Nesta publicação compartilho com vocês, queridos e diletos amigos, estes dois comentários, os quais, assim como tantos outros, me motivam a continuar fazendo uso do exercício da escrita, apesar da singeleza de minhas palavras. A estes e a todos os amigos e demais leitores toda minha Gratidão!!! Um beijo carinhoso. Fiquem na paz! Ísis ou Aparecida Ramos
Mensagem recebida via e-mail, do escritor/poeta:
Caríssima Isis,
Ontem cheguei a casa à noite. Fui recebido pelo seu livro, belo, falante, com muita prosa e versos. Comecei a lê-lo na hora zero de hoje. De tão prosador, sei que não vai me deixar dormir. ... Nossa!... Um belo prefácio do recantista Miguel Carqueija. É como um regente que nos anima com um toque inicial e continua com o "leitmotiv" que vai acompanhar e embelezar toda a obra. Uma feliz escolha. ... Entendi a razão de você haver colocado, logo na abertura do livro, o sofrimento de dona Joana. Uma vítima do machismo ainda reinante em nosso país. Entendi que você começa prestando uma homenagem às mulheres sacrificadas e humilhadas de seus rincões. Alguns desalmados tratam-nas ainda como se elas também não tivessem alma. Entendi o por que dona Joana se recusar a denunciar o seu agressor. Seria ouvida, vãmente, por outros machistas. Melhor que a denúncia seja feita através desse seu livro: um arquivo indelével da história de sua terra. As futuras gerações hão de pesquisar esses dados, pra melhor dizer, pré-históricos. Aí, tudo se encanta com a crônica que se segue: "Amor de amigo". A princípio, pensei tratar-se de outro machista, mas você, conhecendo-o, se portou mais forte e conseguiu até transformar essa amizade num "trampolim para um amor maior". Muito boas essas lições iniciais que dizem respeito ao inter-relacionamento homem/mulher. Continuarei lendo, quem sabe, até "o relógio bater cinco da manhã". Digo, finalmente, que um livro é um dos melhores instrumentos que Deus utiliza, não só para ensinar, mas para aproximar pessoas. Sei que você está conseguindo esse milagre. Que assim seja! Desejo muito êxito nesta sua empreitada. Forte abraço. Fernando Freire
11/07/2018 10:03 - Ansilgus Bom dia cara senhora poetisa e escritora Ísis...meu pai lhe manda um grande abraço de felicitações pela publicação de seu livro, que deve estar um encanto. Deseja, de antemão, dizer que quer dois exemplares, uma para ele outro para mim...nem é preciso dizer da felicidade dele ao saber dessa sua brilhante façanha, porquanto publicar um livro é tudo o que um poeta deseja e quer...por favor, queira mandar seus dados bancários completos, a fim de que possamos remeter o pagamento pertinente, que será um prazer para todos nós...um grande e frternal abraço da sandragus. Para o texto: CONVITE PARA O LANÇAMENTO DE "PALAVRAS DA ALMA..." (T6385857
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionComo os bebês assimilam o que se passa no mundo?
Estou segurando meu bebê, que não para quieto no colo, enquanto dois cientistas tentam gentilmente remover um capacete futurista da cabeça dele. O acessório, que parece uma touca de natação coberta por um emaranhado de cabos, é parte de uma das ferramentas mais avançadas em pesquisa sobre a infância - promete revelar mistérios da mente dos bebês e mudar nosso entendimento sobre a fase inicial do desenvolvimento humano.
Mas, neste momento, meu filho de 11 meses aparentemente não quer ser estudado.
"Me desculpa, bebê", diz Maheen Siddiqui, estudante de doutorado do Babylab, um dos principais centros mundiais de pesquisa da infância, na Universidade de Birkbeck, em Londres.
A pesquisadora está utilizando uma técnica pioneira, chamada espectroscopia funcional em infravermelho próximo (NIRS, na sigla em inglês), para investigar o que acontece dentro das células cerebrais dos bebês enquanto eles olham para rostos, desenhos ou objetos.
Ela observa, em especial, uma enzima da mitocôndria (as minúsculas "usinas" presentes em nossas células que geram a energia de que precisamos para viver).
O equipamento que ela usa emite radiação infravermelha no cérebro, luz com um comprimento de onda específico que passa pelos ossos e tecidos e é absorvida pelo sangue. O aparato foi desenvolvido especialmente para ser confortável para os bebês.
