O tempo da Quaresma




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A liturgia quaresmal dispõe tanto os catecúmenos, pelos diversos graus da iniciação cristã, como os fiéis, pela comemoração do batismo e da penitência, a celebrarem o mistério pascal.
1. Origem da Palavra
"Quaresma" provém do latim "Quadragésima" e significa "quarenta dias" ou, talvez mais apropriadamente, o "quadragésimo dia". Outras línguas de origem latina expressam essa idéia, como "Carême" em francês, "Quaresima" em italiano, e "Cuaresma" em espanhol. O termo latino, por sua vez, é a tradução do termo grego "Tessarakoste" (=quadragésimo), com certa ligação ao termo "Pentekoste" (Pentecostes = qüinquagésimo), cuja celebração se dá no 50º dia após a Páscoa. Já os países anglo-saxões, usam o termo "Lent", de origem teutônica.

2. Conceito de Quaresma
A Quaresma é o período de preparação para a Páscoa do Senhor, cuja duração é de 40 dias. Tal período, portanto, inicia-se na Quarta-Feira de Cinzas e se estende até o Domingo de Ramos, uma semana antes da Páscoa. O período é, assim, marcado pela penitência, pela realização constante de jejuns, pela conversão e pela preparação dos catecúmenos para o batismo.

No início da Quaresma, na Quarta-Feira de Cinzas, os fiéis têm suas frontes marcadas com cinzas, como os primitivos penitentes públicos, excluídos temporariamente da assembléia (lembrando Adão expulso do Paraíso, de onde vem a fórmula litúrgica: "Lembra-te de que és pó..."). Nos dias que se seguem, redescobrem o significado do batismo e se esforçam para tomar a cruz e seguir fielmente a Cristo.

Aprofundam, então, o ódio que sentem pelo pecado e são ajudados em seus esforços pelas orações em comum.

Esse tempo de penitência é bem recordado pela liturgia: as vestes e os paramentos usados são da cor roxa (no quarto domingo da Quaresma, pode-se usar o rosa, representando a alegria pela proximidade do término da tristeza, pela Páscoa); o Hino de Louvor não é recitado; a aclamação do "Aleluia" também não é feita; não se enfeitam os templos com flores; o uso de instrumentos musicais torna-se moderado, apenas sustentando o canto, etc.

3. Origem do Costume
Ainda que alguns Padres da Igreja, como São Jerônimo (+420), Sócrates historiador (+433) e São Leão Magno (+461) creditem aos Apóstolos a instituição dos quarenta dias de jejum antes da Páscoa, o fato é que o jejum pré-pascal era observado somente em alguns dias, pois nenhum Padre do período pré-Nicéia (325) parece ter conhecimento de tal tradição. Em outras palavras, ainda que o jejum pré-pascal fosse praticado desde os primórdios do Cristianismo, o que denota a existência de uma tradição apostólica sobre o assunto, não existe segurança para afirmar que tal jejum durasse realmente quarenta dias, como dá a entender a quaresma. Prova disso temos em Tertuliano que, ao trocar o Catolicismo pela heresia Montanista, passou a achar deficitário o jejum dos católicos, uma vez que os montanistas jejuavam por 15 dias (de Jejunio II e XIV; de Orat. XVIII); também Santo Ireneu, em uma carta dirigida ao papa São Vítor, sobre a controvérsia da data da Páscoa, diz que "alguns acham qu e devem jejuar por um dia, outros por dois dias, outros por vários dias, e ainda há outros que calculam 40 horas do dia e da noite para realizarem o jejum"; a Didascália dos Apóstolos (250) e S. Dionísio de Alexandria também mencionam o jejum pascal de forma difusa. Parece que a primeira menção à Quaresma, como período de jejum de 40 dias, pode ser encontrada nas Cartas Festais de Santo Atanásio (331) e depois, em 339, da pena do mesmo santo, ao se dirigir à comunidade de Alexandria, pedindo para que esta observe o costume dos 40 dias conforme praticado pela Igreja de Roma e grande parte da Europa.

4. Os Quarenta Dias
Indubitavelmente, o período de tentação de Cristo no deserto, bem como os exemplos de Noé (40 dias na Arca), Moisés (40 anos vagando no deserto) e Elias, exerceram grande influência na determinação do tempo de duração da Quaresma. É ainda possível que o fato de Cristo ter permanecido por volta de 40 horas no sepulcro, tenha também sido levado em conta...

O historiador Sócrates nos informa, no séc. V, que a Quaresma durava seis semanas em Roma, mas apenas três destas semanas eram dedicadas ao jejum: a primeira, a quarta e a sexta. Tendo, porém, o número de 40 dias se estabelecido solidamente, outra alteração acabou por se introduzir: deixou-se de se fazer alguns jejuns durante o período de 40 dias e passou-se a jejuar durante todo o período de 40 dias...

