Nesses dias quase "intermináveis" por não poder estar aqui, por motivo superior, vim, além de pedir-lhes desculpas pela ausência injustificável, desejar-lhes Paz... Harmonia... Fé... Esperança... Persistência... Amor... Ousadia... e muitos e muitos Sonhos no Novo Ano de 2018!!!
Que a coragem de lutar seja maior que a vontade de desistir.
Que os momentos felizes superem as decepções dissipando as nuvens sombrias.
Que a paciência e o respeito sejam vividos, para que a intolerância e o Preconceito sejam varridos de nosso meio.
Que o sentimento de família e os laços que nos unem estejam cada vez mais estreitos, duradores e eternos enquanto durar a vida.
E, que o Amor verdadeiro nos alimente, nos preencha, nos possua e nos conduza ao estado de quase "perfeição", apesar desse Mundo...
Façamos e... Façamos cada vez melhor a parte que nos cabe.
Eu não conheço Vocês..., mas independente do que você faz, independente de quem és e de onde vives; independente de sua crença, ou de ideologias ou das ausências dessas, saibam que sempre serão muito Bem vindos a este espaço!! Saibam que eu os amo incondicionalmente, que tenho um carinho e afeto imenso por cada irmão, amigo, leitor, visitante ilustre que prestigia este trabalho voluntário, feito apenas por amor e com amor!!
Sou imensamente grata de coração!!!!
Deus nos abençoe!
Feliz Ano Novo!!!
Um super beijo e forte abraço pra Você!
PS.: A partir do próximo dia 03, retomarei minhas publicações.
Papa: Deus com a sua ternura se aproxima de nós e nos salva
Papa franciso celebrando na capela da Casa Santa Marta - OSS_ROM
14/12/2017 12:18
PARTILHA:
Cidade do Vaticano (RV) - O Papa Francisco
celebrou a Eucaristia na Capela da Casa Santa Marta, nesta quinta-feira
(14/12), e a sua homilia teve como ponto central a ternura de Deus.
O tema é sugerido pela Primeira Leitura extraída do Livro do Profeta
Isaías e do Salmo 144 que diz: “A sua ternura abraça toda criatura”.
A imagem apresentada por Isaías é a de um Deus que nos fala como um
pai fala ao seu filho, abaixando a voz para torná-la mais parecida à voz
da criança. Primeiramente, o tranquiliza, fazendo um carinho: “Não
temais. Eu vos ajudarei”.
“Parece que o nosso Deus quer cantar para nós uma canção de ninar. O
nosso Deus é capaz disso. A sua ternura é assim: é pai e mãe. Muitas
vezes diz: “Se uma mãe se esquecer do filho, eu não o esquecerei. Ele
nos leva em suas vísceras. É o Deus que com esse diálogo se faz pequeno
para nos entender, para fazer com que tenhamos confiança Nele e possamos
dizer-lhe com a coragem de Paulo que muda a palavra e diz: Papai, Abba.
Papai é a ternura de Deus.” O grande que se faz pequeno e o pequeno que é grande
“É verdade que às vezes Deus nos dá umas pancadas”, disse o Papa.
“Ele é grande, mas com a sua ternura se aproxima de nós e nos salva.
Este é um mistério e uma das coisas mais bonitas”:
“É o Deus grande que se faz pequeno e em sua pequenez não deixa de
ser grande. E nessa dialética grande é pequeno, existe a ternura de
Deus. O grande que se faz pequeno e o pequeno que é grande. O Natal nos
ajuda a entender isso: na manjedoura, o Deus pequeno. Lembro-me de uma
frase de Santo Tomás, na primeira parte da Suma Teológica. Querendo
explicar: “O que é o divino? O que é a coisa mais divina?, diz: “Non
coerceri a maximo contineri tamen a minimo divinum est”, ou seja, não se
espante com as coisas grandes, mas considere as coisas pequenas. Isso é
divino, as duas coisas juntas.” Mas, onde pode ser encontrada a ternura de Deus?
Deus não só nos ajuda, mas nos faz também promessas de alegria, de
uma grande colheita, para nos facilitar a ir adiante. O Deus que, repete
o Papa, não só é pai mas é papai:
“Sou capaz de falar com o Senhor assim ou tenho medo? Cada um
responda. Mas, alguém pode dizer, pode perguntar: “Qual é o local
teológico da ternura de Deus? Onde pode ser encontrada a ternura de
Deus? Qual é o lugar onde a ternura de Deus se manifesta melhor? Na
chaga. As minhas chagas, as chagas de Jesus, quando se encontram as
minhas e as suas chagas. Em suas chagas fomos curados”.
O Papa recordou a Parábola do Bom Samaritano: ali alguém se inclinou
para ajudar homem que caiu nas mãos dos assaltantes e o socorreu
limpando as suas feridas e pagou para que fosse medicado. Eis “o lugar
teológico da ternura de Deus: as nossas chagas”. Francisco concluiu
exortando a pensar durante o dia no convite do Senhor. Mostra-me as suas
chagas. Quero curá-las”.
missa santa marta
radiovaticana
A família que não sente dor - e como ela pode ajudar a ciência
Letizia Marsili e cinco parentes raramente sentem dor | Foto: arquivo pessoal
Letizia Marsili, de 52 anos, ainda era criança quando percebeu algo diferente nela mesma.
Ela
tinha uma grande resistência à dor, o que significava que não sentia
queimaduras e sequer percebia caso quebrasse um osso. Essa
insensibilidade afeta também outras cinco pessoas de sua família.
"No
dia a dia, vivemos uma vida bem normal, talvez melhor que o restante da
população, porque muito raramente ficamos doentes ou sentimos dor",
conta ela à BBC.
"Na verdade, nós sentimos dor - a percepção de dor -, mas ela dura apenas alguns segundos."
Acredita-se que a causa disso seja um mau funcionamento de alguns nervos do corpo, que despertou o interesse de cientistas.
Em
estudo recém-publicado no periódico Brain, um grupo de pesquisadores
identificou uma mutação genética na família Marsili e espera que a
descoberta abra caminho para a descoberta de novos analgésicos que
ajudem pessoas com dores crônicas.
"Abrimos uma nova rota para o desenvolvimento de drogas para o
alívio da dor", afirma Anna Maria Aloisi, professora da Universidade de
Siena, na Itália, e participante do estudo.
O lado ruim de não sentir dor
Além
de Letizia, a mãe dela, seus dois filhos, sua irmã e uma sobrinha são
afetados pelo problema - que é, por conta disso, chamado de "síndrome
Marsili de dor".
Letizia lembra que a dor é um importante sinal de
alerta. Como ela e seus parentes só a sentem fugazmente, muitos
machucados e fraturas muitas vezes passam despercebidos, causando
inflamações nos ossos.
Eles também sofrem queimaduras e outras lesões sem perceber.
Isso tem sido um problema especialmente para Ludovico, 24, o filho mais velho de Letizia, quando ele joga futebol.
"Ele
raramente fica no chão quando é derrubado. Mas ele tem uma fragilidade
nos tornozelos, e exames de raio-x que ele fez recentemente mostram que
ele tem várias microfraturas em ambos os tornozelos", conta Letizia.
Seu
filho mais novo, Bernardo, de 21 anos, teve uma calcificação no
cotovelo sem sequer ter percebido que havia quebrado o osso ao cair de
bicicleta. Ele simplesmente continuou a pedalar.
Direito de imagemGetty ImagesImage caption
Fraturas e lesões costumam passar despercebidas porque a família não sente a dor resultante delas
A própria Letizia fraturou o ombro direito durante
um passeio de esqui, mas continuou a esquiar normalmente naquele dia. Só
foi ao hospital no dia seguinte, porque sentiu um formigamento nos
dedos.
Depois, quebrou o cotovelo jogando tênis - a ausência de dor levou ao estresse do osso, que acabou sofrendo a fratura.
Aos
78 anos, a mãe de Letizia, Maria Domenica, tem uma série de ossos
fraturados que nunca foram devidamente tratados - além de uma série de
queimaduras que ela só percebeu depois.
E a sobrinha uma vez ficou com a mão em um recipiente congelado por 20 minutos, sem sentir nada.
Mutação genética
A
síndrome Marsili faz com que seus portadores sejam muito pouco
sensíveis ao calor extremo, aos componentes ardidos das pimentas e à
ruptura das fraturas ósseas.
