ENCONTRO PROMOVIDO PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA
Encontro promovido pelo secretário de Cultura, Jocélio Francisco, com os fazedores de cultura do Município, sobre a lei Aldir Blanc. Na pauta: discussões para elaboração do PAAR (Plano Anual de Aplicação de Recursos, da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB – Lei Federal 14.399/2022) . O evento foi aberto à participação da sociedade civil.
*"A escuta foi muito produtiva, é importantíssimo discutir não apenas o plano e a política para o setor, mas ouvir e falar sobre a cultura na perspectiva de quem atua diretamente em atividades convergentes nas mais diversas expressões. Tenho certeza que juntos podemos construir uma Sertãozinho culturalmente mais rica”, afirmou o Secretário Jocélio Francisco
*"Durante o encontro, foi discutida a criação de um plano de ação cultural inclusivo. Além de outras ações que valorizem a diversidade cultural e assegurem ampla participação social.
Instituída pela Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, e regulamentada pelo Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023. A Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) tem como objetivo fortalecer o setor em todos os estados, municípios e o Distrito Federal. A PNAB é uma política com viés estruturante, de caráter não emergencial, com recursos da União, garantindo que as atividades do setor cultural tenham uma fonte estável de dinheiro público até 2027".
'Foi assustador': carta de 83 anos detalha estragos da grande enchente de 1941 no Rio Grande do Sul
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,A enchente de 1941 era até recentemente a pior da história de Porto AlegreArticle information
Author,Simone Machado
Role,De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
"A cidade esteve vários dias às escuras, sem água, sem leite, sem jornal, foi mesmo de assustar! A coitada da Belmira perdeu tudo, tudo... Os móveis abriram-se todos, estragaram-se completamente".
Apesar de o cenário descrito parecer recente, esse é o trecho de uma carta escrita em 1941 por uma pessoa que estava em Porto Alegre (veja o que ocasionou a cheia daquela época e por que ela não é argumento para negar mudanças climáticas).
Na ocasião, Helena Silva Stein, com 16 anos, escreveu o relato em um retalho de pano para enviar à irmã mais velha, Flávia, que morava no Rio de Janeiro.
Helena morreu em janeiro deste ano, aos 98 anos, pouco antes de a tragédia se repetir.
A carta escrita há 83 anos faz parte do acervo de memórias da família que a filha de Helena, a arquiteta Elenara Stein Leitão, 67, guarda há anos.
Helena escreveu o relato em um pedaço de pano para enviar à irmã que morava no Rio de Janeiro
Helena vivenciou por acaso a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul. Após perder os pais aos 10 anos, ela foi morar no Rio de Janeiro com uma tia e foi à capital gaúcha para visitar familiares. O plano era ficar apenas algumas semanas.
A casa da família, na avenida Independência, não foi invadida pela água e serviu de abrigo para diversas pessoas que perderam tudo com as cheias. Situações que foram descritas por ela.
"Tia Maria saiu de casa. Nós quase que saímos, pois faltou uns quatro metros para chegar aqui em casa! Zilá e Carlos passaram várias semanas aqui, flagelados. A água lá foi um bom pedaço acima do assoalho. Este estragou-se completamente, ficando todo embaulado", descreveu a jovem.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Helena tinha 16 anos quando escreveu a carta
Na enchente de maio de 1941, o rio Guaíba registrou 4,76 metros de elevação no nível da água — e era, até recentemente, a maior referência de tragédia ligada a um desastre natural em Porto Alegre. Segundo os relatos da época, foram 22 dias de chuvas naquele mês.
“Os trens pararam e o telégrafo interrompeu. Estávamos simplesmente isolados do interior. Cinemas, colégios, faculdade de medicina e direito ficaram cheios de flagelados e o governo sustentando todo o pessoal. Flagelados 17 mil! O professorado todo dando comida e cuidando deles. No Pão dos Pobres foi até ao segundo andar, quase cobriu a Igreja de Santo Antônio. Os meninos saíram e o prejuízo foi calculado em 5 mil contos!”, diz outro trecho da carta.
No texto, Helena também relata que diversos bairros ficaram alagados e a plantação de arroz foi perdida.
A situação a marcou tanto que os dias de medo vividos há 83 anos eram frequentemente recordados por ela.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Helena, fotografada ao lado da filha Elenara, morreu em janeiro deste ano, pouco antes de a tragédia se repetir.
“Bastava chover um pouco mais e o nível do rio subir que ela relembrava tudo o que passou e nos contava as histórias da época. Era uma tragédia muito grande, segundo ela, algo que eu nunca poderia imaginar que passaríamos. O fato de ela ter escrito a carta em um pedaço de retalho mostra também que até papel chegou a faltar”, conta Elenara, que mora na capital gaúcha.
Assim como a mãe vivenciou as enchentes e os problemas causados por ela, a arquiteta também está vivenciando os efeitos da cheia, apesar de não ter tido a casa invadida pela água. O local serviu de abrigo para conhecidos e enfrenta a falta de abastecimento de água.
A carta escrita por Helena há mais de oito décadas não foi o único relato recuperado da época.
A dermatologista Renata Cid Bacil Karam guarda em sua casa, em São Paulo (SP), várias fotos sobre a época e relatos escritos pelo avô Abrahim Bacil, que era conhecido como Baico. Em 1941 ele tinha 25 anos e morava em Porto Alegre.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Segundo relatos da época, foram registrados 22 dias de chuva em maio de 1941
Duas fotos, em que o homem aparece com a água na altura da cintura, foram enviadas para a mãe dele, que vivia em Minas Gerais. No verso, ele descreveu a situação que enfrentava com a enchente.
“Entrada das lojas, nos fundos vê-se o portão, e água me batia na cintura, neste dia tinha 80 cm de água dentro do depósito. Ficamos o dia todo tirando mercadoria para não molhar”, descreveu.
Em outra foto registrada no mesmo período, Bacil aparece com os amigos de trabalho sentado em um barco usado para levar alimentos aos moradores atingidos.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Embarcação levou comida durante cheia de 1941
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Abrahim Bacil descreveu a cena atrás da fotografia
“Mãe, uma fotografia como esta acho que nunca mais se consegue, veja um verdadeiro navio nos fundos da loja, na rua do centro da cidade (Rua 15) em que tiramos esta.
Esta embarcação navegava todos os dias trazendo alimentos para a cidade, e “só vendo” milhares de outras grandes e pequenas”, escreveu.
Segundo a dermatologista, na época o avô morava sozinho no estado e trabalhava em uma loja. O local foi invadido pela água.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,'A água me batia na cintura, neste dia tinha 80 cm de água dentro do depósito. Ficamos o dia todo tirando mercadoria para não molhar', escreveu Bacil atrás de uma das fotos
“Meu avô sempre contava histórias daquela enchente. Onde ele morava não chegou a inundar, mas ele já estava noivo da minha avó e a família dela perdeu tudo. Ele dizia que era algo que nunca se viu”, conta a dermatologista.
Como foi a enchente de 1941
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Cidade teria ficado tomada pela água por 40 dias durante a enchente de 1941
A enchente de 1941 ficou marcada como a pior da história de Porto Alegre, perdendo a posição para a tragédia registrada no estado este ano. Na ocasião, o rio Guaíba atingiu a marca de 4,76 metros no dia 8 de maio.
E no dia 5 de maio de 2024, essa marca foi superada: o rio atingiu 5,35 metros.
Com 272 mil habitantes, a capital gaúcha teve cerca de 70 mil desabrigados, o que corresponde a um quarto da população da época.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,Nesta imagem, a água já estava baixando, segundo a neta de Baico
Na tragédia deste ano, segundo dados da Defesa Civil, 615 mil pessoas foram atingidas, sendo 538,2 mil desalojados (em casas de parentes ou amigos) e outros 77,4 mil em abrigos. Pouco mais de 90% dos municípios do estado foram atingidos pela chuva, sendo 450 das 497 cidades afetadas.
Assim como agora, na enchente anterior, as escolas da cidade se transformaram em abrigos para acolher aqueles que tiveram a casa invadida pela água.
Relatos da época apontam que a cidade ficou tomada pela água por 40 dias.
Leia a carta escrita por Helena na íntegra
Porto Alegre, 26 de maio de 1941
Flavinha querida, saudades!
Respondo com carinho tua querida cartinha de 28 do mês passado e que só me veio às mãos ontem. Imagina! Quase um mês!
Como se foram de enchente? Aqui em Porto Alegre foi um assunto muito sério! As águas atingiram a Rua da Praia. A zona que mais sofreu foi Navegantes, São João e Menino Deus. Foi até Floresta e Passo da Mangueira.
