terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A VIZINHA DO PRIMEIRO ANDAR (PROSA POÉTICA)



Edilza era seu nome. Tinha cor branca, era alta, cabelos castanhos escuros, curtos e encaracolados, de olhos escuros, nariz afilado e um corpo de causar inveja à muitas mulheres que moravam na mesma rua. Suas belas pernas chamavam a atenção, principalmente pelos vestidos justos e curtos que usava.


Diariamente, pela manhã, saía de casa sempre bem arrumada, usava jóias, unhas bem cuidadas e pintadas com cores fortes e batom vermelho, salto alto e roupas curtas, decotadas e bem justas, o que fazia com que marcasse ainda mais suas curvas generosas.


Sei que minha vizinha era mãe de duas crianças pequenas, que ficavam sozinhas o dia quase todo, com as portas fechadas, apenas uma janela aberta, e através da qual uma vizinha e amiga olhava os meninos. Eu a via sair sempre de carona, todas as manhãs,  num carro vermelho que pertencia ao marido da tal vizinha que olhava as crianças, o mesmo era taxista. 
Não lembro de ter ouvido falar alguma vez sobre o local de trabalho e a profissão de Edilza. Talvez fosse funcionária de alguma loja de roupa. Mas lembro que muitas e muitas vezes observei as outras mulheres tecendo comentários maldosos a respeito da vizinha um tanto misteriosa. Olhares atravessados, conversas ao pé do ouvido daquelas "comadres" e dos homens também era o que não faltavam. 


Os ouvidos e olhares das pessoas desocupadas da Rua Antonio Basílio (em Natal) estavam permanentemente voltados para espionar a vida da vizinha do primeiro andar. Eu tinha apenas 11 ou 12 anos, mas hoje consigo voltar a olhar no retrovisor do tempo decorrido e consigo também fazer um perfil daquela bela e independente mulher. Penso que ela era mãe solteira ou separada. Imagino o quanto sofreu para criar os filhos quando, naquele tempo (final dos anos 60) não havia nenhuma lei obrigando os pais a pagarem pensão alimentícia. 


Apesar da minha pouca idade eu nunca presenciei Edilza na companhia de pessoas de má conduta nem exibindo nenhum tipo de comportamento suspeito. Mas sei que ela era alvo de olhares insinuosos de muitos homens daquela rua, e da inveja das mulheres ciumentas, inseguras e mal amadas. 


Recordo dela como uma pessoa gentil, educada e muito simpática.  Sempre no final da tarde eu a via chegando em casa, após um dia de trabalho cansativo, e quem sabe, mal remunerado, bem mais que nos dias atuais. Penso também no preconceito que enfrentava numa sociedade, onde, após mais de quatro décadas a discriminação contra a mulher ainda é muito forte e diariamente produz suas vítimas em todos os recantos desse país, apesar de tantos avanços na legislação brasileira. Vejo que a minha vizinha  era aquilo que se pode chamar de "uma mulher à frente de seu tempo."


Isis Dumont

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial