quinta-feira, 30 de junho de 2016

Paulo Bernardo e mais sete deixam sede da PF em SP sem tornozeleira


Juiz disse que não tem convênio para monitoramento eletrônico.
Segundo MPF, petista se beneficiou de esquema de desvio milionário.



O ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo foi liberado e deixou a sede da Polícia Federal (PF) em São Paulo na noite desta quarta-feira (29). Outros sete investigados por suposta participação em esquema milionário de propina também deixaram o prédio na Lapa, Zona Oeste da capital paulista, por volta das 22h30. Todos estavam sem tornozeleira eletrônica. Dois suspeitos detidos na Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato, continuam presos.
Ao sair, o ex-ministro foi questionado se suas despesas pessoais foram pagas por meio de um contrato com a Consist, empresa que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), desviou R$ 100 milhões dos funcionários públicos federais que fizeram empréstimos consignados.
“Isso não procede, não tem o menor cabimento. Minhas despesas pessoais são pagas com meu salário e parece que as acusações são todas baseadas nas delações do senhor Alexandre Romano e, no meu caso, à delação do senador Delcídio do Amaral”, disse. “Com certeza vai haver discussão sobre essas delações, porque parece que houve muita manipulação nisso aí”. " Sou inocente e isso vai ficar demonstrado", acrescentou.
Ex-vereador de São Paulo, Alexandre Romano foi preso durante a Operação Lava Jato e teve delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele disse que a propina recolhida a partir de contrato da Consist e com o Ministério do Planejamento era dividida entre ele, o ex-ministro Paulo Bernardo e o PT, por meio do ex-tesoureiro João Vaccari Neto. Já Delcídio disse que a relação do ex-ministro com a Consist vinha desde a época em que era secretário da Fazenda do Mato Grosso do Sul, entre 1999 e 2000.
De acordo com a Procuradoria, o Grupo Consist cobrava mais do que deveria e repassava 70% do seu faturamento para o PT e para políticos. A propina paga entre 2009 e 2015 teria chegado a cerca de R$ 100 milhões.
“O Mistério do Planejamento não tem nenhum contrato com a Consist. A Consist foi contratada pela associação de bancos e pelo sindicato das entidades de previdência complementar. Portanto, esse contrato é estranho, não tem nada a ver com o Ministério do Planejamento”, acrescentou Bernardo.
Liberdade
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu nesta quarta-feira (29) pedido do ex-ministro Paulo Bernardo e revogou a prisão dele, mas recusou outra solicitação da defesa do petista para que o caso fosse encaminhado da Justiça Federal de São Paulo para a Suprema Corte.

Apesar de a decisão de Toffoli apenas ser destinada a Bernardo, o juiz da primeira instância que determinou a liberação concedeu a liberdade aos outros sete investigados. "Ressalto que deixo de determinar outras medidas cautelares para o investigado João Vaccari pelo fato de já estar preso por outro Juízo", disse o juiz Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Federal de São Paulo.
Paulo Bernardo atende a imprensa após deixar a carceragem da PF na Lapa, em São Paulo, na noite desta quarta-feira (29) (Foto: Reprodução/GloboNews)Paulo Bernardo atende a imprensa após deixar a carceragem da PF na Lapa, em São Paulo, na noite desta quarta-feira (29) (Foto: Reprodução/GloboNews)
Para ganhar a liberdade, os oito investigados se submeteram a algumas medidas, como entregar o passaporte e não sair do país.
Veja as medidas cautelares determinadas pelo juiz:
- Comparecimento quinzenal a este Juízo (para os investigados residentes em São Paulo) ou ao Juízo (Federal, se houver) da cidade onde morarem;
- Proibição de contato com todos os demais investigados;
- Suspensão do exercício de função pública;
- Proibição de ausentar-se do país, devendo os investigados entregar o passaporte à Justiça Federal;
- Além disso, os investigados deverão comparecer a todos os atos da investigação ou do processo a que forem intimados.

Sem tornozeleira
O Ministério Público Federal (MPF) requereu o monitoramento eletrônico por meio de tornozeleira. O juiz, porém, disse que não tem convênio para a utilização desses equipamentos.