O pesquisador James Cox, da
Universidade College London, liderou o estudo sobre a família. E
descobriu que os nervos dos Marsili "simplesmente não funcionam como
deveriam".
"Estamos tentando entender melhor os exatos motivos
pelos quais (a família) não sente muita dor, para ver se isso nos ajuda a
descobrir novos tratamentos analgésicos", diz ele.
Os pesquisadores mapearam as proteínas no genoma de cada um dos seis membros da família e descobriram uma mutação no gene ZFHX2.
Depois,
conduziram dois estudos em roedores criados sem esse gene. Descobriram,
assim, que o limiar de dor dos roedores havia sido alterado.
O
passo seguinte foi desenvolver uma nova ninhada de roeadores com a
mutação genética. E o resultado é que essa ninhada era insensível a
altas temperaturas.
"Com mais pesquisas para entender exatamente
como a mutação impacta a senbilidade à dor e para entender que outros
genes podem estar envolvidos, podemos identificar novos alvos para o
desenvolvimento de medicamentos", afirmou a professora Aloisi.
Acredita-se que a família Marsili seja a única no mundo afetada por essa mutação genética.
As mulheres nas sanguinárias gangues da América Central
Image caption
Mulheres são poucas em gangues, mas realizam tarefas
vitais. Mesmo assim, são consideradas de segunda categoria | Foto:
Leire Ventas
"Minha mãe não
fazia nada além de fumar crack. E meu padrasto me violentava desde os 6
anos. Mas um dia eu me enchi e o matei. Foi a primeira vez que eu matei
alguém. Usei uma faca e foi muito difícil.
Eu tinha 12 anos, era muito pequena, e ele era um homem grande que resistiu até o último momento.
Mas eu consegui. E ele teve o que merecia.
Naquela época, eu não sabia nada sobre esconder corpos ou
destruir provas, então me prenderam. Me trancaram em uma prisão para
menores infratores.
Minha infância foi realmente uma m*rda." Em
uma hora de entrevista, Teresa* só demonstrou emoção em duas ocasiões:
quando se lembrou da infância e quando contou sobre os filhos. No
resto do tempo, era como se ela não estivesse relatando cenas de
espancamentos, torturas, assassinatos, mas, sim, uma espécie de rotina
diária. Ela tem 27 anos e um metro e meio de altura. Chega
com o rosto lavado e os cabelos presos em um rabo de cavalo. O figurino -
calça jeans, casaco esportivo e sapatilha nova - esconde as diversas
tatuagens que tem no corpo. Quem vê Teresa custa a
acreditar que ela cumpre pena de 198 anos de prisão por uma série de
assassinatos e outros crimes, como extorsão. Ela é uma das poucas mulheres membros da gangue Barrio 18. Barrio
18 e Mara Salvatrucha 13 são duas facções rivais que atuam no Triângulo
do Norte da América Central, formado por El Salvador, Guatemala e
Honduras, colaborando para a escalada da violência na região. Ser mulher e pertencer por vontade própria a um desses grupos é raro. Talvez
seja por isso que pouco tenha se falado sobre elas até hoje, em
comparação aos diversos artigos jornalísticos e acadêmicos publicados
sobre os integrantes homens. A maioria das mulheres não
ocupa um papel central na estrutura das facções e se limita a realizar
tarefas periféricas, embora vitais.
Apesar disso, os membros do sexo masculino as consideram figuras de segunda categoria. Assim,
o sistema patriarcal que prevalece nas comunidades vizinhas é
reproduzido dentro das gangues - e as mulheres também se tornam alvo de
violência extrema. A BBC Mundo viajou para a América
Central em busca de relatos para tentar entender o papel duplo - de
algozes e de vítimas - desempenhado por essas mulheres. Teresa
foi entrevistada no Centro de Orientação Feminina (COF), uma prisão
para mulheres, no município de Fraijanes, a 21 quilômetros da Cidade da
Guatemala. Image caption
Mulheres e crianças são reféns da violência na
região de Rivera Hernández, em San Pedro Sula, Honduras | Foto: Leire
Ventas
'Somos o cérebro da gangue'
"Minha
família verdadeira é o Barrio 18. O sangue faz de você um parente, mas é
o respeito da gangue que faz de você parte de uma família.
Eles me aceitaram porque eu conhecia as pessoas, porque minha mãe também era membro da gangue. Foi antes de prenderem ela.
A primeira coisa que eu fiz foi vender droga nas escolas. Colocava meu uniforme e ninguém suspeitava.
Depois, eu comecei a recrutar membros para a gangue, especialmente crianças de rua.
Eu
chegava e dava comida para eles. No outro dia, levava sapatos, o que
eles precisassem. Assim, você ganha a confiança deles e pode pedir
qualquer coisa. Que matem pela gangue, por exemplo." Além disso, Teresa conta que também costumava "acompanhar" as vítimas até o local onde seriam assassinadas.
"É o que as mulheres costumam fazer, porque somos mais discretas, passamos despercebidas. Quem vai pensar que vamos matá-lo?
Pensam que somos mais frágeis. Que não suportamos. Mas não. E não somos submissas.
Somos
o cérebro da gangue. Criamos o plano e eles executam. Apesar de que,
quando eu conto essa teoria aos meus colegas, eles riem de mim.
É por isso que eu quero ser um dos líderes. Até hoje, apenas homens são líderes de células - e eu sou tão boa quanto eles.
Embora sejamos muito poucas, (as mulheres dentro da gangue) nos tratam bem, como irmãs.
Aquelas
que executam determinados trabalhos, como extorsão, sem ser membros da
gangue, estão em situação pior. Por causa de um simples erro, eles podem
matá-las. E se elas forem presas, como não têm mais serventia, eles as
esquecem ou se livram delas.
Mas é verdade que ser mulher dentro de uma gangue é mais difícil às vezes.
Quando
pulam em cima de você, você tem que suportar, por exemplo, que os
homens, que são mais fortes, te cubram de socos e pontapés." Image caption
Deixar-se espancar é um dos rituais de entrada para
mulheres no Barrio 18; a outra opção é ser estuprada por diversos homens
| Foto: Leire Ventas
Deixar-se espancar é um dos rituais de entrada
nas gangues da região. Consiste em aguentar apanhar de vários membros do
grupo durante um determinado tempo - 18 segundos (Barrio 18) e 13
segundos (Mara Salvatrucha 13). Mas há também outro ritual
de iniciação para as mulheres, mencionado no relatório Violentas e
violentadas: relações de gênero na Mara Salvatrucha e Barrio 18 no
Triângulo do Norte da América Central, publicado em 2013 pelo escritório
regional para a América Latina da organização Interpeace. Conhecido
como "trenzinho", o ritual prevê manter relações sexuais com vários
membros do grupo por um período similar de tempo. Mas, segundo o
relatório, "praticamente todas (as mulheres) optam por serem espancadas,
ao invés de estupradas". Teresa afirma que descartou a segunda opção.
"As punições dentro da organização também são difíceis para as mulheres.
Além
disso, se você encontra alguém da gangue rival, você deve estar
disposta a matá-lo. Não é porque você é mulher que você vai se livrar
disso.
Por esse mesmo motivo, matamos igual (aos homens).
E torna-se um vício, uma droga. É como se você usasse crack: sempre quer voltar a fumar, e em cada vez mais quantidade.
Quando eu estava em outra prisão, por exemplo, me mandaram matar uma detenta da gangue rival.
Eu
mal a conhecia, você pode pensar. Mas os sentimentos negativos da
infância são como uma espécie de motor para ajudar a odiar quem não fez
nada para você.
Agora eu olho para trás e talvez a única coisa de que me arrependa seja de ter levado meus filhos em uma missão." Teresa tem dois filhos, uma menina de 10 anos e um menino de 8 anos. O pai das crianças também é membro da gangue e está preso. Eles
vivem com a avó dela. E, embora nunca tenham visitado a mãe, Teresa diz
que estão sempre em contato. Da prisão, ela cuida para que seja
providenciado tudo que os filhos precisam - de pijamas a sapatos.
"Me lembro de uma vez em que a missão era enganar um taxista que não pagou a extorsão e conduzi-lo à morte.
