Gritos de 'Fica Dilma' e duras críticas ao governo marcam protesto ambíguo em SP

Manifestação de movimentos de esquerda em São Paulo reuniu 40 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, e 75 mil, segundo os organizadores
O Largo da Batata, em São Paulo, já está cheio quando o estudante Augusto Malaman, de 22 anos, aponta para uma série de pôsteres relacionando políticos a cartazes de filmes:
"O Lobo de Wall Street" (Joaquim Levy, ministro da Fazenda), "O Poderoso Chefão" (Michel Temer, vice-presidente), "A Hora do Pesadelo" (Renan Calheiros, presidente do Senado) e "O Exterminador do Futuro" (Eduardo Cunha, presidente da Câmara).
Com a versão "Dilma Mãos de Tesoura" nas mãos, o estudante diz que "nunca iria" ao protesto pró-impeachment do último domingo: ele quer, sim, se apresentar como oposição ao governo, mas à esquerda.
"Não dava para propor uma saída à esquerda se associando a movimentos de direita", afirma o jovem, que faz parte do movimento Rua, que se descreve como "juventude anticapitalista" e se organizou depois da onda de protestos de junho de 2013.
"O problema é que a tática do governo é só se associar à esquerda nos momentos de crise. Foi o que fizeram com este ato, criado por movimentos sociais e depois 'aparelhado'", acrescenta, em referência aos chamados do PT para a manifestação, exibidos na TV aberta.
Com cartaz "Dilma Mãos de Tesoura", Augusto se disse oposição à esquerda do governo
Ao lado dos cartazes, balões de gás hélio da CUT chacoalham com a chuva e militantes do PC do B agitam flâmulas com o rosto da presidente na época da ditadura, junto à frase "Fica Dilma".
Reunindo de calouros universitários a presidentes de sindicatos, os diferentes grupos presentes na manifestação (40 mil, para a Polícia Militar; 75 mil, segundo os organizadores; e 37 mil na contagem do instituto Datafolha) concordavam pouco, mas defendiam juntos três pontos: a continuidade do mandato da petista, o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara e o vermelho nas camisetas.
Protestos semelhantes se repetiram nesta quinta-feira em ao menos 24 capitais brasileiras, além do Distrito Federal.

Ajuste fiscal

No alto de quatro carros de som, líderes de movimentos sociais alternavam críticas a partidos de oposição ao governo e à política econômica do Palácio do Planalto.
O ajuste fiscal foi o principal alvo das reclamações, vindas tanto de aliados tradicionais do PT – como CUT (Central Única dos Trabalhadores) e UNE (União Nacional dos Estudantes) – quanto de movimentos populares que reivindicam moradia, como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e FLM (Frente de Luta pela Moradia).
O termo "golpe", até então associado pela esquerda apenas aos setores que pedem o impeachment, também foi usado para classificar medidas como a Agenda Brasil, conjunto de propostas do Senado endossadas pela presidente, e o projeto de lei 2016/2015, conhecido como Lei Antiterrorismo, de autoria do Executivo e que prevê punições mais rigorosas a manifestantes.
Manifestantes classificaram conjunto de medidas de austeridade propostas no Senado como "golpe"
A militância petista, que compareceu em peso com bandeiras e balões decorados com a estrela do partido, oscilava entre frases de apoio integral ao governo e críticas.
"Por pior que tudo esteja, e pior não dá para ficar, Dilma foi eleita legitimamente e tem que terminar seu mandato. Por isso estou aqui", disse à BBC Brasil uma jovem com a estrela do partido pintada no rosto.

Vaias e aplausos

Depois de Dilma, o nome mais citado foi o de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, denunciado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela Procuradoria-Geral da República sob a acusação de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo de corrupção na Petrobras, o que ele nega.
Do alto do principal carro de som, o líder do MTST, Guilherme Boulos, se referiu ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como "banqueiro prepotente".
"Vamos botar o ajuste fiscal no lombo dos ricos", disse. E ameaçou: "O governo prometeu o Minha Casa, Minha Vida 3 para 10 de setembro. Mas, se em 10 de setembro não começar, é importante que isso seja dito, este país vai parar".
Presidente da Câmara foi o político mais criticado durante a manifestação em São Paulo
Mais moderado, Vagner Freitas, presidente da CUT, disse que o ajuste fiscal "feriu direitos" e não melhorou a economia. "Pôs o pé no freio, e não no acelerador. Esta agenda é dos ricos e não do trabalhador", disse.
Carina Vitral, presidente da UNE – e alvo recente de críticas nas redes sociais por posar para fotos com a ministra da Agricultura, Katia Abreu, vista como "inimiga" por movimentos sociais – disse defender uma "nova agenda". "Queremos nosso dinheiro investido em educação de qualidade para todos", afirmou.
Também no alto do carro, uma das líderes do movimento Rua, que criou os cartazes de cinema com políticos, foi recebida com vaias a aplausos após dizer que não estava ali "para defender governo nenhum".

Defesa

"Sou contra a tentativa de golpe e essa estratégia ofensiva da direita que pede a volta do regime militar", disse a professora Carmen Busko, que foi à manifestação por conta própria e classificou como machistas as ofensas pessoais feitas recentemente à presidente em manifestações e panelaços.
Carmen Busko disse que foi ao ato defender a presidente de "ataques machistas e irracionais"
Com a frase "O rico desfila na Paulista e o pobre morre na periferia" em um cartaz, a bancária Sônia da Silva também falou em machismo. "Se você não concorda, argumente, vote diferente daqui a quatro anos, mas não ofenda nem a diminua."
Em diferentes pontos da manifestação, também foram vistos cartazes contra o racismo e com referências à chacina que matou 18 pessoas em Barueri e Osasco, em São Paulo, na semana passada.
Cartazes contra o racismo e a homofobia também foram vistos ao longo de toda a manifestaçãoBBC Brasil

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