“Em relação ao monitoramento eletrônico, é preciso ressaltar que este Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ainda mais em tempos de cortes de despesas, não dispõe de convênio para utilização das tornozeleiras eletrônicas. Trata-se de um problema estrutural da Justiça e este Juízo não pode determinar medidas cautelares não passíveis de efetivação prática”, disse o magistrado da 6ª Vara Federal de São Paulo.
Segundo o Jornal Nacional, o juiz afirmou que, apesar de acatar o pedido de liberdade, discorda da decisão de Toffoli porque o dinheiro desviado ainda não foi encontrado e pode ser usado novamente.
Também deixou a sede da PF o advogado Guilherme de Salles Gonçalves, que atuou em duas campanhas da senadora Gleisi Hoffmann (PT), mulher de Bernardo. Ele negou as acusações e disse que recebeu R$ 6 milhões em seis anos de trabalho da Consist, para fazer a manutenção de contratos.
Advogado Guilherme de Salles Gonçalves deixa a sede da PF (Foto: Roney Domingos/G1)Advogado Guilherme de Salles Gonçalves deixa a sede da PF (Foto: Roney Domingos/G1)
Ele afirmou que não conhecia os demais presos, com exceção de Paulo Bernardo. "Eu tenho documentos para provar que eu trabalhei juridicamente, desde o início do contrato, não só do ponto de vista de consultorias, pareceres, mas também advoguei."
Em nota, os procuradores que integram o grupo de trabalho da Operação Custo Brasil disseram que viram “com perplexidade a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que concedeu habeas corpus de ofício para o ex-ministro”. “Ao não conhecer integralmente a reclamação ajuizada e decidir pela soltura de Paulo Bernardo, o ministro suprimiu instâncias que ainda iriam tomar conhecimento do caso e sequer ouviu a Procuradoria Geral da República” (leia a íntegra da nota no fim desta reportagem).
Defesa de Paulo Bernardo
A defesa de Paulo Bernardo nega que ele tenha envolvimento no desvio de dinheiro. Os advogados de Guilherme Gonçalves e Dércio Guedes de Sousa disseram que têm convicção da inocência dos clientes.

Em entrevista à GloboNews, a advogada Verônica Abdalla Sterman disse que Paulo Bernardo esteve em uma audiência de custódia na Justiça Federal na sexta-feira (24) e não foi interrogado pela Polícia Federal.
Ela disse que "todos os atos de investigação feitos até o momento não dividem as supostas condutas de Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann [senadora pelo PT-PR e mulher do ex-ministro]. A investigação de São Paulo acaba investigando a senadora por via transversa.
Ao cumprirem o mandado de prisão na semana passada, os policiais federais entraram no apartamento funcional da parlamentar petista em Brasília.
A defesa do petista alegava que a prisão dele era ilegal e que o ex-ministro não tinha envolvimento com as eventuais irregularidades identificadas no Ministério do Planejamento. Apesar do apelo dos advogados, a Justiça Federal de São Paulo havia mantido na segunda-feira (27) a prisão preventiva (sem prazo determinado) de Paulo Bernardo.
Nesta quarta, após ser divulgado o despacho de Toffoli, os advogados do petista afirmaram, por meio de nota, que a decisão do Supremo mostra que a ordem de prisão tinha "motivos genéricos e que não havia requisitos legais para a detenção.
"A decisão do ministro Dias Toffoli, acolhendo pedido da defesa técnica, desconstruiu todos os fundamentos da prisão de Paulo Bernardo. Deixou claro que os fundamentos eram genéricos e que os requisitos legais e constitucionais não estavam presentes", observaram os defensores.
No despacho no qual determinou a soltura de Paulo Bernardo, Toffoli afirmou que houve um "flagrante constrangimento ilegal" na prisão do ex-ministro. Na visão do magistrado, a decisão do juiz federal de primeira instância de mandar prender o petista se baseia, "de modo frágil", na conclusão pessoal de que, em razão de ser ex-ministro e ter ligação com outros investigados e com a empresa suspeita de ter cometido as irregularidades, Paulo Bernardo "poderia interferir na produção de provas". 
Toffoli ressaltou na decisão que o magistrado da Justiça Federal de São Paulo não indicou no mandado de prisão "um único elemento fático concreto que pudesse amparar essa ilação".
"Vislumbro, na espécie, flagrante constrangimento ilegal passível de ser reparado mediante a concessão de habeas corpus de ofício", destacou o ministro do STF em trecho da decisão.
"A prisão preventiva para garantia da ordem pública seria cabível, em tese, caso houvesse demonstração de que o reclamante estaria transferindo recursos para o exterior, conduta que implicaria em risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos. Disso, todavia, por ora, não há notícia", complementou Toffoli.
Primeira instância
Na mesma decisão, Toffoli negou o pedido da defesa para que o caso de Paulo Bernardo fosse encaminhado para o Supremo Tribunal Federal. O ministro determinou no despacho que as investigações sobre o ex-ministro permanecesse na primeira instância.