Eu levei a minha filha e sentei no banco de trás. Como ele poderia imaginar que eu o levaria para o matadouro?
Ele foi morto a tiros.
Os tiros... Minha filha ficou tão acostumada com aquele som...
Mas essa fase acabou.
Aqui
(na prisão), a única coisa que eu faço é levantar por volta das 6h da
manhã, tomar banho e ir para o pátio fumar maconha até as 10h.
Depois,
tomo café da manhã, escovo os dentes e falo ao telefone. Dizem que você
não pode ter um telefone celular aqui, mas (as pessoas) têm. " Ela
levanta a calça e me mostra as tatuagens na perna esquerda. Entre
outros símbolos emblemáticos do Barrio 18, há a tatuagem de uma caveira
com uma foice e um manto preto. Ele explica que a única
coisa em que a gangue acredita, além de em si mesma, é na Santa Muerte,
figura popular de origem mexicana que personifica a morte. Venerada por
alguns, é classificada como diabólica por outros.
"Se já pensei em deixar a gangue? Não. Porque seria uma ilusão.
É como um fio que te dão e vão afrouxando, ele se alonga, se alonga. Mas a qualquer momento podem cortá-lo.
Porque pela gangue você precisa estar disposto a tudo: a matar e a morrer." Image caption
Gangues disputam poder em região entre El Salvador, Guatemala e Honduras | Foto: Leire Ventas
'Quando você é mulher de um membro da gangue, ele te compartilha com todos'
Nas
gangues da América Central, há poucas mulheres como Teresa, que
pertencem à facção por vontade própria e tatuam no corpo os respectivos
"números" (1 e 8, no caso do Bairro 18) e "letras" ( M e S, quando se
trata do Mara Salvatrucha 13) das gangues. A maior parte das mulheres não passaram por um ritual de iniciação. São
esposas de membros das gangues, que cuidam deles, criam seus filhos e
mantêm o senso de comunidade enquantoeles vivem foragidos. São aquelas
que os homens usam para "caçar" o inimigo, que os visitam na prisão e
que levam ordens de uma penitenciária para outra. São seus olhos e
ouvidos. São responsáveis ainda por cobrar extorsões e por reconhecer
corpos de membros da facção no Instituto Médico Legal. Jessica tem 26 anos, cabelos loiros e compridos, presos em um rabo de cavalo que ela balança enquanto fala. De
top e calça de ginástica, ela recebe a equipe da BBC no pátio do Centro
de Detenção Feminino de Santa Teresa, localizado em um complexo
penitenciário da Cidade da Guatemala. No último dia 17 de novembro, Jessica cumpriu oito dos 18 anos de prisão a que foi condenada por extorsão. Ela
faz parte de um grupo de cerca de 80 mulheres ligadas ao Barrio 18 que
estão presas na penitenciária e são mantidas isoladas "para sua própria
segurança" e das demais detentas, conforme explica a subdiretora do
presídio, Diana Marisol Simón. Jessica se apresenta de
forma doce e sorridente, mas a personalidade combativa logo aparece,
quando a conversa se volta para as relações de poder entre as detentas
que carregam o fardo do Barrio 18. E, sobretudo, quando falamos sobre
seu passado como esposa de um membro da gangue. Image caption
Esposas de membros do Barrio 18 são mantidas
isoladas na prisão por questão de segurança | Foto: Leire Ventas
"Eu já sabia que meu parceiro era membro da gangue. Sabia desde o início, mas gostava da adrenalina.
O
que eu não tinha ideia era dos assassinatos. Só fiquei sabendo quando
fui morar com ele. Eu tinha 16 anos, e ele 14. Ele começou nisso bem
jovem.
Quando você é mulher de um membro de gangue, ele te compartilha com todos.
Mas
isso incomodava meu marido. Então, quando diziam: 'olha como ela é
linda', ele falava para se ferrarem, que eu era sua esposa. E não me
deixava sair da casa.
Nós corremos duas vezes mais risco. Podemos
ser mortas pela gangue rival para ferir nosso parceiro, porque tem que
bater onde dói mais.
Mas também podemos ser mortas por nossa própria gangue, se acham que você os está espionando, que os entregou ou os traiu.
Ou podem dizer ao seu marido: 'Olha, ela sabe demais'. E pedir a ele para te matar. Aí você pode acabar com a garganta cortada." Por
causa de uma menina que terminou assim, o pastor evangélico Daniel
Pacheco começou a conversar com as diversas gangues que controlama
região de Rivera Hernández. Rivera Hernandez foi durante
anos a região mais perigosa de San Pedro Sula, capital industrial de
Honduras, que até recentemente liderava as estatísticas dos municípios
mais sanguinários do planeta. "Quando Jessica tinha apenas
13 anos, foi torturada e estuprada por dias.Eles a enterraram em uma das
bases da gangue, onde realizam as reuniões. Mas antes, enquanto a
torturavam, chamaram a mãe dela, que teve que ouvir os gritos da filha.
Foi exagerado. Algo tinha que ser feito", diz Pacheco. Hoje, ele ganhou o respeito das gangues e um certo status nos bairros da região, tentando reduzir o nível de brutalidade. Mas Jessica é cética.
"Com a gente, a violência é diária.
Porque
eles também podem te matar se sabem que você está saindo com alguém que
não é seu parceiro na gangue. Embora eles possam ter duas, três,
quatro, até cinco mulheres.
E há outros tipos de castigo.
Podem
achar que por cometer um erro, a mulher não merece a morte. Então ela é
violentada, por 10, por 20. Fazem o que quiser com ela.
Minha
sorte é que não tive filhos com meu marido. Agora ele tem outra mulher.
Mas se tivéssemos um filho, ele diria para eu entregá-lo e eu jamais
poderia ir embora." Segundo o relatório da Interpeace, as mulheres são constantemente controladas pelos homens, dentro e fora da gangues. "Os homens não confiam plenamente nelas", afirma Ana Glenda Tager, diretora do escritório regional da organização. "Eles
as consideram fracas, de 'língua frouxa', e as deixam em segundo plano.
Por isso, têm pouca chance de conseguir respeito e poder dentro das
gangues. Nesses grupos, é reproduzido o sistema patriarcal de fora e
isso também fica evidente na apropriação dos corpos dessas mulheres.
Eles acham que o corpo delas é propriedade da gangue." "É uma forma de controle brutal", conclui a especialista. Jessica sabe bem disso.
"Se
eu gostaria de ser um membro da gangue, ao invés de esposa de um dos
integrantes? Não. Você precisa matar para isso. E eu sou da opinião de
que não se pode tirar a vida de ninguém.
Embora eu tenha consciência de que algumas extorsões de que participei tenham terminado em assassinato.
Quando eu sair daqui, vou me afastar de tudo isso. Eu vou para o mais longe possível. Para os Estados Unidos talvez." E ela começa a imaginar o futuro, como se ainda não tivesse mais 10 anos atrás das grades. Image caption
Abigail está na dúvida se deve voltar ao Barrio 18
depois de cumprir a pena | Foto: Leire Ventas / Arte: Kako Abraham
'Não vou viver muitos anos'
Já
Abigail* está longe de chegar às conclusões de Jessica. No momento,
está dividida entre "reintegrar-se" ou não ao Barrio 18, gangue que
controla o bairro onde mora, na região de Rivera Hernández. Grávida de três meses, ela recebeu uma advertência da facção: se não cuidar do bebê, a matarão.
"Eu me juntei a eles em 26 de dezembro de 2016.
Comecei
a fumar maconha com um cara da gangue (Bairro 18) na esquina. Logo
perguntaram se eu queria me juntar a eles. E como minha avó tinha me
expulsado de casa, aceitei. Eu só falei com um homem para entrar. Foi
assim, nada mais." Abigail termina cada frase com hesitação.