Infelizmente, o meu prefere brincar com a touca do que deixá-la na cabeça. Siddiqui retira a peça com cuidado. Enquanto isso, Laurel Fish, uma assistente de pesquisa, sopra bolhas de sabão no laboratório. Meu filho se anima. E eu começo a entender alguns desafios práticos de se estudar as primeiras semanas e meses de vida de uma criança.
Como os bebês assimilam o que se passa no mundo? Pais de primeira viagem, meu marido e eu nos fazíamos sempre essa pergunta. Desde que ele nasceu, parecia um pequeno alienígena: misterioso e fascinante.
Obviamente, nosso bebê não fazia ideia do que eram roupas. Então, será que ele achava que mudávamos de cor o tempo todo? E como não tinha senso de perspectiva, será que ele pensava que diminuíamos de tamanho ao atravessar de um extremo da sala para o outro?
Há um longo histórico de cientistas que se dedicaram a explorar o mundo secreto dos bebês. Charles Darwin, por exemplo, publicou um diário com observações detalhadas sobre seu filho ("Durante a primeira semana, bocejou e alongou com uma pessoa velha - em especial os membros superiores. Soluçou, espirrou, sugou...").
Sua prole contribuiu, assim, para o desenvolvimento de sua teoria sobre a evolução.
Mas o passado também está repleto de mal-entendidos extraordinários, talvez porque os bebês não consigam nos dizer o que pensam e sentem. Nos séculos 19 e 20, muitos cientistas ainda acreditavam que nenéns não sentiam dor.
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionDiversos cientistas se dedicaram a explorar o mundo secreto dos bebês
Pesquisadores dos tempos modernos, por outro lado, descrevem os bebês como atentos, sensíveis e inteligentes. Em nossos primeiros anos de vida, mais de um milhão de novas conexões neurais são formadas a cada segundo. E grande parte do funcionamento deste cérebro tão ocupado é desconhecido.
Nas duas últimas décadas, no entanto, os avanços tecnológicos ajudaram os cientistas a fazerem novas descobertas.
"Essa é a mistura perfeita entre filosofia e ciência. Você está, na verdade, se perguntando sobre questões como a origem do conhecimento, o início do pensamento e como a aprendizagem se desenvolve", diz Natasha Kirkham, especialista em desenvolvimento infantil e pesquisadora do Babylab.
No início dos anos 2000, grande parte da pesquisa da infância envolvia monitorar os movimentos dos bebês e analisar os resultados quadro a quadro em laboratório.
"Mas, agora, é incrível o que podemos fazer. A tecnologia neurocientífica avançou a passos largos", comemora Kirkham.
"Há tantas coisas que você pode fazer com um bebê. E tanto a aprender sobre o que estão pensando sem que eles tenham que te dizer."
Exceto, é claro, quando eles não querem cooperar.
Direito de imagemTHE BRIGHT PROJECTImage captionCapacete de aparência futurista permite aos cientistas darem uma 'espiada' nos cérebros dos bebês
Após rejeitar o capacete futurista, meu filho agora está vendo uma mulher recitar versos infantis na televisão à sua frente - e nitidamente mais satisfeito com essa parte do experimento. Apesar da calma exterior, seu cérebro está agora tremendamente ocupado, especialmente a área localizada logo atrás da orelha. Essa região, conhecida como sulco temporal superior (STS), faz parte do nosso "cérebro social". É onde processamos os encontros com outras pessoas.
Nos adultos, o "cérebro social" já foi bastante pesquisado. Mas em bebês, costumava ser completamente inacessível, uma vez que eles simplesmente não ficam parados tempo suficiente enquanto estão acordados para serem examinados por aparelhos convencionais, como de ressonância magnética.
É aqui que entra a espectroscopia em infravermelho. Siddiqui utiliza um novo protótipo que consegue medir a atividade a nível celular, dentro da mitocôndria. Existem algumas evidências de que as diferenças na função mitocondrial podem estar ligadas ao autismo. Até agora, as pesquisas são baseadas na análise pós-morte de tecido cerebral.
Ela espera conseguir finalmente testar a hipótese em bebês vivos.
Era da informação
O projeto de Siddiqui é uma das peças de um amplo quebra-cabeça científico que vem sendo cuidadosamente montado no Babylab. Pesquisadores estão reunindo ainda informações de exames de ressonância magnética de bebês dormindo, de rastreamento ocular, de eletroencefalogramas que medem a atividade elétrica no cérebro e até mesmo de monitoramento cardíaco.
