água no barco”, ouve-se na gravação.
Do outro lado, uma
funcionária da guarda costeira pede as coordenadas da embarcação, prontamente
indicadas por Jammo. No entanto, não é tomada nenhuma acção na sequência deste
contacto.
'Ligue a Malta, ligue a
Malta'
Às 13h17, o médico
sírio volta a pedir ajuda. “Enviaram alguém? Somos sírios, somos cerca de 300”,
diz. Uma voz masculina responde em tom impaciente: “Eu dou-lhe o número de
Malta, porque está perto de Malta – perto de Malta, compreende?” Era o início
de uma nova fase do incidente, em que Roma e La Valletta empurram entre si a
responsabilidade pelo auxílio aos refugiados sírios.
Ao contrário do que a
voz masculina alegava, sabe-se agora que o navio estava a 61 milhas náuticas da
ilha italiana de Lampedusa e a 118 milhas náuticas da costa maltesa. Naquele
momento, a embarcação encontrava-se em águas internacionais, numa área em que
Malta era de facto responsável por missões de busca e salvamento. No entanto,
havia um navio militar italiano a apenas 20 milhas náuticas do pesqueiro líbio.
A lei marítima
internacional, sublinha o jornalista Fabrizio Gatti ao Washington Post,
determina que a Itália tinha por isso o dever de socorrer os refugiados sírios.
É isto que Jammo diz
num terceiro telefonema, às 13h48. “Eu liguei a Malta. Eles disseram-nos que estamos
mais próximos de Lampedusa do que de Malta. Eu dei a nossa posição, vocês estão
nas proximidades. Estamos a morrer, por favor!”, ouve-se na gravação que Gatti
obteve através de uma fonte anónima maltesa.
“Estamos a morrer!
Trezentas pessoas! Estamos a morrer!”, exclama o médico sírio. “Ligue a Malta,
ligue a Malta”, respondem as autoridades italianas.
Troca de faxes entre
Roma e La Valetta
Durante a tarde, num
quarto telefonema divulgado pela revista transalpina, as forças armadas
maltesas e a guarda costeira italiana continuam a debater quem deve sair em
auxílio dos sírios. Refere-se até uma troca de faxes, apesar da urgência da
situação. Malta está disposta a participar no resgate, mas Itália tem de agir
primeiro. E eis que Roma justifica a sua recusa: o navio que está a pouco mais
de uma hora do pesqueiro líbio é um activo estratégico na vigilância daquelas
águas, e o resgate dos sírios implicaria posteriormente uma viagem até
Lampedusa, deixando a área desguarnecida.
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Às 17h07, novo
telefonema de Malta para Itália. Agora, o tom é grave. Um avião maltês
sobrevoou a área e confirmou que o pesqueiro líbio acabou por adornar. Há
centenas de pessoas na água e La Valetta exige a Roma a mobilização dos seus
meios. É só então que os italianos iniciam a operação de salvamento.
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https://www.publico.pt/2017/05/09/mundo/noticia/estamos-a-morrer-o-dia-em-que-a-italia-deixou-60-
criancas-afogaremse-1771516
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