Precisa ter paciência para ler os relatórios da AIEA...

A inevitável bomba atômica iraniana


O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, durante discurso transmitido em seu site nesta quinta-feira (9)
Se você tem paciência, vale a pena gastar algum tempo lendo os relatórios da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) dedicados ao Irã. Eles narram a história detalhada de um minueto sincopado, uma dança diplomática cíclica com que o regime dos aiatolás vem conseguindo saltar de acordo a desacordo, de compromisso anunciado a compromisso rompido, de palavras firmadas a palavras dissimuladas, desde 2003. O relatório de 2011 – quando ficou evidente que o Irã desviava o propósito de suas pesquisas nucleares dos limites estabelecidos pelo Tratado de Não-Proliferação (TNP), para obter armas atômicas – é o mais representativo.

O objetivo do Irã com esse balé parece claro: ganhar tempo para dominar toda a tecnologia e enriquecer mais urânio. Sempre se poderá repetir a mesma música – dizer que o urânio será usado “para fins pacíficos”. Sempre será possível reproduzir o mesmo passo delicado – impedir que os inspetores obtenham informações confiáveis sobre as pesquisas nuclares, sem contudo partir para o confronto com eles. Sempre será possível reprisar a mesma coreografia – correr o risco de enriquecer e guardar urânio veladamente, então voltar um pouco atrás caso inspetores ou espiões descubram onde ele está. Até que, um dia, a quantidade acumulada de urânio enriquecido seja suficiente para construir uma bomba atômica.

O resultado mais provável da dança será não apenas uma bomba atômica iraniana, mas a nuclearização de todo o Oriente Médio. Depois de Índia, Paquistão e Israel (que nunca assinaram o TNP) e Coreia do Norte (que retirou sua assinatura), o Irã se tornará o mais novo sócio do clube nuclear. As negociações têm tornado esse desfecho inevitável, segundo argumentam críticos das táticas adotadas na nas negociações. Por uma questão de equilíbrio, a Arábia Saudita deverá vir em seguida, então talvez o Egito ou mesmo a Turquia. A única dúvida é quanto tempo tudo isso levará. Adiar esse desfecho ao máximo é o objetivo não-declarado dos negociadores do grupo conhecido como P5+1 (Estados Unidos, França, Alemanha, Inglaterra, Rússia e China). Pelo acordo proposto, o Irã não desmantelará suas instalações e poderá voltar a enriquecer urânio com mais liberdade em dez anos. Em público, os negociadores afirmam confiar nas salvaguardas do TNP para evitar que o país chegue à bomba. Na realidade, sabem que, pelo retrospecto das últimas décadas, está a cada dia mais difícil acreditar nisso.

Quando o secretário de Estado americano, John Kerry, anunciou com fanfarra no início de abril, em Lausanne (Suíça), que o P5+1 fechara com o governo iraniano os termos básicos de um acordo para disciplinar o uso da tecnologia nuclear em que só faltavam detalhes técnicos, houve uma celebração geral pelo planeta. Finalmente havia esperança de que o Irã deixasse de ser um pária, de que as sanções contra o país pudessem ser suspensas, de que o povo iraniano deixasse de sofrer as consequências – e de que não houvesse mais um país com a bomba no mundo. Mas os adultos na sala sabiam o risco que corriam – tudo viria por água abaixo sem o apoio da autoridade suprema da República Islâmica do Irã, o aiatolá Ali Khamenei (foto acima).

O prazo daquele acerto provisório termina na próxima terça-feira, dia 30. Na semana passada, Khamenei afirmou que não aceitaria um acordo em que os cientistas iranianos – em especial Mohsen Fakhrisadeh, uma espécie de líder do programa nuclear – fossem obrigados a prestar satisfações aos inspetores. Também descartou a inspeção de instalações militares nos termos exigidos pela AEIA e reiterou algo que já dissera quando foram firmados os termos do primeiro acordo provisório, no final de 2013: as sanções financeiras e relativas à exportação de petróleo impostas ao Irã teriam de ser suspensas imediatamente, assim que fosse assinado o acordo.

E eis aí mais um volteio no mesmo minueto. Sem as entrevistas com cientistas ou as inspeções, não há acordo que possa ser eficaz. “Qualquer acerto final aceitável dependerá de um elemento forte de inspeção das armas”, afirmou, em artigo no site Politico, o analista Charles Duelfer, ex-chefe da comissão das Nações Unidas que monitorava o programa de armas do Iraque no tempo de Saddam Hussein. É possível que as declarações de Khamenei sejam apenas uma forma de pressão para obter mais concessões nesta reta final. Mas são pequenas as chances de que, até dia 30, saia um acordo com a força necessária para garantir que o Irã não faça a bomba atômica. Em seu último relatório, datado de 29 de maio passado, a AIEA afirma que “não está em posição de fornecer garantias confiáveis sobre a ausência de material e atividades nucleares não declaradas no Irã, e portanto de concluir que todo material nuclear no Irã está em atividades pacíficas”.

Desde o acordo provisório, em novembro 2013, várias das ações iranianas levantaram suspeitas. O Irãtentou comprar equipamentos para um reator de plutônio, em Arak, para o qual não há nenhuma justificativa possível de uso pacífico. Alimentou as centrífugas em sua usina de Natanz com gás de urânio, num processo de enriquecimento que se comprometera a interromper. Testou novas centrífugas para enriquecimento de modelo mais avançado e de mais difícil inspeção. Impediu que a AEIA tivesse acesso a vídeos das instalações nucleares e exportou mais petróleo do que o permitido pelo alívio das sanções econômicas.

Apesar das dúvidas, o governo do presidente americano, Barack Obama, fez o possível para fechar algum tipo de acordo que lhe permitisse fazer um anúncio de efeito, ainda que isso não bastasse para evitar a escalada nuclear iraniana. Obama driblou até a liturgia que exigia consultas ao Congresso e gerou uma desnecessária tensão política interna nos Estados Unidos. Como retaliação, o líder da Câmara, John Boehner, convidou, sem consultar Obama, o primeiro-ministro de Israel, Bibi Natanyahu, a defender seu ponto de vista diante dos parlamentares. O discurso de Natanyahu – apesar de sua retórica poderosa, repleto dos chavões ditados pela política externa israelense e até de erros históricos – foi uma afronta a Obama e gerou um incidente diplomático. Natanyahu não conseguiu o que queria na ocasião – evitar o acordo de Lausanne. Mas tinha razão em um ponto: não adianta fazer um acordo que não pare de pé, apenas para receber aplausos da plateia. 

Voltaremos sem dúvida a assistir, na próxima terça-feira, a mais uma repetição desse passo do minueto. Com a perspectiva do fim das sanções, a economia iraniana já começa a se recuperar e a atrair o interesse de investidores externos, sobretudo na área de energia e petróleo. Khamenei sabe que está perto de seu objetivo: um alívio nas sanções, com o mínimo de compromisso nuclear possível. A esta altura, Obama tem pouco a perder se fizer concessões, desde que devidamente disfarçadas num linguajar suficientemente ambíguo. Sabe que ficará no palco por pouco tempo, só precisa manter a música tocando. Hillary Clinton, a favorita na corrida pela sucessão, é provavelmente quem terá de continuar o balé nuclear.
G1.com

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