Mantém a cabeça inclinada, a boca ligeiramente aberta e uma postura
desafiadora - mãos no bolso da calça e pernas separadas. Não reconhece a imagem que estampa sua camiseta - 'Che Guevara? Não faço ideia'. Ao ouvir seu relato, não parece que ela tem apenas 14 anos e só estudou até o quarto ano do ensino fundamental. Ela
não conhece o pai e não vê a mãe desde a infância, embora suspeite que
ela more no Norte, com outras filhas. Mas nunca pensou em procurá-la. Abigail
ficou com a avó, que ela diz ser alcoólatra. Ela conta que as duas
brigavam com frequência e que a avó a expulsou diversas vezes de casa. Nestas
ocasiões, ela afirma que conseguiu sobreviver porque um "velho" lhe
pagava para lavar roupa. Mas quem a conhece diz que Abigail se
prostituía por cerca de US$ 4, o que ela nega. Histórias
como a dela não são raras na região. Em um lugar onde a ausência do
Estado impera, os moradores ficam à mercê de todos os tipos de
violência. E no caso de meninas, adolescentes e mulheres adultas,
predominam casos de abuso sexual. Neste contexto, a gangue surge como uma opção de peso para os mais jovens. Foi
assim com o tio de Abigail, que, segundo ela, se juntou ao Barrio 18
quando tinha nove anos. Agora, aos 15 anos, ele espera uma sentença do
tribunal.
Image caption
"Aqui você se acostuma com a violência", diz menina
de 14 anos membro de gangue, diz Abigail | Foto: Leire Ventas
"Ele é acusado de extorsão. Não sei quantos anos vai pegar, mas o pior é que ele andava armado.
Eu
não fazia isso. Apenas vigiava para ver se aparecia a polícia ou algum
membro do MS-13, a gangue rival, e distribuía comida para as unidades
(de vigilância). São cerca de 10 que se revezam.
Uma vez também me mandaram para Tegucigalpa, por conta de drogas. Não gostei." Foi a única ocasião em que Abigail saiu de Rivera Hernández.
"Na
gangue, tudo é compartilhado. Se tiver um prato de comida, mas 10
pessoas, as 10 comem. Se alguém morre, dão dinheiro para o caixão, para o
sepultamento... para tirar o peso dos familiares. Também mandam comida
para os detentos, providenciam artigos de uso pessoal, como tênis.
Cuidam de você.
Olha, não pedi permissão para deixar a gangue.
Mas recebi uma mensagem dizendo que eu estava desativada.
Se foi por causa do bebê? Não sei. Alguns acreditam nisso, mas outros dizem que é por causa do meu jeito." Sobre sua maneira de ser, ela não se estende muito. E tampouco faz referência à barriga que começa a despontar. Menciona apenas que ainda não foi ao médico e que engravidou de um membro da gangue, que não quer o bebê. — E você, quer? — Não. Ela esboça um sorriso difícil de saber se é inconsciente ou cínico. — Melhor entregá-lo (para adoção). Dito
isso, ela me mostra a trouxinha de maconha que tem no bolso, um sinal
de que a gravidez não impede seus vícios e de que ela não tem intenção
de se cuidar. Custou 20 pesos (cerca de US$ 0,85), ela diz. E conta que
também não parou de ir ao Bigote, cantina em que os moradores do bairro
se reúnem para beber aos sábados. Ela segue em contato com a gangue.
Image caption
Abigail está grávida de três meses de um dos membros do Barrio 18, que não quer o bebê | Foto: Leire Ventas
"Agora eles disseram que posso ser reativada. Mas não sei.
Estou
prestes a dizer não, porque como civil - como se chama quem não
pertence a uma gangue - você pode se mudar. Do contrário, você só pode
andar nesta colônia.
Além disso, é muito arriscado pertencer ao Barrio. É mais fácil te..." Abigail
completa a frase passando o polegar lentamente pelo pescoço, da
esquerda para a direita, simbolizando com o gesto uma garganta cortada. É
mais fácil te matarem, ela quer dizer.
"Aqui você se acostuma com a violência. Já vi um com a cabeça cortada, com o cérebro na mão.
Por isso, o que importa se eu me juntar a eles novamente ou não?
Provavelmente eu também não vou viver muito. Poucos aqui conseguem." * Estes são nomes fictícios, usados para proteger a identidade das mulheres que contaram suas histórias.
'É um erro trazer novos seres humanos ao mundo': a polêmica filosofia antirreprodução de David Benatar
Image caption
Para Benatar, a vida está cheia de sofrimento
David Benatar diz
que poderia ser considerado "o filósofo mais pessimista do mundo" por
sua convicção de que a vida é terrível e não vale a pena ser vivida.
Em seu livro Better Never to Have Been (Melhor nunca ter existido,
em tradução livre), o diretor do departamento de Filosofia da
Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, assegura que nascer é
uma profunda desgraça.
Por isso, para Benatar, que tem 51 anos, a
humanidade deveria parar de procriar até que todos os seres humanos
sejam extintos da Terra.
A BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, conversou com o
filósofo para entender em que se baseia a teoria de um dos maiores
expoentes da corrente conhecida como "antinatalismo" - e para tentar
saber como ele aplica os conceitos na própria vida.
BBC - Você pode por favor explicar o que a corrente conhecida como 'antinatalismo' defende? David Benatar - O antinatalismo defende que não deveriam nascer novas pessoas no mundo. BBC - Por que não? David Benatar -
Há várias razões, para mim. Uma delas é que nós não deveríamos dar vida
para pessoas que no futuro vão enfrentar sofrimento. Há muitos
argumentos a respeito, mas um deles é que há muita dor e sofrimento na
existência humana. Por isso que é um horror trazer novos seres humanos
ao mundo. BBC - Mas também há coisas boas na vida… David Benatar - Sim,
também há coisas boas. Mas a questão é se essas coisas boas valem a
pena ante a dor das coisas ruins. Me parece que com frequência as
pessoas esquecem o quão ruins são as coisas ruins da vida.
Há
numerosas evidências psicológicas de que a gente superestima a qualidade
de vida, pensa que é melhor do que na verdade é. Outro erro frequente é
pensar no futuro e não se dar conta da quantidade de sofrimento que
muito provavelmente as pessoas terão no fim de suas vidas.
Pense
em como as pessoas morrem, pense no câncer, nas enfermidades
infecciosas, nas doenças. Há muito sofrimento ao final da vida, muito. E
muitas pessoas se esquecem disso. BBC - Mas se você estiver certo e efetivamente a vida for tão terrível, as pessoas deveriam sempre recorrer ao suicídio, não? David Benatar - Sim,
mas o suicídio, em primeiro lugar, tem um custo que você evitaria se
não chegasse a nascer. Se uma pessoa não nascesse, se nunca existisse,
evitaria passar por coisas ruins da vida.
O suicídio pode ser o
menor dos males, mas segue sendo um mal. Mas mesmo que algo esteja mal, a
pessoa segue querendo não morrer, a maioria continua com sua
existência. Outro custo do suicídio é que ele gera dor e sofrimento nas
pessoas que gostam de você.
Direito de imagemReutersImage caption
Filósofo David Benatar acredita que os seres humans
experimentam um sofrimento inevitável e brutal ao longo da vida
BBC - Mas a reprodução é algo natural para o ser humano. O antinatalismo não é portanto antinatural? David Benatar - Nem
tudo que é natural é bom. Ficar doente, por exemplo, é algo
completamente natural. Mas, mesmo sendo natural, as pessoas são
aconselhadas a se tratar com remédios ou realizar cirurgias.
A
agressão também é uma forma de expressão natural entre os seres humanos e
outros animais, mas não parece uma coisa boa ceder a ela ou a outros
tipos de impulsos naturais.
O que é natural e o que é moral ou eticamente desejável e recomendável são coisas diferentes. BBC - Então, para você, o aborto é algo ética ou moralmente defensável? David Benatar - Sim,
naturalmente. O antinatalismo defende que é um horror trazer novas
pessoas ao mundo, e o aborto é um dos meios para evitar isso. BBC
- Nós, seres humanos, não somos os únicos a sofrer, muitos animais
levam vidas muito difíceis. O que fazemos com eles? Nós devemos
exterminá-los para salvá-los da dor da experiência? David Benatar - Há
uma enorme diferença entre exterminar e se extinguir por morte natural.
Exterminar seria matar, e não sou a favor de matar seres humanos nem
animais. Talvez existam algumas raras exceções e cenários que poderíamos
considerar.
Mas, no geral, não apoio que se mate pessoas ou
animais. Mas sou a favor da extinção, e um dos modos de fazer isso seria
não dar vida a novos seres.