O magistrado destacou que, "à primeira vista", os argumentos dos advogados do petista, de que o inquérito deveria ser enviado ao STF para ser anexado às investigações do suposto envolvimento de Gleisi no esquema criminoso. A senadora está sendo investigada no tribunal superior por ter foro privilegiado como parlamentar.
Toffoli também afirmou que os defensores de Paulo Bernardo não apontaram indícios concretos de que o ex-ministro pudesse ter prejuízo em sua defesa se o caso permanecer na primeira instância.
"Diante dessas circunstâncias, não vislumbro, neste juízo de estrita delibação, situação de violação da competência prevista no art. 102, inciso I, alínea l, da Constituição Federal, para justificar a liminar pleiteada", completou Toffoli.
Leia a nota do Grupo de Trabalho formado pelo Ministério Público Federal
"O Grupo de Trabalho formado pelo Ministério Público Federal em São Paulo para atuar na Operação Custo Brasil vê com perplexidade a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que concedeu habeas corpus de ofício para o ex-ministro do Planejamento e das Comunicações, Paulo Bernardo, preso preventivamente no último dia 23 de junho.

Ao não conhecer integralmente a reclamação ajuizada e decidir pela soltura de Paulo Bernardo, o ministro suprimiu instâncias que ainda iriam tomar conhecimento do caso e sequer ouviu a Procuradoria Geral da República. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, não conheceu de qualquer pleito semelhante oriundo da defesa do ex-ministro.
Na última terça-feira (27), a 11ª turma do TRF-3, por unanimidade, negou habeas corpus impetrado pelo investigado Daisson Silva Portanova na mesma operação. O Tribunal não vislumbrou qualquer ilegalidade que pudesse justificar a soltura imediata do impetrante.
O grupo envidará esforços para que a PGR busque reverter referida decisão. De qualquer forma, as investigações continuarão, em conjunto e de maneira coordenada pelas instituições interessadas, com a mesma isenção com que foram conduzidas até o presente momento.
                              SILVIO LUIS MARTINS DE OLIVEIRA
                               ANDREY BORGES DE MENDONÇA
                                      RODRIGO DE GRANDIS
                                   VICENTE SOLARI MANDETTA
                                PROCURADORES DA REPÚBLICA
                  GRUPO DE TRABALHO DA OPERAÇÃO CUSTO BRASIL"

Envenenamento causou morte de empresário investigado na Operação Turbulência

A causa da morte do empresário Paulo César Morato, uma das peças-chave nas investigações da Operação Turbulência, na quarta-feira passada em um motel de Olinda (PE), foi intoxicação por organofosforado, conhecido popularmente como chumbinho. A Polícia Científica pernambucana chegou à conclusão por meio dos resultados dos exames de DNA, histopatológico (análise de tecidos) e toxicológico nas vísceras de Morato. De acordo com os investigadores, o empresário seria um dos testas de ferro do esquema de lavagem de dinheiro que abasteceu campanhas políticas e foi usado na compra do jatinho Cessna PR-AFA, cuja queda, em 2014, matou o então candidato a presidente Eduardo Campos (PSB), ex-governador de Pernambuco.
A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) não esclarece se Paulo César Morato se suicidou ou foi envenenado por outra pessoa. Segundo a SDS, para elucidar as circunstâncias da morte do empresário, ainda faltam os resultados das perícias papiloscópica (exame das impressões digitais), tanatoscópica (exame do cadáver), análise química, das imagens e do local da morte. Assim que estiverem concluídos, em um prazo de dez dias, os exames serão incorporados ao inquérito da Polícia Civil que apura a morte de Morato.
Segundo o advogado do motel Tititi, Higínio Luis Araújo Marinsalta, Morato entrou no quarto por volta das 12 horas da terça-feira passada, trancou-se lá dentro e não solicitou nenhum serviço. "Ele não tinha feito nenhum pedido, nem avisado se iria ou não renovar a diária. Os funcionários então telefonaram, mas ele não atendeu. Depois, bateram na porta do quarto e não houve resposta".
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Morato era procurado pela polícia e acusado de lavagem de dinheiro, organização criminosa e falsidade ideológica. Ele e outros comparsas movimentaram 600 milhões de reais nos últimos seis anos. A Polícia Federal encontrou indícios de que o esquema foi usado por políticos e teria servido a campanhas do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, em 2010 e 2014. Uma empresa de fachada em nome de Morato, a Câmara & Vasconcelos Locação e Terraplanagem, recebeu um repasse suspeito de 18,8 milhões de reais da empreiteira OAS. Conforme a PF, parte do dinheiro serviu para a compra do jatinho Cessna PR-AFA. A empresa comunicou que trabalhava em obras da transposição do Rio São Francisco.
No pedido de prisão preventiva do empresário, a PF escreveu: "O vínculo de Paulo Morato com a organização criminosa é inconteste, uma vez que suas empresas são bastante utilizadas no esquema ora apurado. Elas foram utilizadas na aquisição da aeronave que vitimou o candidato Eduardo Campos, além de terem sido receptoras de recursos provenientes das empresas de fachada utilizadas no esquema de lavagem de dinheiro engendrado por Alberto Youssef [doleiro e delator da Operação Lava Jato] com relação ao pagamento de vantagens indevidas decorrentes da execução de obras da Petrobras."
(da redação)
msn

