Com torcida, 'balada' e cultura, casas de países viram alternativa a ingressos caros na Rio 2016


Casa da ÁustriaImage copyrightBBC BRASIL
Image captionCariocas e visitantes dizem que preço de ingressos os faz optar por "circuito" de casas de países na Olimpíada
Enquanto as fotos de arquibancadas vazias nas arenas esportivas preocupam a organização dos Jogos Olímpicos, as casas dos países visitantes não parecem ter do que se queixar.
Com espaços lotados e longas filas, elas já são consideradas pelos torcedores um dos maiores sucessos da Rio 2016.
"Ficamos surpresos com a recepção. Temos filas de 600 pessoas para entrar aqui desde as 9h30 da manhã", diz Florian Gosch, chefe de marketing e responsável pela Casa da Áustria, em Botafogo.
Tradicionalmente, as hospitality houses (casas de recepção, em tradução livre), como são chamadas, funcionam como locais para reunir os cidadãos do país, comemorar medalhas de seus jogadores, realizar reuniões de negócios e promoção de turismo.
As casas costumavam ser fechadas ao público - muitas ainda são. Mas desde os Jogos de Barcelona, em 1992, começaram a oferecer atividades abertas, pagas ou gratuitas.
Em Londres 2012, a Áustria já tinha entrado na moda, com música ao vivo, bar, telões e comidas típicas oferecidas a preços acessíveis. Mesmo assim, os organizadores não esperavam a recepção do Rio.
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Image captionCasa austríaca, com atrações musicais "importadas" e ambiente de festa, tem fila desde as 9h30 da manhã
"Em Londres tivemos 45 mil pessoas em toda a Olimpíada. Aqui já são 26 mil do dia 4 ao dia 10 de agosto. Ouvimos de algumas pessoas que elas tinham ingressos para ver uma competição, mas decidiram ficar aqui", comemora Gosch.
Para as competições, isso pode não ser tão bom. Comentaristas lamentam que os preços altos e a quantidade de entradas cedidas a patrocinadores e não usados contribuem para o esvaziamento dos estádios - ainda que o país tenha batido sua meta de arrecadação com ingressos dois dias antes da abertura oficial.

'Mais jovem' ou 'mais família'

No início da tarde, a funcionária pública curitibana Mariana Mangueira, de 29 anos, e seus amigos já estão dançando diante do DJ "importado" na Casa da Áustria.
"Temos ingressos para o hipismo, o vôlei de praia e o levantamento de peso, mas já ouvimos dizer que as casas estão melhores do que os Jogos", diz à BBC Brasil.
"Temos poucos ingressos e comprar mais dependeria dos preços, que estão altos. Acho que vamos ficar só rodando nas casas."
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Image caption"Baixo Suíça", na Lagoa, tem maior número de visitantes até agora, com atrações para famílias com crianças
O amigo carioca que a recebe, o advogado Felipe Peixoto, de 29 anos, já tem um roteiro.
"Ouvimos falar que as casas da Áustria, da Holanda e da França eram as mais jovens, têm mais festas. As outras são mais casas culturais, para famílias com crianças", afirma.
De família e acessibilidade, a Suíça provou que entende. O espaço do país, também gratuito e aberto ao público, na Lagoa Rodrigo de Freitas, é um dos mais comentados da cidade.
Já passaram por ali quase 100 mil pessoas desde o dia 1º de agosto, cerca de 10 mil por dia - a meta, "otimista, porém possível", segundo o responsável Nicolas Bideau, é de meio milhão de pessoas até o fim dos Jogos Paralímpicos, em setembro.
"Já vínhamos estudando o que funcionava no Brasil desde a Copa do Mundo 2014. Mas ficamos surpresos com o quão rápido foi (o sucesso de público)", disse à BBC Brasil.
Visitantes elogiam torcida Image copyrightBBC BRASIL
Image captionVisitantes elogiam torcida "autêntica", ambiente familiar e festas da casa francesa, mas reclamam de preços
A fila para o "Baixo Suíça" - como é chamado o local, em uma brincadeira com apelidos dados pelos cariocas a algumas regiões da Zona Sul - é ainda mais longa do que a da casa austríaca.
"Tivemos que limitar a fila a duas horas, avisamos às pessoas. Na Suíça é impensável alguém esperar duas horas para patinar e tomar vinho suíço, mas aqui acontece", diz Bideau.
Os visitantes são atraídos pela pista de patinação no gelo, uma pista de atletismo infantil, um carro de bondinho que simula a experiência de estar nos alpes suíços, além de shows e uma minifazenda urbana.
A família do militar Elias Pinheiro, de 43 anos, encontrou nesses espaços um meio-termo para aproveitar uma Olimpíada que não aprova.
"Primeiro estávamos meio contra, como muitos brasileiros. Em meio a tanta dificuldade acho que não deveríamos comemorar nada. Mas começou e resolvermos nos divertir um pouco, fazer o quê."
"Estávamos bem revoltados", diz sua esposa, a professora da rede estadual Alcimar Mota. "Não pagam nem servidor nem aposentado, mas fazem obra para a Olimpíada."
Elias Pinheiro e a esposa disseram estar Image copyrightBBC BRASIL
Image captionElias Pinheiro e a esposa disseram estar "revoltados" com Olimpíada, e preferiram assistir aos jogos sem ir aos estádios
Suas quatro filhas, no entanto, estavam menos incomodadas. Duas delas foram assistir a um jogo de rúgbi no Parque Olímpico de Deodoro e gostaram da experiência - mas que pode ter sido a única.
"Os preços estão altos para uma família grande como a nossa. Podia ter um desconto para brasileiro. Preferimos assistir em casa porque é mais seguro", diz o pai.