Tia Maria saiu de casa. Nós quase que saímos, pois faltou uns quatro metros para chegar aqui em casa! Zilá e Carlos passaram várias semanas aqui, flagelados. A água lá foi um bom pedaço acima do assoalho. Este estragou-se completamente, ficando todo embaulado.
A cidade esteve vários dias às escuras, sem água, sem leite, sem jornal, foi mesmo de assustar! A coitada da Belmira perdeu tudo, tudo... os móveis abriram-se todos, estragaram-se completamente.
Os trens pararam e o telégrafo interrompeu. Estávamos simplesmente isolados do interior. Cinemas, colégios, Faculdade de Medicina e Direito ficaram cheios de flagelados e o governo sustentando todo o pessoal. Flagelados 17.000! O professorado todo dando comida e cuidando deles.
No Pão dos Pobres foi até ao segundo andar, quase cobriu a Igreja de Santo Antônio. Os meninos saíram e o prejuízo foi calculado em 5 mil contos!
Dizem que em São Jerônimo foi uma coisa horrorosa! Cachoeira (do Sul), a não ser as lavouras, a cidade não sofreu nada, mas o arroz perderam todo.
É assim que a ambientalista Natalie Unterstell descreve como se sente desde que ficou claro que as inundações no Rio Grande do Sul atingiram níveis trágicos.
Desde que a situação no Sul do país passou a chamar atenção do Brasil e do mundo, ambientalistas vêm associando a tragédia às mudanças climáticas. Mas Unterstell tem um motivo a mais para se lamentar.
De 2013 a 2015, ela participou de um programa encomendado pelo governo federal, então governo Dilma Rousseff (2010-2016), com objetivo de projetar os impactos das mudanças climáticas no Brasil até 2040 e desenhar medidas de adaptação a elas.
O programa "Brasil 2040" custou, à época, R$ 3,5 milhões.
Os modelos matemáticos usados pelo estudo projetaram um cenário climático muito semelhante ao que se vê no Brasil quase 10 anos depois: escassez de chuvas na região Norte e chuvas acima do normal no Sul do país.
Apesar disso, o programa foi abruptamente encerrado em 2015. Era, segundo Unterstell, algo como o embrião de uma política pública para a adaptação climática do país.
Após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff enviou uma nota refutando que o plano tenha sido "engavetado".
"Tal informação não procede e ignora a tramitação do estudo, que resultou na política do governo brasileiro para o enfrentamento das mudanças climáticas", afirmou.
A nota aponta que os estudos do "Brasil 2040" foram incorporados ao compromisso assumido pelo governo brasileiro no Acordo de Paris, em dezembro de 2015, e ao Plano Nacional de Adaptação para Mudança Climática (PNA), publicado em 2016.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao Palácio do Planalto, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), e à Casa Civil sobre o fim do programa. Em nota, o MMA disse que pretende atualizar o "Brasil 2040" (leia mais sobre a resposta da pasta abaixo).
De acordo com especialistas, apesar de o Brasil contar com o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima desde 2016, o documento nunca teria saído do papel.
O programa engavetado
O ano era 2013.
À época, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertava: em sua estimativa mais pessimista, até 2100 a temperatura do planeta subiria até 5°C, causando mudanças significativas no clima do planeta e obrigando os países a implementarem medidas de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.
Foi quando o governo federal determinou a elaboração de estudos regionalizados sobre os efeitos das mudanças climáticas no Brasil e sobre que medidas poderiam ser tomadas para adaptar o país a essa nova realidade.
Ao todo, foram criados sete grupos de estudos com diferentes temas. Um deles, batizado de "Brasil 2040", foi no qual Natalie Unterstell atuou. O nome se refere ao ano de 2040, um dos horizontes com os quais os estudiosos trabalhavam.
"Era um programa de estudos que tinha como objetivo a formulação de uma política pública de adaptação [às mudanças climáticas]", conta Unterstell à BBC News Brasil.
Ela atuou como uma das coordenadoras do programa.
A cientista também falou sobre o programa no podcast "Tempo Quente", produzido pela jornalista Giovana Girardi para a Rádio Novelo, em 2022.
"Eram sete times dos melhores pesquisadores brasileiros… do IME (Instituto Militar do Exército) ao ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)", detalha a ambientalista, que hoje preside o Instituto Talanoa (organização sem fins lucrativos focada na implementação de políticas públicas na área ambiental).
O programa foi encomendado pela hoje extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que era vinculada à Presidência da República. À época, a secretaria era comandada pelo economista Marcelo Neri.
