segunda-feira, 25 de março de 2024

BOLSONARO NA EMBAIXADA, MAURO CID PRESO E CASO MARIELLE | Cartas Na Mes...

O que se sabe sobre ataque que deixou mais de cem mortos na Rússia; Putin diz que autores estão presos

 

Policial russo diante da casa de shows conectada a shopping que foi alvo de ataque na última sexta-feira

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Policial russo diante da casa de shows conectada a shopping que foi alvo de ataque na última sexta-feira

Um ataque com armas de fogo em uma casa de shows na região de Moscou, na Rússia, deixou dezenas de mortos e feridos na sexta-feira (22/3).

Pelo menos 137 pessoas foram mortas e mais de 140 ficaram feridas no ataque, segundo o FSB (serviço russo de segurança). Não há nenhum registro de brasileiros entre as vítimas.

O atentado foi reivindicado pelo grupo extremista autodenominado Estado Islâmico — que publicou um vídeo como evidência. No domingo (24/3), quatro homens presos pelas autoridades russas foram acusados formalmente de cometer ato de terrorismo (mais detalhes abaixo).

Um grupo de pelo menos quatro pessoas armadas, com uniformes táticos, efetuou disparos na casa de shows Crocus City Hall, enquanto as pessoas aguardavam uma apresentação da banda de rock russa Picnic.

O espaço para shows é conectado a um shopping, e mais de 6 mil ingressos haviam sido vendidos para o show de sexta-feira.

Em pronunciamento no sábado (23/3), Putin anunciou que domingo seria um dia oficial de luto — e prometeu punir os responsáveis pelo ataque. Ele afirmou que todos os perpetradores já haviam sido encontrados e detidos.

Putin também declarou que eles tentaram escapar em direção à Ucrânia (algo que Kiev nega), e que a segurança do país foi reforçada em resposta.

Chamando o episódio de sexta-feira de "ato terrorista bárbaro", ele declarou que "nossos inimigos não vão nos dividir".

Vídeos gravados no local do show em Krasnogorsk, subúrbio de Moscou, mostram pelo menos quatro pessoas atirando indiscriminadamente contra o público, que gritava e tentava fugir.

Entre os feridos no tiroteio estavam crianças, segundo uma autoridade local de Moscou em entrevista a uma agência de notícias russa. Elas estavam participando de uma competição de dança de salão quanto o tiroteio começou. Os pais desses jovens também estavam no local.

Várias explosões foram ouvidas e houve um grande incêndio no prédio, o que causou o desabamento de parte do telhado próximo ao local.

O fogo tomou conta do telhado e da fachada do shopping e fumaça e chamas eram visíveis no horizonte do centro de Krasnogorsk.

Muitas vítimas morreram dos ferimentos a balas, enquanto outras, pela inalação de fumaça tóxica.

Cerca de 100 pessoas teriam sido resgatadas no topo do centro comercial, segundo autoridades envolvidas no resgate.

Um vídeo obtido pela agência de notícias Reuters mostrava um grande incêndio e fumaça saindo do salão onde ocorreu o ataque.

Diversos grupos de forças especiais russos entraram no local.

Fogo

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Fumaça e chamas eram visíveis no horizonte do centro de Krasnogorsk

Os quatro homens presos e acusados de ato de terrorismo foram identificados pelas autoridades russas como: Dalerdzhon Mirzoyev, Saidakrami Murodali Rachabalizoda, Shamsidin Fariduni e Muhammadsobir Fayzov.

Eles foram presos na região de Bryansk, a cerca de 400 km de Moscou, aproximadamente 14 horas após o ataque.

O FSB disse que os agressores abriram fogo durante a tentativa de prisão e foram “neutralizados pelo fogo rival”, mas poucos detalhes foram fornecidos sobre esse caso.

O Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelo ataque em seu canal no Telegram — e divulgou imagens dos agressores atirando contra a multidão dentro da casa de shows. O vídeo foi verificado como genuíno pela BBC.