No caso dos animais, há muitos que
vivem em liberdade, que não são criados por seres humanos. Mas há muitos
que são, como aqueles criados em granjas - que mantemos para matarmos
depois e comer. A respeito deles, nós estamos provocando um sofrimento
indizível, acho que não deveríamos criá-los. Nós podemos nos alimentar
perfeitamente sem eles. BBC - No lugar de extinguir a raça
humana e de deixar de trazer novos filhos ao mundo, não poderíamos
melhorar o mundo para que a vida seja menos dura? David Benatar - Bom, eu creio que sempre estamos melhorando o mundo e que nós, que existimos, deveríamos sempre fazer de tudo para melhorá-lo.
Mas
é excessivamente otimista pensar que vamos melhorar o mundo até o ponto
de eliminar o sofrimento e que nossos filhos estarão livres de sentir a
dor implícita à vida. Seria algo tão distante no futuro que implicaria
muitas gerações, gerações que iriam sofrer a dor de terem sido trazidas a
este mundo.
E sacrificar gerações em nome do futuro me parece algo indecente.
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A maioria das pessoas recorda mais de coisas boas
dos que ruins, por isso a qualidade de vida é superestimada, segundo
filósofo
BBC - Sendo a vida tão terrível, por que você acredita que as pessoas decidem ter filhos? David Benatar - Não
sei. Muitas pessoas não sabem o que significa ter filhos, simplesmente
os têm. A metade das crianças do mundo não são desejadas.
Há sim
pessoas que pensam no assunto. Mas na maioria dos casos, os motivos que
elas dão para ter filhos são baseados em seu próprio interesse: porque
querem que seus genes passem para alguém, porque querem experimentar ter
e criar um filho. Há quem inclusive fale em altruísmo: querem filhos
pensando na comunidade, em satisfazerem o desejo dos pais de terem
netos.
Mas, na maioria dos casos, creio que as pessoas simplesmente não se perguntam o que verdadeiramente significa ter um filho.
E
não se perguntam porque é algo tão comum, tão natural, que acham normal
a necessidade de gerar filhos. Poucas pessoas se questionam sobre as
questões éticas de se trazer um ser humano ao mundo. BBC -
Mas se pegarmos por exemplo o caso de uma criança que acaba de nascer e
que vá ter uma vida boa, plena e feliz. Não seria imoral privá-la dessa
boa vida? David Benatar - Bom, essa
criança poderá ser feliz em alguns momentos específicos, isso não se
discute. Mas quando de traz uma criança ao mundo não, ela não é gerada
apenas para esses momentos felizes. Essa criança também vai envelhecer,
ficará doente, vai morrer no futuro. Temos que pensar em sua vida por
completo, e não apenas nos momentos agradáveis que viverá.
Pense:
os bebês são infelizes muitas vezes, é só você ver quando eles estão
chorando. Há muitas decepções e frustrações que eles têm de enfrentar.
Mas
inclusive se falarmos de uma criança genuinamente feliz, poderia ser um
caso do que se chama de "preferências adaptativas" (preferências
geradas em circunstâncias de restrição de oportunidades).
Pensemos,
por exemplo, em um grupo de pessoas que educa outras para sejam seus
escravos. Essas pessoas escravizadas então poderiam ficar com contentes e
não se importar com sua condição de escravidão, porque elas foram
criadas para pensar dessa forma.
Pois bem: eu seria contra a ideia, mesmo que as pessoas se sintam felizes.
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Benatar reconhece que ideia possivelmente não terá adesão a ponto de levar à extinção humana
BBC - Os pais, segundo seu raciocínio, são
responsáveis pelo sofrimento de seus filhos venham a sofrer por terem
decidido trazê-los ao mundo. Eles também são responsáveis pelo
sofrimento dos filhos de seus filhos e de seus bisnetos, e assim
sucessivamente? David Benatar - De
certa forma, sim, indiretamente. Não que tenham responsabilidade
completa - ela só pode ser atribuída a quem teve seus próprios filhos.
Mas quando alguém decide se reproduzir, deve saber que está criando
outros potenciais reprodutores. E, se alguém pensa em todas as gerações,
que seguem uma decisão reprodutiva, ele percebe a grande
responsabilidade que isso (ter filhos) implica. BBC - Você acredita que sua ideia de parar a reprodução para que a humanidade seja extinta poderá ter êxito um dia? David Benatar - Não,
não creio, ao menos em grande escala. Eu acho que haverá alguns
indivíduos que vão decidir não procriar, conheço alguns deles. Por isso
considero que o antinatalismo pode ter êxito em pequena escala. Mas acho
que mesmo assim é importante, porque muita gente será poupada do
sofrimento por não ter vindo ao mundo.
Não sou um ingênuo, não
creio que minhas ideias convençam o mundo todo. Mas acredito fortemente
que o que digo é verdade. Gostaria que as pessoas pensassem melhor sobre
o que significa ter filhos.
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Benatar defende que agressividade, assim como
inclinação à reprodução, é uma forma de expressão natural: 'O que é
natural e o que é moral ou eticamente desejável e recomendável são
coisas diferentes'
BBC - Quando você decidiu abraçar o antinatalismo? David Benatar - Sempre
pensei de maneira parecida, mas desenvolvi essas ideias ao longo dos
anos. A ideia básica para mim é óbvia, mas não sei se para os outros
também é. BBC - Você lamenta estar vivo? David Benatar - Não gosto de responder perguntas pessoais. Prefiro falar sobre conceitos e ideias. BBC - Você censura seus pais por te trazer ao mundo? David Benatar - Talvez você queira olhar a dedicatória de meu livro. BBC - Sim, eu li. Está escrito: 'A meus pais, apesar de terem me dado a vida'. David Benatar - Então você já sabe. Não tenho mais nada a dizer a respeito. BBC - Última pergunta: você tem filho? David Benatar - Essa é outra pergunta pessoal.
Voto de relator sobre condenação de Lula já está pronto
O desembargador João Pedro Gebran Neto
concluiu argumentação na última sexta-feira; decisão pode impedir
candidatura presidencial
O ex-presidente Lula participa do Congresso Nacional do PCdoB, em Brasília (DF) - 19/11/2017 (Ueslei Marcelino/Reuters)
O primeiro voto que julgará o recurso contra a
condenação do ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva (PT) já está
pronto. Lula foi condenado pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, a nove anos e meio de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro pelo caso do triplex em 14 de julho deste ano – apelação do ex-presidente chegou ao TRF4 em 23 de agosto.
O desembargador João Pedro Gebran Neto,
relator dos processos da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF4), em Porto Alegre, finalizou seu voto na última
sexta-feira, conforme apurou VEJA.
O conteúdo de sua argumentação é sigiloso e apenas os outros
dois desembargadores da 8ª turma têm acesso ao conteúdo. A condenação
de Lula também em segunda instância pode torná-lo inelegível para as eleições presidenciais de 2018. Lula é o favorito nas pesquisas de intenção de voto.
A defesa de Lula afirmou, através de nota, que questionará o TRF4 sobre a velocidade da tramitação do processo.
“O TRF4 deve informar o motivo pelo qual o recurso do ex-Presidente
Lula está tramitando nessa velocidade, fora do prazo-médio observado em
outros casos. Vamos pedir ao Tribunal informações sobre a ordem
cronológica dos recursos em tramitação”, diz a nota do escritório
Teixeira Martins.
Depois da entrega do voto de Gebran Neto, o revisor fará o
mesmo trabalho e, após concluí-lo, passa para o próximo desembargador,
que marca o dia do julgamento, previsto para 2018. O teor dos votos só
será conhecido publicamente na data da sessão que julgará o recurso de
Lula.
Os desembargadores da 8ª turma do TRF4, que julgam as ações da operação Lava Jato em segunda instância, são conhecidos por serem mais duros que Moro na revisão das penas. Além de Gebran Neto, o relator, a turma é formada por Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus.
O presidente do TRF4, o desembargadorCarlos Eduardo Thompson Flores Lenz, disse queLula será julgado de forma “desapaixonada”. “A 8ª Turma vai julgar de forma isenta, imparcial e desapaixonada, como o Poder Judiciário deve ser”, falou o magistrado.
Na última semana, a 8ª turma decidiu manter o bloqueio de 16 milhões de reais da conta de Lula.
(Histórias como essa não devem jamais ser esquecidas!) Morre mais uma vítima do incêndio na creche de Janaúba
A auxiliar de
professora Jessica Morgana, de 23 anos, estava internada há dois meses
em estado grave. Ela é a 12ª vítima fatal do ataque
Por
Da redação
Jessica Morgana, vítima do incêndio em creche de MG (Facebook/Reprodução)
Morreu nesta segunda-feira a auxiliar de
professora Jessica Morgana Silva Santos, de 23 anos, vítima do incêndio
criminoso na creche Gente Inocente, em Janaúba (MG).
Jéssica estava internada há dois meses em estado grave na Santa Casa de
Montes Claros e não resistiu aos ferimentos. Ela é a 12ª vítima fatal do
ataque provocado pelo vigia Damião Soares dos Santos em 5 de outubro.
Em uma ação planejada, o vigia ateou fogo ao local causando a morte de nove crianças e da professora Heley de Abreu Silva Batista,
que evitou uma tragédia ainda maior ao confrontar Damião. O agressor
também morreu no incêndio. Um mês depois do ataque, a auxiliar de
professora Geni Oliveira Lopes Martins, de 63 anos, morreu no hospital.
Outras vítimas seguem internadas em unidades de saúde de Belo Horizonte e Montes Claros.
Ao menos uma alegria vinda de Brasília: o show dos ipês amarelos
A seca no Planalto Central não produz só
queimadas: o estresse da falta de chuva fez os ipês explodirem em
flores. Confira esse espetáculo da natureza:
Brasília - Florada de ipês-amarelos colore o Distrito Federal - 29/08/2017 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
‘Se eles estão mortos, expliquem o que aconteceu’, pedem famílias de marinheiros argentinos
Governo argentino reconheceu que marinheiros do ARA San Juan não têm mais chance de sobreviver | foto: AFP
O anúncio, pelo
Ministério da Defesa argentino, de que os 44 tripulantes do submarino
ARA San Juan não têm mais chance de sobrevivência pegou de surpresa os
parentes dos marinheiros, que anseiam por notícias desde o
desaparecimento da embarcação, em 15 de novembro.
Em entrevista ao
vivo na noite de segunda-feira, o ministro da Defesa, Oscar Aguad,
explicava por que a Marinha decidira suspender os esforços de resgate:
"O que nos levou a essa decisão foi um relatório da Marinha dizendo que
as condições climáticas extremas da região e o tempo passado desde o
desaparecimento são "incompatíveis com a existência de vida humana".
Foi quando um jornalista argentino perguntou: "Quer dizer que estão todos mortos?". Aguad então respondeu: "Exatamente".
Foi a primeira vez que houve tal admissão pública por parte do governo argentino, causando comoção entre as famílias.
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Familiares tiveram a confirmação da morte pela televisão | foto: Reuters
"Nós soubemos (da presunção das mortes) vendo o
ministro falando na TV. Estávamos jantando e vendo a entrevista. Estava
inclusive o filho do meu irmão", disse à BBC Brasil Claudio Rodríguez,
irmão do tripulante Hernán Rodríguez.
"Se sabem que estão todos
mortos, então devem saber o que aconteceu e onde estão (os
marinheiros)", prosseguiu Rodríguez. "Se estão mortos, que expliquem o
que aconteceu. Onde está o submarino? Onde estão todos?"
'Perguntas sem respostas'
Os
44 tripulantes haviam embarcado no ARA San Juan no início de novembro
na cidade de Ushuaia, na Patagônia, para trabalhos de rotina contra a
pesca ilegal nas águas argentinas do Atlântico Sul. Deveriam ter
retornado no dia 19 ao porto de Mal del Plata, a 400 km de Buenos Aires,
mas isso nunca aconteceu. A ausência de explicações para o
desaparecimento frustra os familiares.
Rodríguez afirmou que "são
muitas perguntas sem respostas". Segundo ele, quando o ministro Aguad
esteve com os familiares, na sexta-feira passada, nada teria dito sobre a
presunção das mortes.
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O ARA San Juan levava 44 pessoas quando perdeu comunicação e sumiu dos radares | foto: EPA
"Minha cunhada (viúva de Hernán) esteve nesse
encontro e ele (Aguad) não disse que estavam todos mortos. Não teve
coragem de dizer", disse Rodríguez.
Aos jornalistas, na
segunda-feira, o ministro declarou que o fim da expectativa de um
resgate com vida já tinha sido decretado pela Marinha na semana passada -
quando, diante das poucas chances de se encontrarem sobreviventes, os
Estados Unidos levaram de volta o único equipamento que poderia tirar os
tripulantes do fundo do mar.
"No lugar desse equipamento, os
Estados Unidos mandaram outro que vai fotografar o fundo do mar para
tentarmos localizar o submarino e sabermos o que aconteceu com ele. Esse
equipamento alcança 6 mil metros de profundidade. A Rússia também está
enviando equipamento com capacidade parecida", prosseguiu Aguad.
'Direito de saber'
A
mulher do cabo da Marinha Germán Suárez, María Itatí Leguizamón, de 32
anos, dissera, logo após o sumiço da embarcação, que não acreditava na
possibilidade de seu marido e dos outros tripulantes terem sobrevivido.
Nesta terça-feira, emocionada, ela disse por telefone à BBC Brasil: "Eu
sempre disse que estavam todos mortos, e me criticaram. Mas temos o
direito de saber o que aconteceu e onde o submarino está".
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Vários países, entre eles EUA e Rússia, participaram das buscas | foto: Alamy
Ela, que também assistiu ao vivo à entrevista de
Aguad, discordou de uma declaração do ministro, que afirmou que o
submarino estava "em boas condições", para navegar.
De fabricação
alemã, o ARA San Juan chegou à Argentina em 1985. Passou por revisões e
consertos no estaleiro até 2014. O ministro sugeriu que irregularidades
na compra de insumos podem ter levado ao longo período de revisão, que
se estendeu além do esperado.
"Meu marido sempre comentava que o
submarino tinha algum problema, mas ele gostava tanto do que fazia que
não percebia os riscos que estava correndo. Ele achava que eram
problemas de rotina de um submarino", afirmou María.
Ela e Germán
haviam se conhecido no grupo de jovens da Igreja de Fátima, de Mar del
Plata, onde realizavam missões por áreas carentes da cidade. "Ele era
como um anjo, todos diziam isso. Um homem alegre, generoso, cheio de fé e
de planos. Mas a negligência roubou sua vida e seus planos."
Formada
em direito e em comunicação social, María disse que mal tem conseguido
sair de casa para trabalhar. "Ele sempre me deixava bilhetinhos aqui em
casa, dizendo 'acredite, seja feliz, reze e não chore', mas neste
momento está sendo muito difícil", afirmou.
O que pode ter acontecido
Investiga-se
se a tragédia pode ter sido causada por uma explosão ou também por uma
falha na válvula do snorkel, sistema pelo qual o submarino busca
oxigênio cada vez que sai à superfície.
Uma falha na válvula pode ter causado a entrada de
água e afetado as baterias do submarino, levando a uma possível explosão
- um barulho foi detectado por equipamentos no fundo do mar, no dia 15
de novembro, quando o submarino desapareceu.
Na entrevista de
segunda-feira, Aguad reconheceu que o submarino já tinha apresentado
problema no snorkel dias antes da última partida do ARA San Juan, mas
que o nível de água que invadiu a embarcação teria sido insuficiente
para atingir as baterias.
O ministro disse ainda que mantém "o
compromisso com as famílias de continuar as buscas pelo submarino até
que ele seja encontrado". bbc brasil
'Como posso comer se estou morto?' - as pessoas que vivem com a síndrome do 'cadáver ambulante'
Image caption
Um grande número de fatores contribui para que a Síndrome de Cotard se desenvolva | Empics
"Foi um período de
absoluta escuridão. Eu acreditava que tinha morrido." Recuperando-se de
um sério acidente de moto, Warren McKinlay começou a pensar que não
existia mais, que estava morto.
Então, o soldado britânico parou de comer porque achava que não precisava mais.
"Terapeutas podiam até tentar falar comigo, mas eu dizia: por que tentar melhorar se eu estou morto?", conta ele.
"Eu não sentia a necessidade de comer, não sentia fome. Quanto
mais eles tentavam me convencer a comer, menos eu queria. Achava que
estavam tentando me enganar", diz o soldado.
