Eleição de Trump pode ter esquentado a guerra na Ucrânia?

Tanques em AvdiivkaDireito de imagemEPA
Image captionOs confrontos se intensificaram no último domingo, em Avdiivka, e ambas as partes se acusam mutuamente pela retomada dos ataques
Trata-se da única guerra travada atualmente na Europa - e que parecia ter perdido força nos últimos meses.
Mas a situação no leste da Ucrânia mudou radicalmente nesta semana diante de novos confrontos entre rebeldes separatistas apoiados pela Rússia e as forças do governo.
Os combates, que se concentraram principalmente na cidade de Avdiivka, controlada pelo governo, deixaram pelo menos 20 mortos, além de dezenas de milhares de moradores sem água e eletricidade em meio a temperaturas que teriam atingido -28°C.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas alertou na quarta-feira para uma "deterioração perigosa" da situação na região e apelou às partes em conflito para acabar com a violência.
Nenhuma delas parece disposta, no entanto, a ceder no confronto, que colocou as relações entre Moscou e o Ocidente em patamares semelhantes aos da Guerra Fria.
Separatistas russos em DonetskDireito de imagemAFP
Image captionA guerra entre separatistas russos e forças do governo da Ucrânia, que começou em 2014, já custou mais de 10 mil vidas
Há dois anos, foi acordado um cessar-fogo em Minsk, mas desde então tem havido pouco avanço no sentido de encontrar uma solução política para o combate, que já custou mais de 10 mil vidas.
Nesta semana, ambas as partes se acusaram mutuamente de retomar o combate e de usar o sistema Grad de lançamento de foguetes, arma imprecisa que lança vários deles sobre uma vasta área, que foi proibida no âmbito do tratado de Minsk.

Sanções contra a Rússia

Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções à Rússia em resposta a suas ações no leste da Ucrânia.
O Kremlin nega, no entanto, que esteja ajudando os rebeldes e disse que se tratam de "voluntários" e soldados russos que entraram na zona de guerra por vontade própria.
Agora, com a gestão de Donald Trump nos Estados Unidos, que disse que quer melhorar as relações com o presidente russo Vladimir Putin e já falou em "revisar" as sanções impostas a Moscou, muitos se perguntam qual será a resposta de Washington diante da intensificação dos conflitos.
Trump sugeriu que talvez seja hora de remover as sanções e mencionou o "potencial para um grande acordo" com a Rússia.
Os confrontos foram retomados no último domingo, pouco depois de o presidente dos Estados Unidos ter sua primeira conversa por telefone com Putin da Casa Branca.
Para especialistas, tanto Kiev quanto Moscou estão tentando explorar a escalada da guerra na Ucrânia para influenciar a nova administração dos Estados Unidos.
Donald Trump ao telefoneDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionOs confrontos se intensificaram no último domingo, depois que Trump teve sua primeira conversa telefônica com Putin da Casa Branca
De acordo com Alex Kokcharov, analista da consultoria de defesa e segurança IHS Jane, a intensificação da violência poderia ser "uma demonstração de força" da Rússia.
"A Rússia está disposta a usar a escalada em Donbas (leste da Ucrânia) para mostrar à nova administração dos Estados Unidos seu controle sobre o conflito", declarou Kokcharov ao jornal norte-americano The Washington Post.
"É provável que isso seja parte de uma estratégia mais ampla da Rússia para conseguir reafirmação externa e militar", acrescenta.
Essa estratégia poderia atrapalhar, no entanto, os esforços de Washington para melhorar as relações com a Rússia.

Chamado da Ucrânia

O Exército dos Estados Unidos está ajudando a treinar e equipar os soldados ucranianos que lutam contra os separatistas russos.
É por isso que Kiev vê com receio a possibilidade de que Washington melhore as relações com Putin.
O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia divulgou um comunicado no início desta semana convocando os governos do Ocidente a intervir diplomaticamente.
"Nos últimos dois dias, as forças de ocupação russas levaram a cabo ataques em massa por meio da fronteira", diz.
"Pedimos aos nossos parceiros internacionais para aumentar a pressão política e diplomática sobre o Kremlin para deter a perigosa escalada em Donbas e evitar uma catástrofe humanitária na região", acrescenta.
O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, questionou na terça-feira: "Os bombardeios são em massa. Quem se atreve a falar de retirar as sanções em tais circunstâncias"?
Soldado em AvdiivkaDireito de imagemAFP
Image captionOs novos combates se concentraram principalmente na cidade de Avdiivka, controlada pelo governo ucraniano
Por outro lado, há quem acredite que a retomada dos confrontos poderia trazer benefício político para o governo de Kiev, tanto para chamar a atenção para esse "conflito esquecido" como para desarticular uma possível aproximação entre Putin e Trump.
Essa, pelo menos, é a acusação que emergiu de Moscou.
"Kiev está tentando usar os combates, que eles mesmos iniciaram, como um pretexto para não seguir o acordo de Minsk e responsabilizar a Rússia", disse Yuri Ushakov, assessor de política externa para o governo russo, na quarta-feira.

'Guerra de terceiros'

"Trata-se de uma guerra em que terceiros estão lutando", explica Famil Ismailov, editor da BBC Rússia. "A Rússia está usando a situação para desestabilizar a Ucrânia, e do jeito que a Ucrânia está, será fácil de desestabilizar."
A verdade é que em Washington, até agora, tem havido uma clara mudança de tom em relação à Ucrânia desde a administração de Barack Obama.
O Departamento de Estado indicou nesta semana que apoia a "soberania e integridade territorial" da Ucrânia. Mas não culpou Moscou por não ajudar a controlar os rebeldes separatistas.
Ônibus com crianças em AvdiivkaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAvdiivka, palco do conflito, enfrenta frio extremo
Assim, os novos confrontos em Avdiivka voltaram a colocar sob os holofotes da comunidade internacional esse conflito esquecido.
E enquanto Kiev e Moscou aguardam com expectativa a resposta do novo governo americano, o resto do mundo assiste com preocupação até onde eles podem levar esse conflito.
"A situação poderia transformar uma crise militar e política na região em um conflito internacional", diz Famil Ismailov.
"Seria uma guerra que envolveria toda a Europa e onde nem a Otan nem a União Europeia poderiam fazer muito, considerando a eleição de Donald Trump e o que ele disse sobre as sanções e sua abordagem a Moscou."

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