Um objetivo comum é entender como acontece o desenvolvimento infantil padrão e, em seguida, investigar por que e como alguns bebês se desenvolvem de maneira diferente. Isso envolve estudar não só suas mentes, mas o ambiente a seu redor.
Kirkham, por exemplo, está interessada em saber como os bebês conseguem distinguir as informações importantes das insignificantes, especialmente em ambientes desorganizados.
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionPrevisibilidade e coerência, especialmente no que se refere ao comportamento das pessoas ao redor da criança, são fundamentais para o desenvolvimento infantil
Os bebês aprendem observando o mundo, tentando identificar padrões e prever o que vem adiante. Mas isso pode ser difícil se o ambiente em que estão inseridos for caótico ou se as pessoas a sua volta se comportarem de maneira imprevisível.
"Uma das piores coisas que acontece na vida de um bebê e que pode causar infinitos danos é não poder prever as reações de outras pessoas", afirma Kirkham.
"Esse tipo de ciclo de negligência-abuso, em que não se sabe o que vai acontecer quando alguém chega em casa (ou o que vão fazer), causa um dano enorme, porque não ser capaz de prever é assustador".
Há muitos fatores individuais envolvidos na pesquisa para que os cientistas do Babylab possam dar conselhos específicos sobre como criar filhos, mas as pesquisas que eles estão conduzindo permitem que os pais tomem algumas decisões mais conscientes.
E não apenas porque enfatizam a importância do cuidado e carinho constantes. Por exemplo, um estudo sobre o efeito das telas touchscreen (sensíveis ao toque) em bebês e crianças pequenas revelou que seu uso está associado a menos sono, mas também ao desenvolvimento precoce de coordenação motora fina.
Direito de imagemTHE BRIGHT PROJECTImage captionUm dos objetivos do Babylab é entender por que alguns bebês se desenvolvem de maneira diferente
Uma ferramenta que se mostrou particularmente completa para esse tipo de descoberta é a espectroscopia em infravermelho próximo. Irradiar essa luz através do crânio permite aos pesquisadores medir os níveis de oxigênio no sangue que circula no cérebro. Isso, por sua vez, fornece uma imagem da atividade cerebral, já que o sangue rico em oxigênio flui para as áreas ativas.
Quando Sarah Lloyd-Fox, pesquisadora do Babylab, começou há mais de 10 anos a trabalhar com a tecnologia, ela já era usada para estudar cérebros adultos.
Para aplicar em bebês, ela aperfeiçoou o método em parceria com pesquisadores da University College London (UCL). Atualmente, Lloyd-Fox desenvolve o "capacete" padrão - uma larga faixa preta com cabos acoplados - para outros laboratórios, além de conduzir sua própria pesquisa.
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionNos primeiros anos de vida, mais de um milhão de novas conexões neurais são formadas a cada segundo
"Acho que sou uma das pioneiras", diz ela, enquanto nos sentamos na sala de espera do laboratório, um espaço que lembra uma creche: alegre e repleto de brinquedos.
Meu filho parece ter esquecido de vez o chapéu engraçado. Ele tenta subir no colo de Lloyd-Fox. Ela aponta para a área atrás da orelha dele, que provavelmente neste momento está sendo inundada de sangue rico em oxigênio - seu "cérebro social" está trabalhando intensamente.
As pesquisas dela geraram uma série de avanços. Um dos estudos mostrou, por exemplo, que recém-nascidos com até um dia de vida ativam seu "cérebro social" em resposta a imagens de uma mulher brincando de esconde-esconde.
Outro levantamento indicou que os cérebros de bebês de quatro a seis meses com alto risco de autismo respondem com menos intensidade aos estímulos sociais se comparados a um grupo de baixo risco. Ninguém tinha sido capaz de demonstrar isso em crianças tão pequenas antes.
De uma maneira geral, a tecnologia aumenta a probabilidade da descoberta precoce de toda uma série de diferenças neurológicas, ajudando as crianças a obterem o apoio adequado muito antes do aparecimento de qualquer sintoma externo.
"Do ponto de vista comportamental, você não vai ser capaz de identificar se o bebê tem autismo ou uma lesão cerebral quando é prematuro, possivelmente até ele completar dois ou três anos de vida", diz Lloyd-Fox.
