Vítimas de estupro podem ter direito de aborto negado em caso de 'dúvida', diz GDF

Vítimas de estupro podem ter direito de aborto negado em caso de 'dúvida', diz GDF

No mesmo dia em que o Distrito Federal passou a contar com nova lei que estabelece diretrizes para a criação de um programa de prevenção ao aborto, o GDF informou que mulheres grávidas, vítimas de estupro, podem ser submetidas a exame de DNA intrauterino caso haja dúvida sobre a paternidade, "se é decorrente de estupro ou se é do parceiro".
A declaração do governo sobre o procedimento adotado na rede pública de saúde foi prestada pela Secretaria da Casa Civil quando o G1 solicitou informações a respeito da rede de amparo à mulher vítima de violência sexual.
Informado pelo Ministério da Saúde que o SUS não realiza este tipo de exame de DNA, o G1 questionou a pasta, que voltou atrás e negou que procedimento seja feito na rede pública. Segundo a coordenadora do Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência, Fernanda Falcomer, nos casos de dúvida "da mulher ou da equipe" em relação à paternidade ou à veracidade do relato de violência, o aborto não é feito.
Segundo ela, este não é o cenário da maioria dos casos que chegam à rede pública. "Entre 80% e 90% das mulheres fazem o aborto. Todos os cuidados são tomados para que ela não sofra ainda mais." Nos casos de estupro cometido pelo parceiro, a coordenadora afirmou que a vítima precisa deixar isso claro à equipe médica.
Para a presidente e pesquisadora do Instituto de Bioética Anis, Vanessa Dios, quando há dúvida, o correto seria fazer o aborto. "A mulher assina um termo de compromisso em que se responsabiliza, inclusive criminalmente, pelo relato de estupro."
A advogada e professora de direito penal do UniCeub Carolina Costa Ferreira considera problemática a questão de gênero subentendida nas informações do governo. "Não faz nenhum sentido fazer a distinção de estupro e [relação sexual com] marido, porque parte do pressuposto de que o marido nunca poderá praticar estupro."
Além de sugerir a distinção, para a pesquisadora da Anis, a explicação do GDF faz referência ao tipo de tratamento que as mulheres que buscam o SUS para fazer um aborto legal recebem das equipes médicas. “A mulher tem que contar a mesma história para toda a equipe e se houver discordância, pode ser taxada de mentirosa.”
Ela afirmou que pode haver casos de mulheres casadas que sofreram violência sexual e desejam fazer o exame para atestar a paternidade, mas é “incomum” considerando o perfil das mulheres que buscam atendimento no serviço público de saúde.
“Quem procura o SUS para abortar é porque não pode pagar pelo procedimento. A mulher que pode pega um avião para um país vizinho ou paga pelo aborto em uma clínica clandestina. A mulher branca, rica, escolarizada não entra nas estatísticas.”
Segundo ela, o exame de DNA intrauterino é um procedimento caro e cujo resultado pode levar mais semanas para sair. “Se isso estiver sendo tratado como condição para fazer o aborto legal, é realmente assustador, porque é dizer pra essas mulheres: Você não vai fazer.”
Para a assessora parlamentar e socióloga do Centro de Estudos Feministas (Cfemea), Jolúzia Batista, o procedimento revela “que o serviço de saúde está tomado por concepções morais e religiosas."
Segundo ela, faz parte do protocolo realizar exames de sangue e ecografia para identificar a idade gestacional, que é comparada com o período da violência sexual relatado pela vítima. Se as datas não corresponderem, os médicos podem negar que tenha havido estupro.
A Portaria nº 415 do Ministério da Saúde, que institui a prática do aborto legal no SUS, prevê acolhimento, medicação de anticoncepcional, interrupção da gestação e guarda de material genético "quando couber".
A secretaria informou que o DF conta com o Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei desde 1996, que segue diretrizes do Ministério da Saúde. No Brasil, o aborto é permitido somente em casos de estupro, risco de morte da mãe e quando o feto é diagnosticado com anencefalia – inexistência de cérebro.
Segundo a pasta, gestantes nestas circunstâncias são encaminhadas ao Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), onde recebem atendimento de uma equipe multidisciplinar, formada por médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais.

Objeção de consciência


De acordo com o Código de Ética do Conselho Federal de Medicina, o médico tem autonomia para se recusar "a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje", mas com ressalvas. Na ausência de outro profissional, em casos de urgência ou quando a recusa possa gerar danos à saúde do paciente, o médico deve fazer o atendimento.
No site oficial do conselho, um texto publicado em novembro de 2016 fala em "ditadura da vontade do paciente" ao expor posicionamento sobre o direito de objeção de consciência. "A afirmação da autonomia privada do paciente, por vezes determinante, tem deixado de lado a expressão da vontade do médico, que tem se submetido, em algumas situações, à 'ditadura' da vontade do paciente."
Segundo a pesquisadora da Anis Vanessa Dios, amparados pelo direito de objeção de consciência, é comum que médicos façam uma série de exigências, que nem sempre têm amparo legal, para impedir que a mulher leve adiante a intenção de abortar.
Contrário a este entedimento, o projeto de lei nº 6.335 pretende ampliar o direito de objeção de consciência médica ao estabelecer punições civis e penais – além das administrativas previstas pelo Conselho de Medicina.
Proposto pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), o projeto tramita na Câmara dos Deputados desde 2009. O parecer foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em setembro de 2015 – próxima etapa é votação em plenário.

Nota Secretaria de Saúde


"Nos hospitais regionais do DF, uma equipe de referência presta atendimento em situações que envolvem a violência sexual. Este grupo faz o acolhimento especializado e providencia todos os cuidados médicos e encaminhamentos necessários (notificação, profilaxia contra DST/AIDS, Hepatite B e de gravidez). Além disso, é oferecido acompanhamento psicossocial, realizado por psicólogo e assistente social.
As vítimas podem ser acompanhadas por psicólogos dentro de algum Programas de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência (PAV) e são encaminhadas para a Rede de Proteção formada pela Secretaria de Saúde e outros órgãos do governo, Vara da Infância e Juventude, Tribunais, Conselhos Tutelares e Órgãos não governamentais.
A mulher grávida, em decorrência do estupro, deve procurar o Programa de Interrupção da Gestação Fruto de Violência no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) para realizar o procedimento.
Ela será atendida por uma equipe multidisciplinar composta por médico, enfermeiro, psicólogos e assistentes sociais. A mulher será acolhida, serão pedidos exames laboratoriais e a ecografia gestacional. Poderá ser solicitado, também, o exame de DNA intraútero nos casos em que houver dúvida sobre se a gravidez é decorrente de estupro ou se é do parceiro." 
Com informações do G1

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