Deslocamento e torcida 'autêntica'

A maior parte das casas de países - e as mais visitadas - fica na Zona Sul e no Centro do Rio, locais onde costumam se concentrar mais turistas brasileiros e estrangeiros.
"Eu trabalho na Barra, mas nos Jogos tenho achado melhor ficar por aqui. O deslocamento para lá é grande e aqui o contato com as pessoas é maior. Ajuda no clima", diz a citologista Luanda Santos, de 36 anos.
Casas também viraram escolha de quem não quer ir até a Barra assistir às competiçõesImage copyrightBBC BRASIL
Image captionCasas também viraram escolha de quem não quer ir até a Barra assistir às competições
Enquanto enfrenta uma fila para comer crepes no Club France, como é chamada a Casa da França, na Sociedade Hípica Brasileira, Luanda e a colega Mariza Barros, de 45 anos, comparam as casas que já visitaram e pensam nas próximas.
"A Casa da França é a mais interativa, mas os preços são mais salgados. Na da Áustria a bebida é mais em conta, mas é muito balada. Queríamos saber mais da cultura do país", diz Mariza.
"A casa da Coreia é simples, mas tem umas danças típicas legais. Na do Brasil tem uma exposição bonita sobre cada região, mas quando fomos não tinha tanta gente."
O espaço francês, um dos maiores desta edição dos Jogos, cobra uma entrada de R$ 20 - uma demanda da Sociedade Hípica, de acordo com os organizadores.
A entrada dá direito a permanecer o dia inteiro fazendo atividades esportivas para adultos e crianças e assistir às competições, francesas, em um telão. Food trucksservem comida francesa, bebida e hambúrgueres, pagos à parte.
Quando a reportagem chegou ao local, França e Brasil se enfrentavam no judô feminino. Na troca de vaias e aplausos entre os torcedores, deu França.
À noite, no entanto, o ambiente familiar dá lugar a apresentações de DJs e festas cujo preço pode chegar a 40 euros (R$ 142) e ir até às cinco da manhã.
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Image caption"Não sabíamos que isso existia, queremos ir a todas", diz designer carioca
"Acho que eles podiam ter cobrado um pouco mais na entrada", diz a tabeliã Edyane Cordeiro, de 48 anos, que é sócia do clube hípico e elegeu a casa como "a mais sofisticada".
"É barato para entrar e a pessoa acha que pode ficar a noite toda. Mas os preços aqui dentro são mais altos e, no fim, não pode. R$ 220 uma garrafa de champanhe?", disse à BBC Brasil.
Ela elogia, no entanto, o clima de torcida. "Aqui tem mais liberdade, a gente pode gritar, fazer o que quiser. É mais autêntico."

Para poucos

Sem DJs nem bebidas alcoólicas, a Casa do Catar, hospedada no antigo museu Casa Daros, em Botafogo, tornou-se um dos espaços mais cobiçados do Rio olímpico.
"Tentamos comprar ingressos quatro vezes pela internet e eles acabavam. Me avisaram que de vez em quando havia desistências e eles voltavam a abrir vagas", diz a designer carioca Mila Fonseca, de 24 anos.
"Ficava que nem uma louca no celular e, se eles abriam vaga e eu não conseguia comprar, ligava para o meu namorado e pedia pra ele. Quando conseguimos ficamos muito felizes."
Ingressos para casa do Catar, a mais cobiçada, esgotaram até o fim da OlimpíadaImage copyrightBBC BRASIL
Image captionIngressos para casa do Catar, a mais cobiçada, esgotaram até o fim da Olimpíada
A casa também cobra uma entrada de R$ 20, que é revertida para um projeto social esportivo do Rio e dá direito a um lanche inspirado na comida do Oriente Médio elaborado pelo chef brasileiro Alex Atala e a uma visita guiada pelas instalações.
Entre as atrações estão tatuadores de henna, caligrafia árabe e uma sala onde é possível criar um mosaico árabe com imagens do país, que o visitante recebe como pôster.
Uma loja vende produtos inspirados na cultura catariana feitos por artistas brasileiros - incluindo um broche oficial da casa banhado a ouro. Em um restaurante e salões luxuosos acontecem as reuniões com atletas, autoridades e empresários.
O telão exibe competições diversas, incluindo muitas do Brasil - já que a pequena delegação do Catar apenas em seis modalidades esportivas.
Os ingressos já estão esgotados até o fim da Olimpíada.
bbc brasil

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