"Mas você pode identificar se há uma resposta cerebral antes de o bebê ser capaz de reagir de maneira comportamental", completa.
Inspiração
Como o equipamento de NIRS é portátil e mais barato do que um aparelho de ressonância magnética, ele também pode revolucionar as pesquisas infantis em países mais pobres.
Em 2012, uma clínica na Gâmbia entrou em contato com o Babylab - eles estavam interessados em usar a tecnologia para estudar bebês da região. Lloyd-Fox transportou então todo seu aparato por meio de estradas esburacadas até uma base rural do país africano, onde foi capaz de replicar suas descobertas.
Direito de imagemTHE BRIGHT PROJECTImage captionPesquisadores do Babylab usam a espectroscopia em infravermelho para estudar os efeitos da desnutrição no cérebro dos bebês na Gâmbia
O procedimento não foi inédito apenas na Gâmbia, mas em toda a África: nunca tinha sido registrada uma imagem do cérebro infantil daquela maneira no continente. A colaboração agora se transformou em um estudo mais amplo sobre o desenvolvimento infantil na Gâmbia e no Reino Unido.
Um dos enfoques da pesquisa é o impacto da desnutrição, uma vez que 25% das crianças do país africano estão gravemente subnutridas.
"Uma das principais perguntas é: como a desnutrição afeta o cérebro?", diz a pesquisadora.
"Mesmo em pesquisas com adultos, eles não fizeram isso, então estamos de certa forma voando às cegas nesse campo. Na verdade, não sabemos exatamente que áreas do cérebro são afetadas em qualquer pessoa, não apenas em bebês."
Enquanto isso, em Londres, o Babylab está sendo ampliado. Nos próximos anos, vai inaugurar um laboratório para crianças pequenas com uma caverna de realidade virtual, que promete uma perspectiva completamente nova em relação a esse estágio crucial do desenvolvimento humano.
No fim da minha visita, meu filho adormece. Hoje foi mais um dia emocionante para ele, cheio de novidades.
Eu reflito sobre o que a experiência me ensinou como mãe. Foi reconfortante ouvir que os bebês realmente nos observam e respondem muito antes de conseguirem se expressar. Também foi gratificante saber que muito do que os pais fazem instintivamente - como o afago e os ruídos engraçados - tem sólido respaldo científico e proporciona o melhor ambiente para o cérebro deles se desenvolver.
E será que os recém-nascidos acham que realmente mudamos de cor e tamanho o tempo todo? Segundo Kirkham, especialista em desenvolvimento infantil, essa é uma pergunta brilhante. E ela responde que sim, é possível que meu filho tenha pensado que mudamos de cor. Mas, muito provavelmente, ele simplesmente ignorou as roupas e se concentrou no que realmente importava para ele: os rostos.
Cidade no Mato Grosso do Sul vira nova porta de entrada para haitianos
Image captionMuitos haitianos deixaram o Chile depois que o país endureceu a legislação relacionada a imigrantes | Foto: Defensoria Pública da União
O ônibus estaciona na rodoviária de Corumbá (MS) e traz, entre seus passageiros, uma nova leva de haitianos vindos do Chile. Em busca de abrigo, eles descem. Sem autorização para permanecer e com pouco ou nenhum dinheiro, saem em busca de ajuda na cidade sul-mato-grossense, que faz fronteira com a Bolívia. A cena, que se repete diariamente, tornou-se ainda mais frequente nos últimos meses.
No começo de julho, a cidade sul-mato-grossense, de 110 mil habitantes, tinha cerca de 400 haitianos recém-chegados ao Brasil. Na época, mais de 100 imigrantes tiveram de dormir na rodoviária. Os outros foram levados para abrigos improvisados na cidade, como em casas cedidas por moradores.
Muitos haitianos têm deixado o Chile desde que o país endureceu a legislação de imigração, em abril. O presidente chileno, Sebastián Piñera, após assumir o poder em março, argumentou que a medida seria necessária porque a região recebeu, na última década, uma grande população de estrangeiros.
Para aqueles que vêm do Chile, o Brasil representa uma segunda oportunidade de reconstruir a vida, depois de deixar o país de origem. O fluxo de haitianos para outros países teve início após o terremoto de 2010, catástrofe que agravou os problemas sociais do país mais pobre das Américas. No Brasil, conforme dados divulgados pela Polícia Federal neste ano, há 94,4 mil haitianos.