"Eu não via a
necessidade de comer pelo mesmo motivo que me fazia não querer colaborar
com a reabilitação. Pensava: 'por que vou comer se estou morto?"
Warren,
de 36 anos, vivenciou a síndrome de Cotard, também conhecida como
síndrome do cadáver ambulante - um problema psiquiátrico que afetou
menos de 100 pessoas no mundo desde que foi descrita pelo neurologista
francês Jules Cotard, em 1880.
Quem apresenta a síndrome acredita que está morto, ou apodrecido e que seus órgãos desapareceram ou necrosaram. Image caption
Pacientes como o soldado britânico Warren McKinlay
acreditam que estão mortos ou que seus órgãos não existem mais (Foto:
Warren McKinlay)
Casos como o de Warren já foram relatados em países
como China, Índia, México, Estados Unidos e Suécia. Essa ilusão de
"morte" se apresenta de diferentes formas.
Um mexicano foi levado
ao hospital depois de dizer para sua família que seu pênis havia
diminuído até desaparecer. Aos médicos ele afirmou que não tinha mais
olhos nem coração - alegava que eles haviam sido removidos por um médico
em uma sala de emergência. O homem também dizia que sua mão esquerda
estava morta.
Em Portugal, após perder seu marido repentinamente,
uma pensionista de 66 anos de idade começou a ficar desconfiada: ela
decidiu parar de comer até quase morrer de fome, reclamando que seu
esôfago e seu estômago estavam colados. Ela foi internada em um hospital
depois de perder 19 quilos.
Image caption
A Síndrome de Cotard pode estar ligada a danos no
cérebro causados por traumas físicos (Foto: Jesus Bermudez-Ramirez)
Na Caxemira, uma dona de casa de 28 anos foi
internada depois de dizer que seu fígado estava podre e que seu coração e
estômago não existiam mais. Ela dizia que não sentia seu corpo quando
andava.
Já uma britânica de 59 anos procurou ajuda médica, pois acreditava que era um cadáver podre e que suas pernas estavam caindo.
'Eu não tinha nenhum sentimento'
No caso do soldado Warren, ele acredita que seus delírios de morte decorrem de como ele lidou com seu acidente de moto.
Ele
bateu em uma árvore quando voltava para casa depois de um treinamento
no exército britânico - o soldado estava prestes a embarcar para o
Afeganistão. No acidente, Warren fraturou a pelvis e a coluna, além de
ter danos no cérebro.
Image caption
O soldato inglês Warren à direita, com o piloto de corridas Colin Turkington (Foto: Warren McKinlay)
"Não me lembro de nada. Não lembro de bater na
árvore nem de quebrar os ossos do meu corpo", diz o soldado, que teve
uma filha durante a recuperação. "Eu esperava me lembrar do sentimento
de dor, mas não conseguia. Eu não tinha nenhum sentimento, e era difícil
me importar com qualquer coisa."
Segundo o soldado, a falta de
memória do episódio o fez acreditar que tinha morrido no acidente. Meses
depois, ele foi internado no Headley Court, um hospital no sul da
Inglaterra. Para ele, o local era como "uma sala de espera
fantasmagórica". Image caption
Warren hoje dá risadas sobre o sentimento que tinha: ele achava que estava morto (Foto: Warren McKinlay)
"Homens e mulheres voltavam de zonas de guerra (para
o hospital) com ferimentos horríveis e com histórias de mortes, e eu
acreditava que estava em uma espécie de vida após a morte", conta ele.
Médicos
e enfermeiros perguntavam por que, caso estivesse morto, ele havia
escolhido ficar em um hospital e não em outro lugar. "Eu pensava que era
uma punição", diz Warren.
Ter sofrido ferimentos no cérebro é uma
das condições para o desenvolvimento da síndrome de Cotard. Outros
indutores podem ser depressão severa e esquizofrenia, segundo Helen
Chiu, professor de psiquiatria na Universidade Chinesa de Hong Kong.
A
síndrome também é associada ao Mal de Parkinson, febre tifóide,
enxaqueca, esclerose múltipla e complicações de transplante de coração.
Image caption
Apesar da síndrome afetar pessoas mais velhas, como
Warren McKinlay, há registros de casos em adolescentes e crianças (Foto:
Warren McKinlay)
"Além de razões biológicas, fatores psicológicos e
sociais também são relevantes", explica o professor Chiu. "A
personalidade, família, circunstâncias financeiras e sociais, além de
eventos da vida da pessoa vão moldar como serão os delírios (de morte)",
diz.
Essas imagens podem durar semanas ou mesmo anos. Apesar da
síndrome afetar pessoas mais velhas, há registros de casos em
adolescentes e crianças.
Não há causas únicas da síndrome de
Cotard, no entanto. Muitos dos estudos científicos sobre a doença são
baseados em casos individuais, devido à sua natureza rara. Apesar da síndrome afetar pessoas mais
velhas, como Warren McKinlay, há registros de casos em adolescentes e
crianças (Foto: Warren McKinlay)
Direito de imagemGetty ImagesImage caption
Pessoas com a síndrome podem ter passado por acidentes traumáticos .
Segundo estudo de 2010, liderado por Jesús
Ramírez-Bermúdez, do Instituto Nacional de Neurologia e Neurocirurgia do
México, a síndrome de Cotard pode ser um resultado de dois fatores
combinados: pacientes que sofreram acidentes traumáticos, como o caso de
Warren, podem desenvolver um sentimento de vazio.
Essa sensação,
combinada com a perda de habilidade de acreditar em algo e o sentimento
de culpa, pode resultar na Cotard, segundo o estudo. Problemas de metabolismo e danos no
cérebro em áreas responsáveis por controlar o raciocínio podem causar o
problema (Foto: Cortex)
Razões neurológicas incluem baixa atividade
metabólica em regiões do cérebro responsáveis pela introspecção, redução
ou aumento do tamanho do cérebro, danos logo atrás da testa - região
importante para controlar o raciocínio e o comportamento.
Warren
diz que encontrar outro portador da síndrome o ajudou a se recuperar.
Depois de voltar para a casa de sua família, ele começou a melhorar.
"É um pouco inadequado dizer isso, mas hoje dou risada quando penso sobre o que aconteceu", diz.
A designer Helena
Vitali, de 28 anos, sofreu abuso sexual quando tinha cinco anos no
condomínio do prédio em que morava, em Santa Catarina.
Ela nunca
tinha falado publicamente sobre isso, mas resolveu contar sua história
nesta semana, após o assunto voltar à tona com a polêmica envolvendo a
presença de uma criança em uma performance artística com um homem nu no
MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo.
"Vi que estava se
falando muito sobre o assunto e achei que era importante dar um ponto de
vista de alguém que passou por um abuso sexual real", explica.
Seu objetivo não foi só relatar a violência sexual, mas contar
como foi importante sua mãe já ter conversado com ela sobre o assunto
para que, com apenas cinco anos, ela tivesse coragem de contar o que
aconteceu - e evitar que o abuso se repetisse.
Image caption
Helena sempre teve uma relação de abertura e
confiança com a mãe, Célia | Foto: Helena Vitali/Arquivo pessoal.
"O alarme soou porque minha mãe já havia conversado
sobre isso comigo. Eu soube na hora que havia alguma coisa errada. Me
senti culpada. Detestei meu corpo, me senti suja. Mas contei. Lembrei
das conversas que criaram essa confiança entre nós", afirma.
Ela é
uma das muitas pessoas que têm compartilhado histórias sobre como os
pais conversaram com elas sobre o assunto quando pequenas. Ou como elas
têm falado com os próprios filhos sobre o assunto - mesmo que não tenham
sofrido nenhum tipo de abuso.
A postagem de Helena Vitali teve quase 4 mil curtidas e mais de 1,6 mil compartilhamentos em poucas horas.
A BBC Brasil ouviu algumas dessas pessoas e especialistas que indicam qual o caminho para abordar o assunto com as crianças.
Alerta vermelho
Vitali conta que sua mãe lia livros sobre educação sexual infantil desde cedo. Ela lembra até hoje de suas palavras:
"Ela
disse: filha, ninguém pode te tocar aqui tá? Só você e a mamãe. Nenhum
adulto, nenhum homem. Isso é errado e pode ter machucar. Quando você for
adulta você pode escolher. Mas quando essa época chegar vamos juntas no
médico e você não vai ter medo."