Unterstell conta que os estudos usavam modelos climatológicos para estimar os possíveis impactos das mudanças climáticas em diversas áreas da economia e da sociedade brasileira, como a agricultura, infraestrutura urbana, transportes, recursos hídricos, entre outras.
Ela diz que os estudos já haviam passado da fase de diagnóstico e se encaminhavam para a etapa em que seriam feitas as recomendações para adaptação — quando o programa foi interrompido.
A interrupção do programa aconteceu durante a troca de comando da SAE. Saiu Marcelo Neri e entrou o professor da Universidade de Harvard Mangabeira Unger.
Untersell diz que não recebeu nenhuma explicação oficial sobre o fim do programa, mas relaciona o fato às conclusões preliminares. Segundo ela, os dados questionavam a viabilidade de hidrelétricas.
"Os resultados dos estudos colocavam em xeque a viabilidade de hidrelétricas na região Norte como, por exemplo, a de Belo Monte [no Pará], dado que a modelagem e a avaliação de impactos sobre água e energia projetaram uma redução significativa das vazões dos rios da região. Isso assustou", diz.
A BBC News Brasil tentou contato com Marcelo Neri e com Mangabeira Unger.
Neri disse que o episódio aconteceu há muito tempo e que não poderia atender a reportagem.
Por meio de mensagens de texto, Unger respondeu que não teria tratado do programa e tampouco teria desativado. Suas respostas iniciais, no entanto, mencionavam um suposto programa ocorrido antes, durante sua passagem no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Depois, questionado em detalhes sobre sua participação no programa "Brasil 2040", executado entre 2013 e 2015, ele respondeu: "Isso é outra coisa. Não era clima. Era o projeto de desenvolvimento de longo prazo."
As fortes chuvas que atingem o Estado desde o fim de abril já provocaram mais de 154 mortes e afetaram 461 dos 497 municípios gaúchos, segundo balanço divulgado no dia 17 de maio ao meio-dia.
Porto Alegre foi especialmente atingida por conta do transbordamento do Lago Guaíba, cujo nível chegou a ultrapassar 5 metros, segundo o Centro Integrado de Coordenação de Serviços da cidade.
Uma das conclusões do programa foi a de que o extremo Sul sofreria com chuvas acima do normal nos próximos anos. Ao mesmo tempo, os modelos previam secas mais acentuadas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste.
"O modelo ETA forçado pelo MIROC5 sinaliza aumento nas vazões (dos rios, efeito de mais ou menos chuvas) no extremo sul do Brasil, superior a 10% em relação à média histórica entre 2011e 2040 e superior a 30% entre 2071 e 2099, associado a reduções na região Nordeste e Centro-Oeste", diz um trecho de um dos estudos realizados pelo programa.
Os termos ETA e MIROC5 são menções aos modelos matemáticos usados pelos cientistas para fazer as projeções de longo prazo.
Natalie Unterstell diz que, pelo menos desde 2021, vem observando as semelhanças entre os eventos climáticos no Brasil e as projeções às quais ela teve acesso entre 2013 e 2015.
Ao ver projeções feitas mais recentemente pela MetSul, uma empresa de meteorologia do Rio Grande do Sul, ficou assustada.
"No Rio Grande do Sul, a ficha caiu assim que eu vi os mapas do MetSul, na semana passada. Eram visualmente parecidos com as projeções feitas no programa [Brasil 2040]. Foi assustador", relata Unterstell.
CRÉDITO,PLANET LABS
Legenda da foto,Chuvas intensas afetam mais de 2,2 milhões de pessoas no Rio Grande do Sul
'Tempo perdido'
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o país perdeu tempo com o engavetamento do programa "Brasil 2040" e com a demora em adotar políticas amplas de adaptação às mudanças climáticas.
"O programa trouxe informações importantes, mas que pouca gente deu atenção, como esses cenários em que o Sul teria a tendência de chuvas acima da média e o Norte e Nordeste tendo redução hídrica", diz a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, à BBC News Brasil.
Ela também foi presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre 2016 e 2018.
"A gente perdeu tempo ao não tomarmos as medidas necessárias", complementa Araújo.
"O trabalho foi interrompido no momento em que a gente passava do diagnóstico para as medidas de adaptação. Os estudos nunca foram publicados. Fizeram um sumário executivo do programa com pessoas que não tinham ligação com os estudos. Foi um negócio jogado fora", lamenta Unterstell.
