Mais de 60% dos registros de crimes de violência contra mulher ignoram o machismo
Fornecido por Abril Comunicações S.A. Marcha em São Paulo no Dia
Internacional
da Mulher.
Apenas
36% dos crimes contra mulheres entre março de 2015, data de
promulgação da Lei
do Feminicídio, e dezembro de 2016, noticiados
classificam a violência contra a
mulher pela sua condição de gênero.
O
número é um dado preliminar da pesquisa Feminicídio como violência
política, do
Núcleo de Estudos e Pesquisas da Mulher (Nepem) da Universidade
de Brasília.
"Apesar
da obrigatoriedade da lei, a partir de 9 de março de 2015 e de
constar no
Código Penal Brasileiro, a maioria dos casos continua sendo
registrada como
crime passional, o que contribui para a impunidade do
crime de feminicídio e
para a continuidade dos elevados índices de violência
contra as mulheres no
Brasil", afirma a professora Lourdes Maria Bandeira
, do Departamento de
Sociologia da UnB e coordenadora da pesquisa.
O
Nepem fez uma coleta aleatória de casos de feminicídio em veículos
de
comunicação e redes sociais desde a promulgação da Lei. Foram coletadas
635
notícias, distribuídas da seguinte forma: 227 no Centro-Oeste, 170 no
Sudeste,
132 no Nordeste, 65 no Norte e 41 no Sul.
Desse
montante, 449 foram classificados. Em 288 ocorrências as histórias
não foram
retratadas como violência contra a mulher, o equivalente a 64%
-->. Outros
161 registros, ou 36%, no entanto, ressaltaram a condição de
gênero.
De
acordo com a pesquisa, foram registrados 71 casos em que o crime
não é nomeado,
três latrocínios, três execuções, 19 crimes passionais, 35
tentativas de
homicídio, 76 assassinatos e 81 homicídios.
Já
os nos casos em que a condição de gênero é citada, estão setes estupros
seguidos de morte, sete casos de violência sexual ou estupro, dez ocorrências
de violência doméstica, 14 tentativas de feminicídio, 30 feminicídios e 93
mortes de mulher.
A
pena para feminicídio é de 12 a 30 anos de prisão, sem direito a pagamento
de
fiança. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), a cada
hora e meia uma mulher é assassinada por um homem, no
Brasil, por ser mulher,
totalizando 13 mortes por dia.
A
pesquisa sustenta a ideia de que há "feminicídio como violência
política
" a medida que o crime assume aspectos de exercício de poder em
alguns
contextos.
A
prática do feminicídio não se trata de uma condição de 'desvio' social;
ao
contrário trata-se de uma característica sistêmica das sociedades conservadoras
em decadência que atinge as instituições, as pessoas, mas sobretudo as mulheres
localizadas em regiões onde a dignidade de seres humanos inexiste, onde não são
reconhecidas, pois para todas aquelas que vivem 'fora' das regras ou que a elas
'desobedecem' (controle, disciplinamento) da ordem heteronormativa, começaram a
emergir outras formas de violências para seu controle: paramilitares,
tráfico/narcotráfico e feminicídios. Feminicídio como violência política
De
acordo com o estudo "pode-se identificar, nessa conjuntura, formas de
encarnação do conjunto de posições conservadoras e ordinárias presentes nas
dinâmicas sociais da sociedade brasileira, na qual a violência contra a mulher
deixou de ser um fato colateral/secundário e passou a fazer parte de uma 'nova
forma de guerra não convencional', cuja materialidade estratégica é atingir um
novo território - o corpo das mulheres", em consonância com o que sustenta
a antropóloga e professora doutora dos Programas de Pós-graduação em Bioética e
em Direitos Humanos na UnB, Rita Segato.
O
texto lembra ainda que o corpo das mulheres foi objeto das conquistas desde as
guerras convencionais do século XX e que, para o escritor e pesquisador
uruguaio Raúl Zibechi, "os crimes de feminicidio seriam uma nova forma de
'caça as bruxas', que seria parte de uma quarta guerra mundial, onde o Estado
passa a retomar formas tradicionais de controle social, e onde o ataque aos
corpos femininos seria um dos pontos estratégicos e cruciais desta
guerra".
Invisibilidade
Na
avaliação de Rosane Borges, professora colaboradora do Centro de Estudos
Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celac) da USP, a falta de
contextualização dos crimes como um problema social dificulta a luta contra a
violência doméstica.
"Quando
trata o caso como um problema isolado ou de ordem psicológica a gente tira a
responsabilidade da sociedade, do Estado porque na verdade o que está se
querendo dizer é que isso acontece 'não é problema meu' e atribui a um desvio
de um homem numa situação em que se viu fragilizado."
Ela
cita casos em que atos de violência de gênero são relatados como resultado de
ciúmes, ou conduta de um "homem apaixonado" ou que não aceita o fim
de um relacionamento.
Para
a especialista, essa abordagem reforça o imaginário e o senso comum e coloca a
mulher numa situação de culpada e não de vítima condizente com a alegação de
que o homem matou por legítima defesa. "Não existe mais no Código Penal,
mas de certa forma ainda habita o imaginário", afirmou em entrevista ao
HuffPost Brasil.
O
que a gente vê na mídia em geral é uma cobertura muito difusa e quando trata de
questões de gênero o que se tem é uma perspectiva individualizada do caso, como
se fosse algo isolado e não algo estrutural no Brasil. A violência contra a
mulher nunca é ligada a uma questão estrutural no País e somos o quinto país
que mais mata mulheres no mundo.Rosane Borges, professora do Celac, da USP
A
professora também critica a abordagem sobre as mortes de mulheres negras. Ela
lembra que enquanto a violência doméstica contra mulheres brancas caiu, o
índice subiu para as negras. Desde a vigência da Lei Maria da Penha, o número
de vítimas caiu 2,1% no primeiro grupo e aumentou 35,0% no segundo grupo.
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