'Não criei filho para morrer de bala', diz pai de universitário em enterro





Com um casaco do Palmeiras e uma bandeira do time, o universitário Julio Cesar Alves Espinoza, 24, foi enterrado nesta quinta-feira (30), às 10h, no cemitério da Vila Alpina, zona leste de São Paulo.
O jovem foi morto com um tiro na cabeça após perseguição policial na última segunda (27) na Vila Prudente (zona leste). O carro dele foi atingido por 16 tiros. "Não criei meu filho para morrer de bala", dizia o pai, Julio Ugarte Espinoza, 63, aos prantos.
Durante o velório, o pai ficou ao lado do caixão fazendo carinho na cabeça do filho. "Tudo que você precisou eu estava ao seu lado, agora você vai me deixar, meu filho?", disse. Já a mãe, a dona de casa Veraldina Espinoza, 64, pediu justiça. "Os bandidos são eles [a polícia]. Foi uma covardia, mas a justiça vai ser feita. Quero que o caso do meu filho não seja impune, para que outras mães não passem pelo que eu estou passando", disse.
Ao lado do caixão, Veraldina pediu que o filho perdoasse os policiais. "Abre seu coração, não leve mágoa de quem fez isso com você. Perdoa. Mamãe vai ficar orando por você", falou ela, com as mãos no corpo do filho.
Os amigos e primos levaram uma camiseta de time de futebol, que foi colocada no caixão. Julio costumava jogar bola com os amigos em Brasilândia, na zona norte da cidade. Na camiseta estava escrito: "Sem maldade. Amizade. Humildade". "Foi um presente que a gente trouxe para ele", conta o primo, Wagner Ribeiro, 28, que jogava bola com Julio.
DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Veraldina contou que a doação de órgãos era um desejo do filho. "Ele queria que fizesse isso. Que se acontecesse algo com ele, que podia tirar tudo, que não importava, o que importava era salvar outras vidas. Meu filho era uma pessoa boa", afirmou.
Veraldina disse que a doação foi um alento para a família. "Não sou uma pessoa egoísta. Assim eu posso saber que o coração do meu filho está batendo no peito de outro". O velório do estudante começou na noite desta quarta (29) por volta das 22h30. O enterro foi silencioso e terminou com uma salva de palmas.
MUDANÇA EM CENA DO CRIME
Testemunhas afirmaram à Corregedoria da PM e à Polícia Civil que viram policiais militares colocando o revólver calibre 38 no carro usado pelo universitário Julio Cesar Alves Espinoza. Moradores da região disseram que após o jovem ser baleado na cabeça, dois policiais entraram no Gol prata que ele dirigia e forjaram um disparo no para-brisa com a arma, levada por agentes que chegaram depois à cena do crime.
A informação foi incluída no inquérito que apura o caso, e o revólver, com a numeração visível, ainda era rastreado pela Polícia Civil até a noite desta quarta (29).
Os dez PMs e quatro guardas-civis de São Caetano do Sul (Grande SP) envolvidos no caso disseram que Espinoza atirou contra eles ao fugir em alta velocidade para escapar de abordagem. Familiares dizem que ele voltava de um bico como garçom e fugiu com medo de ter o carro apreendido por dever multas.No boletim de ocorrência, PMs dizem ter dado oito tiros em direção ao carro. E os guardas-civis, sete. A perícia detectou 16 perfurações na lataria do veículo e pneus -há um disparo no para-brisa, segundo a perícia feito de dentro do Gol para fora.
Quatro PMs que participaram do caso estão afastados. A Corregedoria detectou em avaliação inicial que o relato deles tem falhas, como a falta de precisão ao informar de fato quantos tiros supostamente foram dados por Espinoza durante a perseguição, quais os horários e os locais.
Além disso, será apurada a conduta dos policiais, que informaram ao centro de operações da corporação sobre a troca de tiros somente dez minutos depois do início do suposto tiroteio, quando dois carros da polícia teriam se chocado. Nesse momento, o universitário teria fugido pela contramão na avenida do Estado, na zona leste, enquanto atirava. Com informações da Folhapress.
msn