No entanto, nenhuma autoridade russa reconheceu a alegação, sugerindo — sem provas — que os agressores estavam sendo ajudados pela Ucrânia.

O FSB, serviço de inteligência russo, emitiu um comunicado afirmando que os responsáveis pelo ataque estavam planejando cruzar a fronteira com a Ucrânia e que teriam "contatos" no lado ucraniano.

A Ucrânia reagiu dizendo que essa informação é "absurda". E negou qualquer envolvimento no episódio.

Sarah Rainsford, correspondente da BBC em Kiev, conversou com Andriy Yusov, porta-voz da inteligência ucraniana, que afirmou que a fronteira entre os dois países está "repleta de militares e membros de serviços especiais. (...) É uma linha de frente (da guerra). Sugerir que os suspeitos rumavam para a Ucrânia é sugerir que eles são estúpidos ou suicidas".

Rainsford explica que, em Kiev, existe o temor de que a Rússia use o episódio de sexta-feira para escalonar ainda mais a guerra na Ucrânia.

Acusados parecem ter sido espancados

Além dos quatro homens acusados formalmente de ato de terrorismo, outras sete pessoas foram presas na Rússia, suspeitas de ajudar no ataque.

Todos os quatro acusados parecem ter sido espancados — vídeos de sessões de interrogatórios brutais teriam sido divulgados pelas forças de segurança russas, e reportagens sugerem que pelo menos um deles sofreu choques elétricos.

Os homens identificados como Dalerdzhon Mirzoyev (à esquerda) e Saidakrami Murodali Rachabalizoda

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Os homens identificados como Dalerdzhon Mirzoyev (à esquerda) e Saidakrami Murodali Rachabalizoda

Os homens que o tribunal identificou como Mirzoyev e Rachabalizoda estavam com os olhos roxos, e a orelha do último estava com um curativo enorme — supostamente por ter sido parcialmente cortada durante sua prisão.

Além disso, Mirzoyev parecia ter um saco plástico rasgado enrolado no pescoço.

O rosto do homem identificado como Fariduni estava muito inchado, enquanto o suspeito identificado como Fayzov parecia ter perdido a consciência — ele foi levado ao tribunal em uma cadeira de rodas, vestindo uma camisola de hospital.

Ele parecia ter perdido um olho, segundo a agência de notícias Reuters.

Um comunicado do tribunal no Telegram informou que Mirzoyev havia “admitido totalmente sua culpa”, enquanto Rachabalizoda também “admitiu culpa”.

Os homens foram identificados como cidadãos do Tadjiquistão, informou a agência de notícias estatal russa Tass.

Todos os quatro serão mantidos em prisão preventiva até pelo menos 22 de maio, acrescentou o tribunal.

Os EUA disseram que há evidências críveis de que um grupo afiliado ao autodenominado Estado Islâmico esteja por trás dos ataques — o grupo, de fato, reivindicou a autoria. A Rússia não comentou.

Segundo Washington, trata-se de uma ramificação do Estado Islâmico chamada Isis-K, ou Isis-Khorasan, um grupo que tenta estabelecer um califado islâmico em áreas do Afeganistão, Paquistão, Turcomenistão, Tadjiquistão, Uzbequistão e Irã.

"O Isis-K está focado na Rússia há dois anos", afirmou ao jornal New York Times Colin Clarke, especialista em contraterrorismo baseado em Nova York. "O Isis-K acusa o Kremlin de ter sangue muçulmano nas mãos, em referência às intervenções russas no Afeganistão, na Chechênia e na Síria."

'Terrível tragédia'

Forte fumaça saindo de shopping durante a noite

CRÉDITO,VASILY PRUDNIKOV/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK

O correspondente da BBC na Rússia, Steve Rosenberg, relatou que os bombeiros passaram a noite apagando as chamas. E o que era uma das salas de concerto mais famosas do país agora virou uma zona de desastre. Há pessoas levando flores e tributos às vítimas.