Argumentando que o estudo foi incorporado a políticas posteriores e a publicações, a assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff afirmou que o "Brasil 2040" é mencionado, por exemplo, no volume 2 do texto original do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima.
O plano foi lançado no dia 10 de maio de 2016, dois dias antes de Rousseff ser afastada do cargo em meio ao processo de impeachment do qual ela foi alvo.
Suely Araújo diz que, à época, o plano era bem desenhado, mas que faltou ser implementado.
"Ficou um documento tecnicamente bom, mas que ficou no papel", afirma.
Ela diz, no entanto, que a pouca preocupação com a adaptação às mudanças climáticas não é um fenômeno isolado.
"Lógico que isso piora em um governo negacionista como o do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas a subvalorização da adaptação é a regra, independente do governo", afirma.
Um relatório elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente em novembro de 2021, durante o governo Bolsonaro, admitia a falta de recursos para a implementação do plano.
"Vários foram os desafios durante a implementação do PNA (Plano Nacional de Adaptação), dos quais mencionamos: a descontinuidade de ações iniciadas pelos setores e a escassez ou falta de acesso a recursos financeiros [...] a ausência de articulação, integração e sinergia interministerial e entre setores; e as dificuldades na implementação de programas e políticas específicas, dentre outros", diz um trecho do documento ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
Suely Araújo defende que, para lidar com casos como as inundações do Rio Grande do Sul, o Brasil precisa de um plano ousado, com a previsão de investimentos de grandes somas de dinheiro a fundo perdido.
"Adaptação exige recursos e não tem como imaginar que municípios já vulneráveis possam se endividar para fazer as obras para se prepararem para os efeitos das mudanças climáticas. Tem que ser dinheiro a fundo perdido, porque o custo de reconstruir é muito maior que custo de prevenir", aponta Araújo.
Para o climatologista Carlos Nobre, que fez carreira no Inpe e participou do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), os governos não vêm adotando as medidas necessárias para adaptar as cidades aos efeitos das mudanças climáticas.
"Esses eventos extremos vieram pra ficar. Eles não vão diminuir. Ao contrário, eles irão aumentar. E os governos, infelizmente, não estão fazendo os investimentos necessários. Adaptação não é apenas dar o alerta de uma tragédia. É, também, remover permanentemente as pessoas das áreas sob risco. E isso demanda dinheiro", explica Nobre à BBC News Brasil.
CRÉDITO,REUTERS
Legenda da foto,Casas inundadas no bairro Mathias Velho, em Canoas (RS)
A reportagem enviou questionamentos sobre a atualização do plano e sobre os recursos destinados à sua implementação aos ministérios do Meio Ambiente (MMA), à Casa Civil e à Presidência da República.
Apenas o MMA respondeu aos questionamentos.
Em nota, a pasta disse que o governo pretende atualizar o programa "Brasil 2040".
"Há previsão de atualização do Brasil 2040 para fortalecer a base de dados das políticas de adaptação, além de reforçar a tomada de decisão no âmbito do Plano Clima", disse a pasta à BBC News Brasil.
Não foi dado um prazo para que essa atualização fosse feita.
A nota disse ainda que os resultados do "Brasil 2040" foram "compartilhados com órgãos governamentais relacionados aos setores abordados".
Sobre o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, instituído em 2016, a pasta disse que ele ficou "virtualmente paralisado durante o governo passado" e que a revisão prevista para 2020 não teria sido realizada.
O MMA disse que o governo já iniciou a revisão do "Plano Clima-Adaptação" (termo usado pela atual gestão), mas não informou a data prevista para conclusão do documento.
Segundo informações do site da pasta, o "Plano Clima-Adaptação" tem como um dos seus objetivos "aumentar a resiliência do País às alterações climáticas".
A pasta afirmou ainda que o governo trabalha em um projeto de "melhoria da capacidade institucional" de Estados e municípios para lidar com as mudanças climáticas e que ele deverá ter início ainda neste ano.
A previsão é que sejam elaborados 260 planos locais de adaptação para municípios considerados críticos.
A nota citou ainda um aporte de R$ 10,4 bilhões ao Fundo Clima. Segundo o MMA, esses recursos financiarão iniciativas para a transição energética no país. De acordo com a pasta, o valor seria 26 vezes maior do que o que o fundo tinha à disposição em 2022.
O Fundo Clima foi criado pelo governo federal em 2009 com o objetivo de garantir recursos para projetos, estudos e financiamento para mitigação da mudança do clima.