Sombra perdida



(Imagem: Pinterest, do álbum de Joanna Merrill)

Há alguns anos, arqueólogos descobriram, sob pilha de tijolos em adobe de uma igreja que desabou perto de Trujillo, no Peru, uma carta escrita em língua perdida desde o século XVI ou XVII. É possível que a mensagem, em idioma desde então oculto a olhos humanos, jamais cumpra sua finalidade, permanecendo na escuridão dos tempos o que se registrou naquele pedaço de papel – seja uma oração, uma fórmula, o relato de uma batalha ou uma declaração de amor.
A única, extraordinária e trágica história humana é tecida também de fragmentos que se perdem. É ainda com lacunas e silêncios que, personagens desta aventura, assinalamos uma trajetória permeada por idiomas, livros, monumentos, gestos e conquistas, descobertas e fracassos. Tudo afinal se apaga, se não pela ação do tempo, certamente pela profundidade de nossa ambição. Exemplo aqui são as antiguidades, que rendem no ilícito mercado internacional alguns bilhões de dólares anuais, representando significativa fonte de renda nos mercados negros mundiais, depois das drogas e das armas. A afirmação é do jornalista e escritor norte-americano Alexander Stille. Quanto do que se perdeu não poderia ter mudado os rumos da História?
Distantes dessa inquietação, trabalhamos contra nós mesmos na cupidez de nos perpetuarmos. Embora sinalize estar próxima de perder a validade, a chamada lei de Moore já previu que, aproximadamente a cada 18 meses, um chip de computador dobraria sua capacidade, tornando seus antecessores obsoletos. Assim, se de um lado produzimos mais informação, de outro estamos implacavelmente condenados a perdê-la.
Hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento de nossa migração, as marcas que deixamos se aprofundam, ferindo o planeta com as chagas da ambição que distorce o sorriso e o discurso, que marginaliza e exclui a imensa maioria do direito elementar a também usufruir os bens universais. Nosso pobre conhecimento nos faz inchados de orgulho, como um dos personagens de Saint-Exupéry. De tanto olharmos para o céu, contabilizamos, até hoje, centenas de planetas fora do Sistema Solar. Ainda nos deleitávamos sobre pouco além do nada, quando novas descobertas vieram sugerir a existência de bilhões de mundos habitáveis. Universo, aqui vamos nós!
Se é que vamos mesmo. Acaso nos voltássemos para o caminho percorrido descobriríamos, envergonhados, que as dimensões microscópicas de nossa sombra são incapazes de ocultar o rastro que nos persegue. Sequer dissimulam a fraqueza que arrastamos em direção ao desconhecido.
Fôssemos solidários e gratos pelo que nos foi dado, poderíamos, quem sabe, reescrever alguma página de nossa história, legando ao futuro a mensagem que jamais se perdesse.
(Repost - Reeditado)

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