"Todas as medidas possíveis estão sendo tomadas para prestar assistência às pessoas afetadas pelo ataque terrorista", disse a FSB em nota, ainda na sexta-feira.

O prefeito de Moscou, Sergey Sobyanin, chamou o ataque de “terrível tragédia”. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia classificou o episódio como “um ataque terrorista sangrento”.

A banda de rock Picnic emitiu um comunicado informando que todos os integrantes e membros da sua equipe estão "vivos e seguros".

“Ocorreu uma tragédia cuja escala ainda não podemos avaliar”, afirmou o comunicado.

O Ministério da Cultura russo divulgou que todos os grandes eventos foram cancelados no país no fim de semana.

Ambulância em local de ataque na Rússia

CRÉDITO,REUTERS

Ucrânia 'não tem nada a ver'

Um assessor do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que a Ucrânia, que está em guerra com a Rússia desde fevereiro de 2022, não tem qualquer relação com o ataque.

Num post no Telegram, Mykhailo Podolyak afirmou:

“Sejamos claros, a Ucrânia não tem absolutamente nada a ver com estes acontecimentos”.

Governo brasileiro lamenta ataque

O Ministério das Relações Exteriores informou em nota que "não se tem notícia de nenhum cidadão brasileiro vítima do ataque".

A Embaixada brasileira em Moscou, segundo a pasta, "permanece em funcionamento para atender brasileiros em situação de emergência".

A pasta expressou condolências e solidariedade "ao povo e ao governo da Rússia e reitera seu firme repúdio a todo e qualquer ato de terrorismo."

BBC

PF prende suspeitos de encomendar morte de Marielle Franco; o que se sabe até agora

 to por Justiça marca os seis anos do assassinato de Marielle Franco, no centro do Rio de Janeiro

CRÉDITO,TOMAZ SILVA/AG BRASIL

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Ato pelos seis anos da morte de Marielle Franco; polícia fez três prisões preventivas neste domingo (24/3)


A Polícia Federal realizou neste domingo (24/3) três mandados de prisão preventiva relacionados ao homicídio da então vereadora do PSOL no Rio de Janeiro, Marielle Franco, e de seu motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.

Segundo confirmaram fontes da PF, foram presos os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além de Rivaldo Barbosa. Eles estão na penitenciária federal de Brasília.

Chiquinho Brazão é deputado federal e chegou a ser secretário especial de Ação Comunitária da prefeitura do Rio de Janeiro. Ele era filiado ao União Brasil. No começo da noite de domingo, o partido decidiu expulsá-lo.

Seu irmão Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Eles estavam sob investigação no caso, a partir da delação do ex-policial militar Elcio de Queiroz, acusado de ter dirigido o carro usado no assassinato de Marielle e Anderson.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, se manifestou no início da tarde reiterando informações já divulgadas sobre os presos. Na declaração, durante entrevista coletiva em Brasília, Lewandowski afirmou que a conclusão das investigações e as prisões são um "triunfo expressivo do Estado brasileiro contra a criminalidade organizada".

O advogado Ubiratan Guedes, defensor do conselheiro do TCE do Rio Domingos Brazão, negou, na manhã deste domingo, envolvimento de seu cliente nos homicídios da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

"(Domingos Brazão) não tem nenhuma ligação com a Marielle (sic), agora cabe à defesa provar que ele é inocente", afirmou o advogado, ao chegar à sede da Superintendência da Polícia Federal no Rio, na Praça Mauá, na capital fluminense. "Estamos surpresos."

Guedes reiterou que Brazão "nunca, nunca teve nenhuma ligação, nenhuma ligação"” com o caso. O advogado disse que ainda não tinha conversado com Brazão e que ia "entrar em contato agora com ele", para "saber o que" acontece.

"Não sabemos da imputação que é feita, está entendendo? Vamos ver", declarou.

O terceiro preso preventivamente, Rivaldo Barbosa, é ex-diretor da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Em postagem no X (ex-Twitter) neste domingo, Marcelo Freixo, que na época do crime era deputado estadual pelo mesmo partido de Marielle, escreveu: "Foi para Rivaldo Barbosa que liguei quando soube do assassinato da Marielle e do Anderson e me dirigia ao local do crime. Ele era chefe da Polícia Civil e recebeu as famílias no dia seguinte junto comigo. Agora Rivaldo está preso por ter atuado para proteger os mandantes do crime, impedindo que as investigações avançassem. Isso diz muito sobre o Rio de Janeiro".

Segundo a fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil, a morte de Marielle teria sido encomendada por conta da resistência da vereadora a um projeto de lei que regulariza condomínios na zona oeste do Rio de Janeiro. A zona oeste tem bairros controlados por milicianos que exploram empreendimentos imobiliários na região.

Em 19 de março deste ano, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, havia anunciado que a delação premiada de Ronnie Lessa, preso acusado de ser o executor do crime, havia sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal, por envolver pessoas com foro privilegiado.

O ministro havia dito que a conclusão do caso Marielle ocorreria “em breve”.

Em postagem no X (antigo Twitter), Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial, afirmou neste domingo: "só Deus sabe o quanto sonhamos com esse dia! Hoje é mais um passo para conseguirmos respostas que tanto nos perguntamos nos últimos anos: quem mandou matar a Mari e por quê?"

A operação da PF deste domingo, chamada Murder Inc, também envolve 12 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, expedidos pelo STF, e tem “como alvos os autores intelectuais dos crimes de homicídio, de acordo com a investigação. Também são apurados os crimes de organização criminosa e obstrução de justiça”.

Em nota emitida neste domingo, o Supremo Tribunal Federal confirmou a expedição de ordem de prisão preventiva contra os irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa, afirmando que a decisão passará por referendo da Primeira Turma do Tribunal nesta segunda-feira.

"Os três passaram por audiência de custódia conduzidas pelo magistrado instrutor do gabinete do ministro, desembargador Airton Vieira, nesta manhã, na Superintendência da Polícia Federal no Rio. As prisões foram mantidas, e os presos serão transferidos para presídio federal, no Distrito Federal", diz a nota do STF.

O menino que teve 'infância perfeita' sem saber que o pai era um dos criminosos mais procurados do planeta

 

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Nick Reynolds, com o pai, Bruce

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Apesar de tudo o que aconteceu, o relacionamento de Nick Reynolds com o pai, Bruce, sempre foi muito próximo


Você já assistiu à Família Soprano, a série de TV mundialmente famosa sobre um chefe da máfia de Nova Jersey que tenta conciliar as responsabilidades familiares com a vida no mundo do crime, e acaba na terapia?

Se você é fã, provavelmente se lembra da música Woke Up This Morning que toca na abertura.

Nick Reynolds faz parte do Alabama 3, a banda que escreveu esta música.

E, de certa forma, não é aí que termina a relação dele com a Família Soprano.

Nick sabe, por experiência própria, como é fazer parte de uma família envolvida em atividades criminosas.

Ele cresceu à sombra de um dos crimes mais notórios do século 20.

Suas primeiras memórias são de quando ele era criança — uma longa viagem do Reino Unido, passando pelos Estados Unidos, até a ensolarada costa do México.

"Minhas primeiras lembranças são realmente como cenas de um filme editadas aleatoriamente. E, como meu pai tinha uma câmera Super 8, e eu já vi imagens daquela época, e elas com certeza se misturam às minhas lembranças."

"Me lembro de ter passado muito tempo na banco de trás de um carro, que era conduzido pela vastidão dos EUA."

"E que em Tucson, no Arizona, meu pai comprou uma roupa de cowboy para mim."

Mas o destino final da viagem era o México.

Memórias da Cidade do México e de Acapulco

Do México, ele se lembra, "mais do que tudo, de como era ensolarado, e das grandes avenidas e das palmeiras".

Sua família era muito rica, e sua vida, luxuosa. "Meu pai estava entre os 2% mais ricos do México."

"Eu frequentava uma escola criada para filhos de diplomatas americanos, e alugamos um apartamento do presidente do Banco do México (em um bairro elegante da Cidade do México)."

"Lembro que a banheira era de mármore preto, e era enorme, como uma piscina — eu podia brincar de batalha naval com meus brinquedos."

"Era uma cobertura, então a vista das janelas era maravilhosa, você podia ver, inclusive, o vulcão Popocatépetl."

Alguns meses depois, eles se mudaram para Acapulco, um lugar que Nick achou incrível.

"O hotel tinha um fosso ao redor em que se podia nadar. Também havia uma piscina lá dentro, em que se podia nadar debaixo d’água por um túnel que se conectava com uma lagoa que ficava no meio do mar."

"Às vezes, saíamos num barco com fundo de vidro, e eu via meu pai com seu equipamento de mergulho embaixo d'água. Ele gostava muito de esportes: natação, mergulho, ciclismo."

O pai e a mãe de Nick na praia, por volta de 1965

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O pai e a mãe de Nick na praia, por volta de 1965


A vida dele era divertida, privilegiada e idílica.

"Era muito glamorosa. Meu pai era um grande homem de negócios que vendia acessórios para cigarros Dunhill."

"Minha mãe sempre estava muito elegante; ela tinha as melhores roupas, e uma enorme coleção de perucas, então cada vez que eles saíam, ela parecia diferente."

"Lembro que muitas vezes eles me deixavam com a empregada e iam para Las Vegas. Eram fascinados por Frank Sinatra."

"Eles eram muito amorosos comigo, e pareciam totalmente apaixonados um pelo outro."

Para Nick, era tudo normal. "Em nenhum momento, senti que estava sob alguma ameaça. Me sentia muito seguro e muito amado. Aqueles, muito possivelmente, foram os melhores anos, e mais felizes, da minha vida."

Nada indicava que algo estava errado.

"Meu pai era muito seguro de si mesmo, e minha mãe acreditava 100% nele. Se não fosse assim, talvez eu tivesse notado que algo não estava muito certo, porque crianças são muito boas nesse tipo de coisa."

E será que ele nunca se perguntou por que estava no México?

"Obviamente, o trabalho do meu pai era um dos motivos. Só comecei a me perguntar quem era realmente meu pai, porque tínhamos que nos mudar com frequência, e eu tinha que aprender diferentes nomes."

O pai herói

Isso mesmo. No México, seu nome não era Nick. Na verdade, ele estima que teve cerca de cinco nomes entre 1963 e 1968.

"Me davam um passaporte novo, não me explicavam nada, apenas me diziam: 'Agora esse é o seu nome, e mamãe e papai se chamam assim'."

Nick era muito pequeno para questionar o que estava acontecendo.

"Parecia um jogo. Achava que meu pai era um espião ou algo assim... para mim, ele se parecia muito com James Bond. E era divertido termos um segredo."

Mas a chegada de um visitante da Inglaterra mudou tudo.

A princípio, todos acolheram bem o "tio Jack" e sua família, mas logo o pai de Nick ficou preocupado que sua presença pudesse prejudicar sua imagem.

"Para aqueles que o conheciam no México, ele era praticamente um aristocrata, uma espécie de cavalheiro britânico. Mas o tio Jack era como um daqueles malandros simpáticos donos de uma banca no mercado."

"Acho que meu pai teve um mau pressentimento, então decidiu que tínhamos que deixar o México."

E assim, do nada, eles foram para o Canadá.

"Foi muito abrupto. Meu pai me disse: 'Escolha seus brinquedos favoritos. Só podemos levar o que cabe no carro. Vamos embora agora'."

"Foi desolador, mas ele me vendeu como mais uma grande aventura. Íamos ficar com alguém que tinha ido visitar meu pai no México, e tinha três filhas, e eu gostava muito dele, meu tio Chad."

A família ficou em Montreal, depois foi para Vancouver, passou um tempo no sul da França e finalmente voltou para a Inglaterra — inicialmente, eles ficaram em Londres, e na sequência foram para Torquay, cidade que costumava ser chamada de Riviera Inglesa.

"Estávamos à beira-mar, e isso me lembrava um pouco do México, por isso gostei."

O que ele não gostou foi da escola, porque "era dirigida por freiras, e a violência física parecia estar na ordem do dia". Quando ele contou aos pais, eles disseram que não ficariam lá por muito tempo.

Fazia sentido. Afinal, seus pais eram espiões. Por que outro motivo eles mudariam seus nomes e passaportes? E sua mãe, de aparência?

"Meu pai estava praticamente escondido à vista de todos, pouco antes do meu mundo desmoronar por completo."

A verdade bate à porta

Policiais do lado de fora da casa de Nick em Torquay

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Policiais do lado de fora da casa de Nick em Torquay, logo depois do ocorrido.

No dia 9 de novembro de 1968, por volta das 7h30 da manhã, a campainha tocou.

"Inocentemente, abri, e imediatamente uma enxurrada de policiais entrou, eles subiram correndo para o quarto da minha mãe e do meu pai."

"Ouvi um barulho lá fora, fui para o meu quarto olhar pela janela, e vi muita gente com câmeras."

"Eu não estava assustado nem nada, porque pensei que meu pai estava sendo resgatado."

"Só soube que não era bem isso quando meu pai veio até o meu quarto e me disse que havia se comportado mal, que sentia muito e que precisaria se ausentar por um tempo."

"Eu perguntei a ele: 'Até quando? E ele disse:' Ainda não sei'."

"Mesmo assim, não achei que fosse grave até ver minha mãe absolutamente arrasada, e pensei: 'Isso não faz sentido!'"

"Eu não conseguia entender: se os policiais eram os mocinhos, e vieram buscar meu pai, isso significava que ele não era um mocinho? Isso me confundiu, porque eu só conseguia imaginá-lo como um herói."

O pai de Nick, o espião super-herói da infância dele, estava na lista dos homens mais procurados do mundo da Interpol.

Era Bruce Reynolds, o cérebro por trás de um dos maiores e mais ousados ​​roubos da sua época — o famoso assalto ao trem pagador.

Em 8 de agosto de 1963, Bruce e um grupo de cúmplices armados (incluindo "tio Jack"), atacaram um trem dos correios que ia de Glasgow, na Escócia, a Londres, na Inglaterra, e roubaram £ 2,5 milhões, o que equivaleria a mais de US$ 50 milhões (R$ 250 milhões) hoje.

Foi um assalto lendário e também violento. O maquinista, Jack Mills, foi brutalmente espancado por um dos homens, e morreu dois anos depois.

Portanto, a riqueza da infância de Nick, daqueles dias despreocupados sob o Sol, não eram provenientes da venda de tabaco.

Fim da festa

Os autores do assalto ao trem pagador com cópias do livro que escreveram em 1979. Da esquerda para a direita: Buster Edwards, Tom Wisbey, Jim White, Bruce Reynolds, Roger Cordrey, Charlie Wilson e Jim Hussey

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Alguns dos autores do assalto ao trem pagador com cópias do livro que escreveram em 1979. Da esquerda para a direita: Buster Edwards, Tom Wisbey, Jim White, Bruce Reynolds, Roger Cordrey, Charlie Wilson e Jim Hussey

O pai de Nick era um criminoso e, como ele descobriria mais tarde, o famoso assalto não era o único em que ele estava envolvido.

Antes do assalto ao trem pagador, houve outro também bastante notório em um aeroporto de Londres.

"(Eles) eram muito ousados. Faziam o tipo de roubo que, até então, só se via no cinema."

Nick conta que seu pai adorava planejar os assaltos.

"Ele via os roubos como um diretor de cinema, roteirista e ator. Era uma unidade de produção completa."

"E ele me disse que depois sentiu um grande anticlímax. Tinha acabado de realizar o maior roubo da história da Inglaterra até então e, em vez de se sentir eufórico, se sentiu mal porque pensou: 'E agora?'"