Helena afirma que nunca esqueceu
o que a mãe havia dito sobre fugir, gritar e pedir ajuda se algo
acontecesse. "Ela disse que sempre iria me ouvir, acreditar em mim e me
proteger. Não importando quem fosse, se fosse da família ou alguém que
amamos. E que eu nunca poderia mentir sobre isso."
A conversa foi importante para que ela conseguisse contar à mãe sobre o abuso que sofreu. Direito de imagemGetty ImagesImage caption
É preciso que a criança saiba que não deve manter
segredo se alguém lhe fizer mal - mesmo que seja um membro da família
"Um dos funcionários me convenceu a ir em um cômodo
ver algo. Me botou sentada no seu colo e começou a abrir a própria
roupa. Enquanto tentava me tocar e eu me esquivava (ou tentava), soou na
minha cabeça um alarme, enorme, vermelho e piscante. Uma sirene. Eu
sabia o que era aquilo", escreveu ela.
"Depois que eu contei,
descobriram que um menino de três anos era sempre abusado pela mesma
pessoa, mas a babá e a família não acreditavam."
A designer diz achar importante que as pessoas não subestimem a capacidade de discernimento das crianças.
"Com
educação apropriada, elas são muito capazes de entender o que é carinho
e o que abuso. Quando se despir é normal, por exemplo, quando a criança
está na praia com a família, e quando a pessoa está mal intencionada",
diz ela.
"Tenho a clara memória de que eu sabia diferir perfeitamente a nudez comum da menção de nudez para um abuso", escreveu.
"Pedofilia
não é uma criança ser exposta à arte ou a nudez em um contexto não
sexual. Proibir o acesso de crianças a lugares onde estarão vulneráveis e
sem a tutoria de um adulto: claro. Proibir acesso a material de cunho
sexual? Perfeito. Mas banir nudez e confundir tudo e qualquer coisa com
pedofilia é um desserviço", escreveu ela, em referência à polêmica sobre
a performance no museu.
Educação aberta
"Não
é uma questão de marcar um dia para falar de abuso sexual. É preciso
ter uma educação aberta desde o berço, na qual a criança sempre, a todo
momento, se sinta à vontade para falar sobre qualquer assunto. E na qual
se ensine a lidar com o corpo e com a questão dos limites", explica a
psicopedagoga Neide Barbosa Saisi, professora da PUC-SP (Pontifícia
Universidade Católica).
"Precisa ensinar limites em coisas
básicas, como respeitar se ela não quiser beijar as pessoas, por
exemplo. Ela tem que aprender que o outro não tem domínio sobre ela. Se
ela sabe o que são limites, ela já responde a uma intromissão", afirma.
A
pedagoga e mestre em educação sexual Caroline Arcari explica que, ao
falar especificamente sobre abuso sexual, é preciso usar a linguagem
adequada para cada idade. E ser claro.
"É importante evitar
termos muito abstratos. Por exemplo, dizer 'se você se sentir estranho,
ou se alguém fizer algo que te deixe triste' etc. Porque quanto mais
nova a criança, menos ferramentas ela vai ter para entender o que seria
esse sentimento estranho, o que seriam esses atos que poderiam a deixar
triste", afirma.
Segundo ela, inicialmente a criança aprende que
violência é algo muito concreto, que causa dor física: um beliscão, uma
palmada, um puxão de cabelo. Logo, quando se fala de violência sexual, é
preciso mostrar concretamente como ela pode acontecer.
"É
importante que a criança saiba os que são partes íntimas. Ela precisa
saber que ela tem órgãos genitais, que o bumbum e os mamilos são partes
íntimas. Tem que ter nome ou apelido para as partes", afirma.
Segundo
as especialistas, é preciso dizer que essas partes não devem ser
tocadas por outras pessoas. E que uma pessoa que a tocar está fazendo
uma coisa errada.
Arcari diz ainda que é importante que os
materiais didáticos usados - livros, vídeos - tenham representatividade,
para que as crianças se identifiquem.
Ela vê um problema em um dos vídeos que têm sido muito compartilhados recentemente no WhatsApp - há apenas crianças brancas.
"É
difícil encontrar materiais que tenham uma quantidade significativa de
crianças negras. O material didático precisa refletir a diversidade que
existe no Brasil."
Educação e confiança
A
baiana Ariane Carmo contou no Facebook como seus pais conversavam com
ela de forma bastante objetiva - a postagem teve 11 mil curtidas e mais
de 7 mil compartilhamentos.
"Uma amiga abriu debate sobre abuso
sexual de crianças em seu perfil e muitas mulheres que participaram
sofreram abuso na infância. Com tantos perigos e relatos desanimadores
começa a parecer impossível proteger as crianças", afirma.
"Uma
das moças disse que simplesmente não há muito o que fazer. Nesse ponto,
eu pensei: não, calma! Há. Sei que ela queria dizer que não há como
garantir plenamente a segurança. Mas eu senti que devia relatar a
estratégia da minha família para fazer um contraponto, dar uma
esperança."
Image captionAriane Carmo quis contar como foi sua educação para
incentivar pais a conversarem com seus filhos | Foto: Luiz Carlos
Vaz/Arquivo pessoal
"Meus pais me ensinaram o que era sexo e abuso
sexual juntos. Minha mãe me disse que qualquer homem que tentasse fazer
qualquer coisa comigo eu deveria contar pra ela e ela me protegeria,
inclusive meu pai - isso na presença dele", escreveu ela.
"Ela
apontou pra ele. Na frente dele. Meu pai jamais me fez ou faria mal, e
também não se ofendeu. Ele sabia o que eles estavam fazendo, que estavam
criando o vínculo para que eu sempre sentisse segura e me ensinando a
me proteger", relatou.
"Eles me disseram que nunca seria culpada e
não deveria acreditar se me dissessem que minha mãe ficaria brava ou me
iria me castigar. Que ela me protegeria e que eu nunca deveria ter
nenhum segredo com nenhum adulto, pois adultos não tem segredos com
crianças. Que sempre que alguém falasse ou fizesse algo dizendo que eu
não podia 'contar pra mamãe', imediatamente eu deveria falar."
Arcari
concorda sobre mostrar que não deve haver segredos e que os limites tem
que ser respeitados por todos. "O abusador pode ser um estranho, mas
raramente é. Normalmente é alguém da família, um amigo ou conhecido",
afirma ela.
Amor e carinho
Ariane diz que nunca teve nenhum tipo de trauma por ter tido essa conversa com os pais.
"Não
tive uma iniciação sexual precoce por saber o que é sexo, nem tive
algum tipo de bloqueio por me avisarem o que é abuso. Só fui protegida
de abusadores", escreveu.
A pedagoga Caroline Arcari diz que,
para evitar que a criança fique com muito medo ao se falar da
possibilidade de alguém machucá-la, é preciso contextualizar a conversa e
falar mais sobre os aspectos positivos da interação com adultos e
outras crianças.
"Tem mostrar o que é bom na interação com um
adulto. A parte positiva da convivência, para ela não achar que todo
adulto é ruim. Para que a criança saiba o que é uma demonstração de amor
e carinho e o que é abuso", afirma a pedagoga Caroline Arcari.
Ariane
Carmo diz que o motivou a escrever sobre sua educação foi notar que os
pais "têm receio de falar claramente com seus filhos, como se eles
fossem incapazes de entender - não só sobre abuso".
"Quando você
senta uma criança e conversa com ela de forma clara, seja sobre o que
for, sobre a importância do estudo aos riscos que o mundo oferece,
incluindo abuso, ela vai entender."
"Eu sei que muitos pais até
conversam com seus filhos, mas o que eu gosto de destacar é que meus
pais fizeram isso juntos, e que foram claros em definir que me
protegeriam de qualquer um, inclusive um do outro. Nenhuma mãe ou pai
espera que seu ou sua companheira(o) seja um abusador. E meus pais,
claro, não eram", conta ela.
"Mas se houvesse qualquer risco, a
clareza daquela situação me daria confiança. Porque se sua mãe deixa
claro que nem seu pai pode te fazer mal, você sabe que ninguém pode. A
maioria dos abusadores é parente ou amigo da família que usa da
confiança para praticar o crime. É preciso que a criança saiba que está
segura - seja de quem for."