Em busca de refúgio ao deixar o Chile, os haitianos pegam um ônibus em Santiago - capital chilena - para Corumbá, uma viagem de três a quatro dias. O ônibus sobre para Iquique, na costa norte do Chile, onde entra à direita, atravessa os Andes e a Bolívia, passando por Cochabamba, Santa Cruz de la Sierra e Puerto Quijarro, cidade que faz fronteira com o Brasil. Por fim, chegam à região sul-mato-grossense.
Os imigrantes são trazidos com ajuda de coiotes, contratados ainda no Chile, que cobram para auxiliá-los a chegar ao país. No trajeto, principalmente durante a passagem pela Bolívia, muitos haitianos são roubados ou alvos de extorsão e têm os pertences levados.
Conforme a Defensoria Pública da União (DPU), 90% dos haitianos que chegaram a Corumbá nos últimos meses são homens - característica do grosso da imigração haitiana ao Brasil desde 2010. Em menor quantidade, há também mulheres, algumas gestantes, e seus filhos.
A reportagem obteve documentos nos quais a Polícia Federal afirma que entraram por Corumbá, entre janeiro a 22 de julho deste ano, 1,8 mil haitianos vindos do Chile. Entidades que prestam apoio aos imigrantes na região, porém, afirmam que o número pode ser maior, pois muitos não procuraram a PF, por medo de serem impedidos de permanecer no país.
Os imigrantes em Corumbá
A falta de recursos e dificuldades relacionadas a documentação fazem com que muitos imigrantes permaneçam temporariamente em Corumbá, ao desembarcarem na cidade. Em 13 de julho, segundo o Comitê Municipal de Atenção aos Imigrantes, havia 393 haitianos na cidade. Muitos, sem alternativa ou auxílio do poder público, pediram auxílio a moradores e autoridades da região. O caso mobilizou os habitantes da cidade, cujo único albergue destinado a pessoas em situação de rua possui apenas 22 vagas.
De acordo com autoridades de Corumbá ouvidas pela BBC News Brasil, a onda de migração haitiana tornou-se menos intensa neste mês. Os imigrantes que chegaram ao município em julho foram para outras regiões do Brasil, após passarem por procedimentos na Polícia Federal, que aumentou os atendimentos na cidade para que pudesse receber todas as pessoas que vieram do Chile.
O defensor público federal João Chaves frisa que a redução no número de haitianos em Corumbá não pode ser vista como algo permanente. Ele alerta que existe a possibilidade de a região receber ainda mais imigrantes nas próximas semanas.
Image caption'Mesmo com a redução atual no número de imigrantes, esse aumento ainda pode acontecer novamente, a depender da situação no Chile', diz Chaves | Foto: Defensoria Pública da União
Chaves pontua que, caso as autoridades não estejam atentas ao município fronteiriço, a região pode enfrentar situação semelhante a Pacaraima, em Roraima, que recebe venezuelanos desde 2016. Na cidade roraimense, a maciça presença dos imigrantes vizinhos sobrecarregou os serviços públicos da região e gerou conflitos.
"Existe essa possibilidade em Corumbá [de viver algo semelhante a Pacaraima], em uma proporção menor, caso não sejam tomadas medidas para ordenar o fluxo. Mesmo com a redução atual no número de imigrantes, esse aumento ainda pode acontecer novamente, a depender da situação no Chile. É necessário que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça mantenham a atenção a esse caso e reconheçam a gravidade dele", alerta Chaves.
Em documento de 23 de julho, encaminhado à Defensoria Pública da União (DPU), a Polícia Federal também reconhece a possibilidade de que a presença de haitianos em Corumbá aumente nos próximos meses. "Releva notar que existe a possibilidade de um grande número de migrantes haitianos saírem do Chile e virem para o território nacional e haver uma nova demanda significativa no futuro", relata a PF, em ofício ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
Os empecilhos no Brasil
A estimativa atual é de que cheguem a Corumbá, diariamente, de 10 a 15 haitianos, conforme a Pastoral da Mobilidade Humana em Corumbá. A cidade é considerada transitória para os imigrantes que vêm do Chile. Eles chegam ao município com o objetivo de, em até três dias, ir para outras regiões do país, como São Paulo, Santa Catarina ou Paraná. Em seus destinos finais, os haitianos costumam ter amigos ou parentes que vieram anteriormente e conseguiram emprego.
Na última segunda-feira (20), havia 30 haitianos na cidade sul-mato-grossense. Destes, metade estava com as passagens compradas para outras regiões do Brasil e aguardava atendimento na Polícia Federal. Os outros haviam sido roubados na Bolívia e esperavam que parentes, que estão no Brasil, mandassem dinheiro para que pudessem seguir viagem pelo país.
Coordenador da Pastoral da Mobilidade Humana em Corumbá, o padre Marco Antônio Ribeiro comenta que a situação alarmante no mês passado somente foi amenizada em razão do auxílio dos moradores de Corumbá.
"Quando tinha 400 haitianos aqui, os moradores emprestaram casas, garagem e outros locais para que a gente pudesse abrigar grande parte deles. Não era o abrigo ideal, mas conseguimos dar, ao menos, um teto para eles", relata.
Os comerciantes também auxiliaram os haitianos. As diárias nos hotéis da cidade foram barateadas para os imigrantes. Aquelas que custavam R$ 60 por dia, reduziram o valor para R$ 25. Os que não tinham dinheiro para arcar com estada esperavam por um abrigo da pastoral da região ou iam para a rodoviária.
Image captionSegundo a DPU, 90% dos haitianos que chegaram a Corumbá nos últimos meses são homens | Foto: Defensoria Pública da União
Em meio a inúmeras dificuldades enfrentadas pelos haitianos, evangélicos, espíritas e católicos da região se uniram e criaram, em julho, o Comitê Humanitário Pantanal Solidário. O grupo passou a receber doações de roupas, alimentos e itens de higiene pessoal, para auxiliar os imigrantes. "Nós nos reunimos, fazemos refeições para esses haitianos e tentamos ajudá-los da melhor forma. Garantimos a ele, ao menos, uma refeição por dia", diz o padre Marco Antônio, líder do grupo.
Mesmo com o apoio dos moradores da região, a ausência de políticas públicas diante do aumento de imigrantes foi notada por aqueles que chegaram a Corumbá. Na cidade sul-mato-grossense, o Ministério Público Federal (MPF) da região recebeu denúncias de que os haitianos tiveram dificuldades para ter acesso a atendimentos médicos básicos.
Dificuldades na cidade fronteiriça
A procuradora da República Maria Olívia Pessoni, assinalou em ofício a entidades como a Polícia Federal e o Departamento de Migração do Ministério da Justiça, que, apesar da recente queda na chegada de imigrantes a Corumbá, "certo é que a mudança na política migratória do Chile aponta para a continuidade da vinda de haitianos para o Brasil, o que demanda adoção de medidas não só para fazer frente à entrada diária de haitianos no país, mas também para eventual aumento expressivo e inesperado de fluxo".
O Ministério Público Federal pediu que sejam adotadas medidas nas áreas de saúde e sanitária na região.
Em 1º de agosto, o MPF de Mato Grosso do Sul encaminhou as recomendações ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e solicitou informações sobre as medidas que serão adotadas.
O padre Marco Antônio revela que a intensa presença de haitianos em Corumbá por pouco não se tornou um caso de calamidade pública. "Não havia estrutura nem ajuda nenhuma por parte do poder público. Os moradores não estavam esperando tanta gente assim, de maneira irregular. Mas, por fim, conseguimos nos organizar, por meio de doações e ajuda das pessoas daqui."
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Corumbá, que limitou-se a informar que a situação dos haitianos no município está resolvida.
Leis migratórias no Chile e no Brasil
A migração dos haitianos para o Chile ocorreu no mesmo período em que parte deles veio ao Brasil, entre 2010 e 2015. Conforme o censo chileno de 2017, há 62,7 mil imigrantes do Haiti no país. Em abril, o governo chileno emitiu duas medidas administrativas sobre o tema, que entraram em vigor no mesmo mês.
Conforme as novas normas, os haitianos precisam de visto de turista para entrar no Chile, para permanecer por 30 dias. O país, porém, não permite que o documento seja convertido posteriormente em temporário, como era comumente feito pelos imigrantes para assegurar a permanência na região.
A outra medida determina que o visto humanitário somente seja concedido àqueles que morem no Haiti e façam a solicitação em Porto Princípe, capital do país. O documento tem o prazo de 12 meses e o período pode ser prorrogado uma vez. O Chile determinou que seja estabelecida a cota anual de 10 mil vistos humanitários.