A resposta, no caso de Bruce Reynolds, foi a prisão. Ele foi condenado a 25 anos, dos quais cumpriria dez.

Mas o que aconteceu com Nick? Como ele reagiu depois de abrir a porta e ver seu mundo desabar?

"Me lembro vividamente daquele momento porque foi quando a festa acabou: aquelas férias de seis anos e a unidade familiar desapareceram para sempre."

"Minha mãe ficou completamente perdida sem meu pai. Pouco depois, desenvolveu vários problemas de saúde mental e, ao longo dos anos, foi internada mais de cinco vezes."

"Para ela, foi o fim do mundo."

Para Nick, nem tanto.

"As crianças são bastante adaptáveis."

"Eu tinha muita fé de que não seria assim para sempre, e que as coisas iriam melhorar."

Embora tenha havido algo que o impressionou muito.

"Quando fui visitá-lo pela primeira vez na prisão, meu pai estava em uma caixa de vidro – como Hannibal Lecter. Eu nem sequer podia tocá-lo. Isso foi mais assustador. Pensei: 'Meu Deus, quem é meu pai, para terem prendido ele assim!'"

Nova fase

Nick, no palco, em show do Alabama 3

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Nick, no palco, em show do Alabama 3

A vida de Nick mudou drasticamente, até porque seus pais decidiram mandá-lo para um colégio interno, um lugar em que ele desesperadamente não queria estar.

Mas havia uma constante: seu relacionamento com o pai.

"Eu tinha passado mais tempo com meu pai naquela época do que a maioria das outras crianças. Tínhamos um vínculo muito, muito próximo."

Da prisão, "ele me escrevia cartas muito longas. Era uma forma de me ensinar sobre tudo que interessava a ele, para que quando eu fosse à prisão tivéssemos muito o que conversar".

Nick também escrevia para ele, e ia visitá-lo a cada duas semanas

Claro, ele manteve em segredo quem era seu pai por muito tempo.

"Se me perguntavam, eu dizia que era policial."

Mas em algum momento de sua vida, ele percebeu que, sem querer, estava fazendo tudo o que seu pai queria, mas não podia fazer.

"Ele queria ser músico, mas não tinha aptidão musical (Nick ainda faz parte do Alabama 3). Ele queria estar na Marinha, mas sua visão não era boa (Nick ingressou na Marinha Real britânica quando terminou a escola)."

E não para por aí.

Seu pai adorava arte e costumava enviar um cartão postal com cada carta. Na frente, a imagem de alguma obra de arte; e no verso, descrições detalhadas sobre o artista e o estilo.

Aos poucos, Nick também ficou fascinado. Tanto que, hoje em dia, ele é o principal praticante no mundo de uma forma de arte quase esquecida: as máscaras mortuárias.

Nick Reynolds na inauguração da estátua do crucifixo de Pete Doherty, chamada For Pete's Sake, em 2005

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Além de músico, Nick Reynolds também é escultor

"Uma máscara mortuária é feita moldando as feições de uma pessoa morta. É quase como se o seu último suspiro tivesse sido congelado no tempo, é o último retrato."

Em 2023, o museu National Portrait Gallery, em Londres, abriu uma nova ala — e parte dela é dedicada às máscaras mortuárias. Entre elas, estão obras de Nick.

O papel do pai no assalto ao trem pagador influenciou dramaticamente sua vida.

Será que, às vezes, ele deseja que nada disso tivesse acontecido? E que pudesse ter levado uma vida normal?

"As coisas não podem ser revertidas. Você é o que é. Passei minha vida inteira tentando jogar com as cartas que recebi, e não faz sentido reclamar."

"Às vezes, acho um pouco irritante que aos 61 anos eu ainda seja 'filho de alguém'. É uma grande sombra, e um peso que há muitos anos tento tirar dos ombros. Mas não é fácil de tirar, e tenho convivido com isso."

"De qualquer forma, você tem que aproveitar ao máximo as coisas da vida e, se puder, ver o lado engraçado de tudo."