As virtudes morais na vida interior





Para compreender como deve ser o funcionamento do organismo espiritual, é importante saber distinguir, sob as virtudes teologais, as virtudes morais adquiridas, já descritas pelos moralistas da antigüidade pagã e que podem existir sem o estado de graça, das virtudes morais infusas, ignoradas dos moralistas pagãos e descritas no Evangelho. As primeiras, como seu nome indica, adquirem-se pela repetição dos atos sob a direção da razão natural mais ou menos desenvolvida. As segundas são ditas infusas, porque somente Deus pode produzi-las em nós; não são o resultado da repetição de nossos atos: recebemo-las no batismo, como partes do organismo espiritual e, se tivermos a infelicidade de perdê-las, a absolvição no-las restitui. As virtudes morais adquiridas, conhecidas dos pagãos, possuem um objeto acessível à razão natural; as virtudes morais infusas possuem um objeto essencialmente sobrenatural, proporcionado ao nosso fim sobrenatural, que seria inacessível sem a fé infusa na vida eterna, na gravidade do pecado, no valor redentor da Paixão do Salvador, no penhor da graça e dos sacramentos.1
Com relação à vida interior, falaremos primeiramente das virtudes morais adquiridas, depois das virtudes morais infusas e, enfim, das relações de umas com outras.

As virtudes morais adquiridas

Elevemo-nos progressivamente dos graus inferiores da moralidade natural àqueles da moralidade sobrenatural. Notemos de início, com Santo Tomás, que no homem em estado de pecado mortal costumamos encontrar falsas virtudes, como a temperança no avaro; ele a pratica não por amor do bem honesto e razoável, não para viver segundo a reta razão, mas por amor deste bem útil que é o dinheiro. Do mesmo modo, se paga suas dívidas, é antes para evitar os aborrecimentos dum processo do que por amor à justiça.
Acima dessas falsas virtudes, não é impossível encontrar, mesmo no homem em estado de pecado mortal, verdadeiras virtudes morais adquiridas. Muitos praticam a sobriedade para viver razoavelmente e, pelo mesmo motivo, pagam suas dívidas e fornecem alguns bons princípios aos seus filhos.
Mas, enquanto o homem permanece em estado de pecado mortal, as verdadeiras virtudes encontram-se em estado de disposição pouco estável (in statu dispositionis facile mobilis), não estão ainda em estado de sólida virtude (difficile mobilis). Por que? Porque enquanto o homem estiver em estado de pecado mortal, sua vontade está habitualmente desviada de Deus; em vez de amá-lO acima de tudo, o pecador se ama a si mais que a Deus, donde a grande fraqueza para realizar o bem moral, mesmo o de ordem natural.
Ademais, as verdadeiras virtudes adquiridas que o homem em estado de pecado mortal possuir, carecem de solidez, pois não são conexas, não estão apoiadas o suficiente nas virtudes morais vizinhas, que muitas vezes faltam. Por exemplo, um certo soldado, naturalmente inclinado a atos de bravura e que costuma demonstrar coragem, também tende a enervar-se. Ora, acontece que, em certos dias, por intemperança, falta-lhe a virtude adquirida da força, descuidando de seus deveres essenciais de soldado.2
Esse homem, levado por temperamento a ser corajoso, não tem a virtude da força em estado de virtude. A intemperança faz com que falte à prudência mesmo no domínio próprio da virtude da força. A prudência, que deve guiar todas as virtudes morais, supõe, com efeito, que nossa vontade e sensibilidade estejam habitualmente retificadas quanto ao fim dessas virtudes. Aquele que conduz vários cavalos atrelados a uma charrete necessita que cada um deles já esteja manso e adestrado. Ora, a prudência é um como condutor de todas virtudes morais, «auriga virtutum», devendo tê-las, por assim dizer, todas à mão. Uma não vai sem a outra: elas são conexas na prudência que as dirige.

Por conseguinte, para que as verdadeiras virtudes adquiridas não estejam tão-somente em estado de disposição pouco estável, mas em estado de virtude já sólida (in status virtutis), faz-se mister que estejam conexas e, por isso, que o homem não mais esteja em estado de pecado mortal, mas que sua vontade esteja retificada quanto ao fim último. Convém que ame a Deus mais que a si ― se não um amor sentido, pelo menos um amor de estima, real e eficaz. E isso não é possível sem o estado de graça e a caridade.3
Mas, após a justificação ou conversão, essas verdadeiras virtudes adquiridas podem chegar a ser virtudes estáveis (in statu virtutis); podem tornar-se conexas, apoiar-se uma nas outras. Enfim, sob o influxo da caridade infusa, elas tornam-se o princípio de atos meritórios para a vida eterna. Alguns teólogos, como Duns Scot, por causa disso, chegaram a pensar que não é necessário que haja em nós virtudes morais infusas.