Em nota encaminhada à BBC News Brasil, a Embaixada do Chile informa que as medidas têm o objetivo de regular o fluxo de estrangeiros no país. "A proposta de uma nova política migratória chilena baseia-se no fato de que o nosso país poderá contar com uma migração mais segura, ordenada e regular, com igualdade de direitos e obrigações, que permita a plena integração e o respeito aos Direitos Fundamentais", afirma a entidade chilena.
Por não se enquadrar nos requisitos determinados pelas novas medidas administrativas, pois muitos estão em situação ilegal no país, diversos haitianos passaram a temer que fossem expulsos do Chile. Desta forma, começaram a migrar para o Brasil, onde têm parentes ou conhecidos.
No entanto, os haitianos que chegam a Corumbá costumam desconhecer um fato recente: o Brasil também endureceu as regras para a chegada de haitianos.
Em 6 de abril, o Governo Federal publicou uma portaria - por meio dos Ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, da Segurança Pública e do Trabalho -, na qual determinou que vistos temporários para acolhida humanitária somente devem ser concedidos para aqueles que moram no Haiti. Os documentos devem ser emitidos pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe e permitem que o imigrante permaneça no país por até dois anos, período que pode ser prorrogado.
Direito de imagemAFPImage captionDefensor destaca que é preciso ordenamento do fluxo migratório em Corumbá, o que, em Roraima (foto), mostrou deficiências
Para aqueles que viviam no Brasil antes da nova medida, o governo concedeu o direito de viver no país por dois anos, período também prorrogável.
A portaria gerou polêmica e foi alvo de críticas, pois parte dos imigrantes que vêm ao país não chegam diretamente do Haiti. Além disso, a nova medida vai contra uma resolução que era adotada pelo Governo Federal desde janeiro de 2012, que permitia a concessão de visto humanitário para os haitianos, independente de onde viessem.
Para o defensor público federal João Chaves, a nova portaria do Governo Federal é um retrocesso no apoio que o Brasil prestou aos haitianos ao longo dos últimos anos. Ele defende que o texto passe por alterações. "Os imigrantes que vêm do Chile, por exemplo, não estão protegidos por essa portaria. É importante que haja uma revisão nessa norma, para permitir que aqueles que estavam em outros países da América Latina também sejam protegidos com a acolhida humanitária", diz.
O Ministério da Justiça informou à BBC News Brasil, por meio de comunicado, que as pastas responsáveis pela portaria estão analisando uma maneira de incluir, na resolução, os haitianos que vêm ao Brasil após tentarem a vida em países vizinhos.
Imbróglio na PF
Para que pudesse atender à grande quantidade de haitianos que estavam em Corumbá, a delegacia da Polícia Federal do município chegou a criar uma força tarefa. A entidade costumava atender 10 imigrantes por dia, mas passou a fazer mais de 100 atendimentos diariamente no começo de julho.
O atendimento na Polícia Federal era visto pelos haitianos como um dos primeiros passos para que conseguissem se estabelecer legalmente no Brasil. No entanto, a DPU relata que houve irregularidades nos procedimentos feitos pela PF do município.
A Defensoria Pública Federal afirma que muitos imigrantes recém-chegados do Chile alegaram diversas dificuldades que se caracterizavam como situações de grave violação aos direitos humanos. Por isso, a entidade - criada por lei justamente para ajudar pessoas ou grupos em situações de vulnerabilidade - relata ter orientado os haitianos a solicitar pedido de refúgio à PF.
Na solicitação de refúgio, o imigrante tem o direito de permanecer no Brasil enquanto espera uma resposta final sobre sua solicitação, que é avaliada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). O prazo para que haja um parecer sobre o pedido costuma ser de um a dois anos. O estrangeiro pode ficar no país até que o procedimento seja finalizado.
No entanto, conforme a DPU, a Polícia Federal apenas emitiu notificações para os haitianos, nas quais eles têm o prazo de até 60 dias para se regularizar no Brasil ou sair do país.
A reportagem obteve dados referentes aos quase 1,8 mil haitianos que chegaram a Corumbá, no período de janeiro a 22 de julho deste ano, e recorreram à Polícia Federal. Foram abertas 12 solicitações de refúgio. No mesmo período, houve 766 notificações para deixar o país. Além disso, outros 242 haitianos foram impedidos de permanecer no Brasil pela instituição - os motivos dos impedimentos não foram detalhados nos documentos aos quais a BBC News Brasil teve acesso, e não ficou claro se eles realmente deixaram o Brasil ou permaneceram, em situação ilegal.