Em Peregrinação de Etéria, fala-se de um jejum de oito semanas praticado pela comunidade de Jerusalém, excluídos os sábados e domingos; temos, assim, oito semanas de cinco dias, o que totaliza os 40 dias de jejum.

Já no tempo de São Gregório Magno (590-604), Roma observa seis semanas de seis dias, totalizando 36 dias, a décima parte de um ano completo (365 dias). Contudo, algum tempo depois, o desejo de manter-se os 40 dias fez com que se esticasse o período até a Quarta-Feira de Cinzas, como ainda hoje é praticado.

5. Natureza do Jejum
Também não são poucas as posições sobre este tema. Sócrates, ao se referir em sua História Eclesiástica (V,22) sobre a prática do séc. V, nos informa que "alguns se abstêm de todo tipo de criatura que tenha vida, outros comem somente peixe. Alguns comem pássaros e peixes [...]; outros se abstêm dos frutos de casca dura e de ovos. Alguns comem somente pão; outros nem isso. Há também os que se fartam de comida após a hora nona".

Epifânio, Paládio e o autor de "Vida de São Melânio o Jovem" eram mais rigorosos, defendendo um jejum completo de 24 horas ou mais, especialmente durante a Semana Santa.

Entretanto, São Gregório, escrevendo para Santo Agostinho da Inglaterra, dita a regra: "nós nos abstemos da carne fresca e de todas as coisas que vêm da carne fresca, como o leite, o queijo e os ovos". Foi essa decisão que mais tarde passou a figurar no "Corpus Iuris", tornando-se a regra comum da Igreja, ainda que algumas exceções e dispensas, especialmente quanto aos laticínios, fossem permitidas.

Quanto ao relaxamento dos jejuns, vemos que já desde os tempos do historiador Sócrates (séc. V) havia cristãos que praticavam o jejum até a hora nona, isto é, até às três horas da tarde; já por volta do ano 800, passou-se a praticar até às duas horas da tarde. As regras atuais da Igreja para o jejum, bem como para a Quaresma podem ser encontradas nos cânones 1249 à 1253 do Código de Direito Canônico, conforme transcrito abaixo:

"Cân.1249 - Todos os fiéis, cada qual a seu modo, estão obrigados por lei divina a fazer penitência; mas, para que todos sejam unidos mediante certa observância comum da penitência, são prescritos dias penitenciais, em que os fiéis se dediquem de modo especial à oração, façam obras de piedade e caridade, renunciem a si mesmos, cumprindo ainda mais fielmente as próprias obrigações e observando principalmente o jejum e a abstinência, de acordo com os cânones seguintes.

Cân.1250 - Os dias e tempos penitenciais, em toda a Igreja, são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma.

Cân.1251 - Observe-se a abstinência de carne ou de outro alimento, segundo as prescrições da Conferência dos Bispos, em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; observem-se a abstinência e o jejum na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Cân.1252 - Estão obrigados à lei da abstinência aqueles que tiverem completado catorze anos de idade; estão obrigados à lei do jejum todos os maiores de idade até os sessenta anos começados. Todavia, os pastores de almas e os pais cuidem que sejam formados para o genuíno sentido da penitência também os que não estão obrigados à lei do jejum e da abstinência, em razão da pouca idade.

Cân. 1253 - A Conferência dos Bispos pode determinar mais exatamente a observância do jejum e da abstinência, como também substituí-los total ou parcialmente, por outras formas de penitência, principalmente por obras de caridade e exercícios de piedade".

Isto colocado, observamos, segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o seguinte:

a.. A abstinência começa aos catorze anos e vai até o final da vida.
b.. O jejum se inicia aos dezoito anos e vai até os cinqüenta e nove anos completos.
c.. Tradicionalmente, o jejum consiste em não se tomar mais que uma refeição completa ao dia ou, então, em ingerir alguma quantidade de alimento até duas vezes ao dia.
d.. A CNBB determinou que, exceto na Sexta-Feira Santa, todas as outras sextas-feiras, inclusive as da Quaresma, têm sua abstinência convertida em "outras formas de penitência, principalmente em obras de caridade e exercícios de piedade".

Para finalizar, existem documentos do Magistério que abordam o assunto, principalmente quanto a abstinência e o jejum, tão ligados à Quaresma, de uma forma mais exaustiva. São eles:

1.. Constituição Apostólica "Paenitemini", de Paulo VI;
2.. Exortação Apostólica "Reconciliatio et Paenitentia", de João Paulo II.

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Abstinência

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