As virtudes morais infusas

As virtudes morais adquiridas, das quais falamos, bastam, sob a influência da caridade, para constituir o organismo espiritual das virtudes nos cristãos? É necessário que recebamos virtudes morais infusas?
O catecismo do Concílio de Trento, conformemente à Tradição e à decisão do papa Clemente V no Concílio de Viena4, a propósito do batismo e seus efeitos, responde: “A graça (santificante), que o batismo comunica, é acompanhada do glorioso cortejo de todas as virtudes que, por um dom especial de Deus, penetram na alma ao mesmo tempo que esta”. É um admirável efeito da Paixão do Salvador, que se nos aplica pelo sacramento da regeneração.
Nisso se manifesta grandíssima conveniência, destacada bem a propósito por Santo Tomás5. É mister, salienta ele, que os meios sejam proporcionados ao fim. Ora, pelas virtudes teologais infusas somos elevados e retificados quanto ao fim último sobrenatural. Convém, pois, grandemente que sejamos elevados e retificados pelas virtudes morais infusas quanto aos meios sobrenaturais capazes de nos conduzir ao fim sobrenatural.

Às nossas necessidades, Deus não proveria menos na ordem da graça do que naquela da natureza. Se nessa última Ele nos deu a capacidade de vir a praticar as virtudes morais adquiridas, convém grandemente que, na ordem da graça, dê-nos as virtudes morais infusas.
As virtudes morais adquiridas não bastam ao cristão para que ele queira como convém os meios sobrenaturais ordenados à vida eterna. Há, de fato, diz Santo Tomás6, uma diferença essencial entre a temperança adquirida, já descrita pelos moralistas pagãos, e a temperança cristã, da qual fala o Evangelho. Aqui existe uma diferença análoga àquela duma oitava, entre duas notas musicais de mesmo nome, separadas por um intervalo completo.
Como destaca Santo Tomás.7, a temperança adquirida possui uma regra e um objeto formal diferentes daqueles da temperança infusa. Ela guarda o justo meio no alimento para que se viva razoavelmente, para que se não lese a saúde nem o exercício de nossa razão. A temperança infusa, pelo contrário, guarda o justo meio superior no uso dos alimentos, para que se viva cristãmente, como filho de Deus, caminhando em direção à vida sobrenatural da eternidade. A segunda também implica uma mortificação mais severa que a primeira, pois exige, como diz São Paulo, que o homem aborreça seu corpo e o reduza à servidão8, para tornar-se não apenas cidadão virtuoso na vida social daqui debaixo, mas “concidadão dos santos, e membro da família de Deus”.9
Diferença semelhante existe entre a virtude adquirida da religião, pela qual se deve prestar a Deus, autor da natureza, o culto que Lhe é devido, e a virtude infusa da religião, pela qual se oferece a Deus, autor da graça, o sacrifício essencialmente sobrenatural da missa, que perpetua em substância o da Cruz.
Entre ambas as virtudes de mesmo nome, há mesmo diferença maior que uma oitava: há diferença de ordem, tanto assim que a virtude adquirida da religião ou a da temperança poderia sempre crescer pela repetição dos atos, sem nunca alcançar a dignidade do menor dos graus da virtude infusa de idêntico nome. Trata-se de outra tonalidade: o espírito que anima a letra não é mais o mesmo. De um lado, só o espírito da reta razão; de outro, o espírito da fé, que vem de Deus.
São dois objetos formais e dois motivos de ação bem diferentes. A prudência adquirida ignora os motivos sobrenaturais da ação; a prudência infusa os conhece: procedendo não tão-somente pela razão, mas pela razão esclarecida pela fé infusa, conhece a elevação infinita de nosso fim último sobrenatural, Deus visto face à face; conhece, por conseguinte, a gravidade do pecado mortal, o valor da graça santificante e das graças atuais ― que devemos implorar diariamente para perseverar ― o valor dos sacramentos que recebemos. Tudo isso a prudência adquirida ignora, pois é de uma ordem essencialmente sobrenatural.
Que diferença entre a modéstia filosófica descrita por Aristóteles e a humildade cristã, que pressupõe o conhecimento dos dois dogmas da criação ex nihilo e da necessidade da graça atual para o menor passo no caminho da salvação!
Que distância entre a virgindade da vestal encarregada de conservar o fogo sagrado e a da virgem cristã, que consagra corpo e coração para Deus, a fim de seguir mais perfeitamente Nosso Senhor Jesus Cristo!
Essas virtudes morais infusas são a prudência cristã, a justiça, a força, a temperança e aquelas que as acompanham, tais como a docilidade e a humildade. Elas são conexas com a caridade, no sentido de que a caridade ― que nos retifica quanto ao fim último sobrenatural ― não pode existir sem elas, sem esta múltipla retificação quanto aos meios sobrenaturais de salvação. Ademais, aquele que por um pecado mortal perde as virtudes infusas, perde a retificação infusa quanto aos meios proporcionados a esse fim. Contudo, não se segue que perca a fé e a esperança, nem as virtudes adquiridas, mas estas não lhe são mais estáveis e conexas. De fato, quem está em estado de pecado mortal não ama mais a Deus, tendendo, por egoísmo, a faltar até com seus deveres na ordem natural.

Relações entre as virtudes morais infusas com as virtudes morais adquiridas

Conforme ao que precede, explicaremos as relações dessas virtudes e sua subordinação.
Antes de mais nada, a facilidade dos atos virtuosos não é garantida do mesmo modo pelas virtudes morais infusas e pelas virtudes morais adquiridas. As infusas fornecem uma facilidade intrínseca, sem que se exclua os obstáculos extrínsecos, os quais são afastados pela repetição dos atos que engendram as virtudes adquiridas.
Inteiramo-nos disso facilmente quando, pela absolvição, as virtudes morais infusas, unidas à graça santificante e à caridade, são recebidas por um penitente que, apesar de ter atrição de suas faltas, não possui as virtudes morais adquiridas. É o que acontece, por exemplo, no caso dos que têm o hábito de irritar-se e que vêm confessar-se, com atrição suficiente, para a Páscoa. Pela absolvição recebe, junto com a caridade, as virtudes morais infusas, dentre as quais a temperança. Contudo, não possui a temperança adquirida. A virtude infusa que ele recebe dá-lhe uma como facilidade intrínseca para exercer os atos obrigatórios de sobriedade; mas essa virtude infusa não exclui os obstáculos extrínsecos, que seriam eliminados pela repetição dos atos que engendram a temperança adquirida.10. Assim, o penitente deve vigiar-se cuidadosamente para evitar as ocasiões que o fariam recair em seu pecado habitual.

Daí temos que a virtude adquirida da temperança facilita muito o exercício da virtude infusa de mesmo nome. Como isso se dá? Elas operam simultaneamente, de tal modo que a virtude adquirida está subordinada à virtude infusa, como uma disposição favorável. Da mesma forma, num outro domínio, para o artista que toca harpa ou piano, a agilidade dos dedos, adquirida pela repetição dos atos, favorece o exercício da arte musical que está, não só nos dedos, mas na inteligência do artista. Se lhe sobrevier uma paralisia, ele perde toda agilidade dos dedos, não podendo mais exercer sua arte, devido a um obstáculo extrínseco. Todavia, sua arte permanece em sua inteligência prática, tal como a vemos num músico de gênio vítima de paralisia. Normalmente, ele a possui como duas funções subordinadas que se exercem conjuntamente. O mesmo vale para a virtude adquirida e para a virtude infusa do mesmo nome.11.
Porém, entre os cristãos mais espirituais, o motivo explícito de ação que mais se manifesta é o sobrenatural; nos demais, o motivo é racional, ficando o sobrenatural um pouco latente (remissus). Da mesma forma, num pianista notamos mais a técnica, mas pouquíssima inspiração; num outro, o inverso se dá. ― Os motivos de razão inferior, que dizem respeito ao nosso bem estar, são mais ou menos explícitos, conforme sejamos mais ou menos desapegados dessas preocupações; ou se, por sentirmo-nos saudáveis, não temos porque ter tais preocupações.
Essas virtudes morais consistem num justo meio entre dois extremos, um por excesso, outro por falta. Deste modo, a virtude da força leva-nos a guardar o justo meio entre o medo, que nos faz fugir do perigo sem motivo razoável, e a temeridade, que nos leva a correr perigo sem razão suficiente. Mal escutam falar deste justo meio, os epicurianos e os tíbios crêem-se possuidores dele, mas não por amor à virtude, mas por comodidade, para fugir dos inconvenientes dos vícios contrários. Confundem o justo meio e a mediocridade, que se encontra não precisamente entre dois males contrários, mas no meio do caminho entre o bem e o mal. A mediocridade ou a tibieza foge do bem superior como a um extremo a se evitar; esconde sua preguiça sob o princípio: “o melhor é às vezes inimigo do bem”, e termina por dizer: “o melhor é frequentemente, se não sempre, o inimigo do bem”. Assim, termina por confundir o bem com a mediocridade.
O justo meio verdadeiro da verdadeira virtude não é tão-somente o meio entre dois vícios contrários, mas também um pico. Ele se eleva como um ponto culminante entre esses desvios opostos entre si; assim, a força está acima do medo e da temeridade; a verdadeira prudência acima da imprudência e da astúcia; a magnanimidade acima da pusilanimidade e da presunção vã e ambiciosa; a liberalidade acima da avareza ou mesquinharia e da prodigalidade; a verdadeira religião acima da impiedade e da superstição.
Esse justo meio, que ao mesmo tempo é um pico, tende ademais a elevar-se, sem se desviar à direita nem à esquerda, à medida que a virtude cresce. Nesse sentido, o crescimento da virtude infusa é superior ao da virtude adquirida correspondente, pois aquela está subordinada a uma regra superior e visa a um objeto mais elevado.

Notemos enfim que os autores espirituais insistem particularmente, como o Evangelho, em certas virtudes morais que têm ligação mais especial para com Deus, uma afinidade com as virtudes teologais. Ei-las: a religião ou a piedade sólida; a penitência, que presta a Deus o culto e a reparação que Lhe são devidas; a mansidão, unida à paciência; a castidade perfeita, a virgindade e a humildade, virtude fundamental que afasta o orgulho, princípio de todo pecado. A humildade, que nos rebaixa diante Deus para elevar-nos acima da pusilanimidade e do orgulho, e dispor-nos à contemplação das coisas divinas, em união com Deus. Humilibus Deus dat gratiam. É aos humildes que Deus dá Sua graça, tornado-os humildes para cumulá-los. Jesus amava dizer: «Recebei minha doutrina, pois sou manso e humildade de coração». Somente Ele, tão assentado em Sua verdade, podia falar em humildade sem perdê-la.
Essas são as virtudes morais (infusas e adquiridas) que, com as virtudes teologais às quais se subordinam, constituem nosso organismo espiritual. É um conjunto de funções de grande harmonia, ainda que o pecado venial venha meter-lhe, com maior ou menor freqüência, falsas notas. Todas as partes de tal organismo espiritual crescem juntas, diz Santo Tomás, como os cinco dedos da mão. É o que prova que não podemos ter uma grande caridade sem possuirmos uma profunda humildade, assim como o galho mais alto duma árvore se eleva ao céu à medida que sua raiz aprofunda-se cada vez mais no solo. Na vida interior, é preciso garantir que nada venha perturbar a harmonia desse organismo espiritual, como ocorre, infelizmente, com aqueles que, mesmo vivendo em estado de graça, parecem mais ocupados das ciências humanas ou das relações exteriores que do crescimento na fé, na confiança e no amor de Deus.
Mas, para se fazer uma justa ideia do organismo espiritual, não basta conhecer essas virtudes, mas ver como elas se dão sob a influência da graça atual, não ignorando as diversas formas sob as quais se apresenta o socorro divino.

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Notas:
Santo Tomás, I-II, q. 63, a. 4 : “Em que as virtudes morais adquiridas são especialmente distintas das virtudes morais infusas?”
2. Cf. Santo Tomás, I-II. q. 65, a. I. Os tomistas geralmente admitem esta proposição: “Possunt esse sine caritate verae virtutes morales acquisitae stout fuerunt in multis gentibus, sed imperfectae”.
3.Cf. Santo Tomás, I II, q. 65, a. 2.  No estado atual da humanidade, todo homem está ou em estado de pecado mortal, ou em estado de graça. Com efeito, desde a queda, o homem não pode amar eficazmente a Deus, autor de sua natureza, mais que a si, sem a graça que o cura ― e essa não é realmente distinta da graça santificante que eleva. Cf. Santo Tomás, II II, q. 109, a. 3.
4.Clemente V, no Concilio de Viena (Denzinger, Enchiridion nº 483), solucionou assim esta questão colocada sob Inocêncio III (Dent., n° 410): ― Utrum fides, caritas, aliaeque virtutes, infundantur parvulis in baptismo. Ele responde : « Nos autem attendentes generalem efficaciam mortis Christi, quae per baptisma applicatur pariter omnibus baptizatis, opinionem secundam, quae dicit, tum parvuiis quam adultis conferri in baptismo informantem gratiam et virtutes, tanquam probabiliorem, et dictis Sanctorum et doctorum modernorum theologiae, magis consonam et concordem, sacro approbante Concilio duximus eligendam.» Ora, por tais palavras, Clemente V entende não somente as virtudes teologais, mas as virtudes morais, pois delas também se tratava na questão feita sob Inocêncio III.
5.  I II, q.63, a. 3.
6. Ibid, a.4.
7.Ibid.
8.I Cor., IX, 27.
9.Efes., II, 19.
10.Daí vem que o penitente conhece por experiência muito mais os obstáculos a vencer que a virtude infusa da temperança, que acaba de receber e que é de ordem por demais elevada para cair sob a apreensão da experiência sensível.
11.No justo, a caridade comanda ou inspira o ato da temperança adquirida pela intermediação do ato simultâneo da temperança infusa. E, ainda que não produzam seus atos, quando essas virtudes se unem numa mesma faculdade, a infusa confirma a adquirida.