Ainda segundo o levantamento da PF, 747 haitianos permaneceram no Brasil sob a classificação de entrada excepcional, quando é concedido o prazo de 30 dias para que aqueles que não possuam visto consigam regularizar a situação no Brasil.
Diversos imigrantes informaram à DPU que a Polícia Federal de Corumbá relatou que não receberia as solicitações de refúgio, pois as mesmas não poderiam ser aplicadas àqueles que vinham do Chile. Os imigrantes relataram ainda que a PF da região fez agendamentos somente para notificá-los de que deveriam deixar o país, pois a maioria deles não possui visto de visita ou direito a acolhida humanitária, por conta da nova portaria do Governo Federal.
Em razão das diversas notificações aplicadas aos imigrantes, a DPU encaminhou ofício para a Polícia Federal apontando que os haitianos que vinham do Chile estavam em situação emergencial e necessitavam de auxílio do Brasil. A entidade ainda relatou que a PF de Corumbá estaria se recusando a fazer pedidos de refúgios aos imigrantes.
Em resposta, a Polícia Federal afirmou que não houve qualquer negativa em fazer os pedidos de refúgios. Segundo a entidade, todas as solicitações dos haitianos foram protocoladas.
"Os pedidos de refúgio devem, sim, ser aceitos e processados toda vez que reivindicados por um migrante, mas encará-lo como prática institucionalizada e solução para a problemática imigratória dos haitianos é um equívoco", afirmou o Superintendente da Regional da PF de Mato Grosso do Sul, Luciano Flores, em comunicado enviado à DPU em 23 de julho.
Image captionEm menor medida em comparação aos homens, algumas mulheres imigrantes também chegam a Corumbá
De acordo com o documento da PF, o Conare tem se mostrado contrário, de modo geral, aos pedidos de refúgio aos haitianos. Em razão disso, o delegado Luciano Flores afirmou que tais solicitações acabam gerando acúmulo de processos.
"Essa demora cria transtornos para os solicitantes de refúgio que realmente dependem do reconhecimento desse status, ao mesmo tempo que serve a cidadãos interessados em se furtar da aplicação da lei em outros países (pois podem se identificar com nome falso) ou praticar crimes no território nacional, já que o protocolo de solicitante lhe permite circular no país livremente até que seu pedido seja definitivamente negado", afirmou o documento encaminhado pela PF de Mato Grosso do Sul para a DPU.
O Ministério Público Federal também criticou as notificações aplicadas aos haitianos pela Polícia Federal. Por meio de recomendação encaminhada à PF, assinada pela procuradora Maria Olívia Pessoni, a entidade afirmou que o fato coloca os imigrantes em situação de vulnerabilidade e "traz dificuldades futuras para a regularização migratória."
O MPF de Corumbá instaurou, em 13 de julho, um inquérito civil para apurar a situação dos atendimentos gerais e assistências oferecidas aos haitianos em Corumbá. Entre os itens que devem ser investigado estão as notificações da PF.
Apoio em Corumbá
Depois das notificações da Polícia Federal, os haitianos seguem viagem pelo Brasil. Segundo o padre Marco Antônio Ribeiro, os imigrantes mantêm a esperança de permanecer legalmente no Brasil. "Eles deixam Corumbá e vão em busca de empregos em outros Estados, para que possam recomeçar a vida mais uma vez."
Na última segunda-feira, enquanto conversava com a reportagem por telefone, o padre Marco Antônio Ribeiro recebia seis haitianos que haviam chegado a Corumbá. Era uma noite fria na cidade sul-mato-grossense. Os termômetros marcavam 13°C. O sacerdote estava no carro, em busca de abrigo para um dos imigrantes. "Hoje não tem vaga para todos no albergue, por causa do clima. Então, estou buscando por abrigo para o único que ficou sem lugar."
Os cuidados com os haitianos fazem parte da rotina do padre, que diariamente auxilia os grupos que chegam. Ribeiro comenta que os imigrantes nunca se envolveram em conflitos com moradores da cidade. "Eles são bastante tranquilos", diz.
Para ele, o poder público precisa voltar a atenção para as questões relacionadas aos imigrantes em Corumbá. "A situação ficou tranquila em agosto, mas pode piorar com o passar do tempo. É preciso que as autoridades estejam atentas, porque a cidade não possui estrutura para receber tantos imigrantes e não é possível prever se esse grande fluxo de haitianos voltará", declara.