"Meu pai sacudiu o galho. Toti caiu e eu o cobri com meu cachecol", lembrou Bilal.
Qual era o tamanho de Toti?
"Era um bebê, desse tamanho", disse Bilal, unindo seus pequenos dedos.
Bilal e Toti passaram a ser inseparáveis: juntos em casa, juntos nos campos, juntos quando Bilal estava brincando com outras crianças.
"Eu tinha 10 amigos, Noor Agha, Khan, Mano", disse Bilal. "A gente construía casas."
Os únicos momentos em que Bilal tira Toti do ombro é para alimentá-lo com grãos e amendoim, ou para colocar a gaiola do pássaro sob sua cama à noite.
Então veio a mudança. Para alguns refugiados, mesmo 30 anos em um lugar não é o bastante para permanecer enraizado em um novo lar.
Por quase duas semanas após se estabelecer em Nangarhar, o pai de Bilal, Jamshed, ainda tentava encontrar trabalho. Mas a cada dia voltava sem nada, exceto mais dívidas.
Certo dia, Jamshed não aguentou mais.
"Tantas dívidas, elas precisam ser pagas. E quando vejo você preocupado dessa forma, não gosto", Shah lembrou de Jamshed ter-lhe dito. "Pai, o senhor me dá permissão?"
Assim, Jamshed se juntou ao Exército e foi enviado para o inquieto sul. Uma guerra que toma cerca de 50 vidas de todos os lados por dia exige sangue novo.
Para Bilal, a vida nova não é fácil. Sua avó morreu de diabete ali. Ele não tinha muitos amigos com os quais brincar. Suas três irmãs são novas, sendo que uma delas, Lalmina, é deficiente devido ao que a família acha que pode ser pólio.
"Tenho medo aqui. Meus amigos não estão aqui, eles ficaram lá", disse Bilal. "Fiquei doente, meus olhos doíam e tive febre. O médico me deu comprimidos."
Mas Bilal tinha Toti. Todo dia, o pássaro ficava em seu ombro enquanto escalavam a montanha atrás da casa nova, e permaneciam ali por horas.
"Toti, Toti", Bilal chamava a ave.
"Toti!" a ave respondia.
Certa noite há dois meses, Bilal colocou Toti na gaiola e, assim como em todas as noites, a deslizou para baixo da cama. Quando acordou, Toti estava imóvel na base da gaiola.
"Eu enviei uma foto para o meu pai pela internet. Eu disse: 'Toti morreu'", disse Bilal. "Ele disse: 'Quando eu voltar para casa, comprarei outro'."
É difícil saber o que aconteceu com Toti. O avô de Bilal disse que foi a mudança de clima no Afeganistão, o mesmo motivo dado para as mortes dos dois pombos e 40 galinhas.
"As gaiolas estão vazias", disse Shah.
Jim Huylebroek/The New York Times
Bilal Shah ao lado de gaiola vazia na nova casa da família, no Afeganistão
A morte de Toti devastou Bilal. Ele perdeu o amigo que ajudava a tornar seus dias suportáveis. Mas, com o tempo, um consolo o aguardava nas proximidades.
A cerca de 20 minutos de caminhada da casa de Bilal, Asadullah Safi estava dando aulas em sua casa.
Um grupo de ajuda estava financiando a escola improvisada. Bilal começou a frequentar no fim daquele programa, acompanhando Yasir, um parente do qual gostava. Ele não tinha nenhum documento oficial, de modo que não podia se registrar como aluno.
Diferentemente das demais 30 crianças, ele não tinha livros, nem mochila. Mas quando uma das crianças abandonou a escola, a família devolveu a mochila e os livros, e Safi os deu para Bilal. Registrado com o nome de outra pessoa, ele começou a estudar.
O programa foi concluído, mas as crianças ainda vêm por duas horas por dia, com a casa virando uma espécie de creche. Uma vez por mês, as crianças recebem biscoitos e suco. Elas repetem depois de Safi enquanto ele lê em voz alta o que está no quadro-negro.
E então Safi as leva para o quintal. Com uma vaca aqui, uma cabra acolá, pintinhos correndo sob seus pés, os meninos correm atrás de uma bola, jogando futebol.
Bilal não está mais sozinho. (Há até mesmo duas outras crianças chamadas Bilal na turma.) Ele corre e brinca.
Em uma rachadura na parede externa de sua casa, Bilal mantém um punhado de penas de Toti, em um memorial ao pequeno amigo.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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