terça-feira, 16 de maio de 2023

Abolição, 135 anos: os ex-escravizados que voltaram para a África e fundaram comunidade que segue tradições brasileiras

 


  • Julia Braun
  • Role,Da BBC Brasil em Londres
  • 12 maio 2023

O 13 de maio entrou para a história do Brasil como o dia em que a Lei Áurea foi assinada. O ano era 1888 - ou seja, há exatos 135 anos - e, no papel, foi decretado: "É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil".

Mas antes mesmo da assinatura do documento, milhares de homens e mulheres arrancados à força de suas terras natais começaram um processo pouco conhecido de retorno às suas origens.

Ao todo, estima-se que entre 3 mil e 8 mil afro-brasileiros tenham retornado ao continente africano durante o século XIX.

Eles implantaram o único exemplo, até então, de cultura brasileira exportada no mundo em comunidades na costa da África Ocidental, em territórios que hoje são chamados de Benin, Togo, Nigéria e Gana.

Neste último, os retornados ficaram conhecidos como Tabom por se comunicarem em português e usarem com frequência a frase "tá bom".

"Há duas versões para esse nome", explica a historiadora Monica Lima e Souza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

"A primeira é que como muitos deles não falavam bem a língua local, respondiam 'tá bom' para tudo que não entendiam. Já a segunda é que o 'tá bom' era usado com frequência como uma saudação, uma forma de saber se a outra pessoa estava bem."

A comunidade que floresceu nos arredores do que é hoje a capital Acra ainda existe.

Apesar de pouco numerosas, algumas famílias ainda carregam sobrenomes luso-brasileiros e realizam cerimônias com danças que misturam a tradição local à brasileira.

Além disso, também é possível encontrar pratos típicos brasileiros, como a feijoada, sendo servidos em encontros da comunidade.

O retorno

Historiadores se baseiam em alguns poucos documentos da época e principalmente na história oral para reconstruir a história dos retornados.

Considera-se que os primeiros brasileiros a chegar à área da Costa Ocidental da África desembarcaram antes da década de 1830 e eram traficantes de escravos ou pessoas próximas.

Grupo de brasileiros de descendência africana no convés de um navio a caminho  da  África  Ocidental

CRÉDITO,COLEÇÃO DA BIBLIOTECA NACIONAL

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Grupo de brasileiros de descendência africana no convés de um navio a caminho da África Ocidental

"Mas a partir da década de 1830 muitos retornos passaram a ter relação com as rebeliões e insurgências que aconteciam no Brasil, em especial a Revolta dos Malês em Salvador, na Bahia", explica Monica Lima e Souza.

Segundo a historiadora, muitos dos escravizados libertos passaram a ser vigiados e perseguidos após esses movimentos e viram o retorno à África como uma alternativa. Muitos dos envolvidos também foram deportados à força.

É neste contexto que alguns historiadores incluem a chegada a Acra, nas primeiras décadas do século XIX, de um pequeno grupo de escravizados que conquistou sua liberdade em território brasileiro e viajou de navio a Gana.

Posteriormente, a partir da década de 1850, uma nova leva de pessoas, motivadas principalmente pelo fim do tráfico de escravizados no Brasil, passou a retornar à África. "O objetivo principal delas era promover uma atividade comercial livre e combater o tráfico atlântico ou interno que ainda acontecia", diz Souza.

Há notícias ainda de um grupo significativo de retornados que chegou a Gana vindo da Nigéria em um barco oferecido pelo governo inglês.

A viagem supostamente deveria ser apenas para visita, mas eles foram tão bem recebidos pelos chefes das comunidades locais que resolveram ficar.

Vida em Gana

A historiadora da UFRJ explica que muitos dos escravizados que decidiram deixar o Brasil eram nascidos na África que, após terem seus laços com suas comunidades originais cortados à força, acabaram se familiarizando mais com a cultura brasileira e o português do que com suas próprias tradições.

Após conquistarem sua liberdade e um certo conforto financeiro, decidiram voltar em busca de oportunidades na área comercial. "No litoral da região que hoje é Acra existiam três grandes fortes - um holandês, outro britânico e outro dinamarquês - e em torno deles se desenvolveu a ocupação", explica.

Antes da abolição do tráfico, os fortes eram usados pelos europeus para comércio de ouro e escravizados.

"Quem retornava eram os libertos com condições financeiras melhores, seja porque conseguiram reunir dinheiro por meio do seu trabalho ou porque a família ou conhecidos bancavam a viagem", diz Souza.

Segundo a professora, os custos da travessia eram altos e incluíam não só a passagem de navio como contratos para alimentação e segurança.

Já em solo africano, os registros dão conta de que os brasileiros foram bem recebidos pelas comunidades e pelos holandeses que controlavam a região, recebendo terras para se estabelecer.

Em seu livro Sou brasileiro: história dos tabon afro-brasileiros em Acra, Gana, os autores Alcione Meira Amos e Ebenezer Ayesu afirmam que alguns dos afro-brasileiros ainda chegaram com habilidades profissionais e dinheiro, recursos que eram bem recebidos pela população local.

"Entre eles, de acordo com documentos encontrados, havia pedreiros, carpinteiros, alfaiates, ferreiros, ourives, escavadores de poços de água potável e famílias com habilidades no cultivo agrícola", diz a obra.

Ilustração mostra Forte Ussher em Acra, Gana, construído pelos holandeses em 1649

CRÉDITO,UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/UIG VIA GETTY IMAGES

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Ilustração mostra Forte Ussher em Acra, Gana, construído pelos holandeses em 1649

Ainda segundo os historiadores, a comunidade de casas dos recém-chegados cresceu rapidamente e passou a contrastar com as residências da população local - enquanto os afro-brasileiros edificaram os prédios com pedra, como haviam aprendido no Brasil, os locais cobriam suas moradias com sapé.

"Especialmente os retornados que chegam da década de 1980 em diante tinham uma visão sobre suas próprias comunidades muito baseada na ideia de que eles eram mais ocidentalizados, mais educados e até mais brancos", diz Monica Lima e Souza.

E apesar de terem vivido alguns anos no Brasil, muitos dos primeiros Tabom a chegarem em Gana eram muçulmanos. Mas segundo os registros, a grande maioria logo se converteu ao Cristianismo, em especial ao Anglicanismo e ao Metodismo, devido à influência europeia na região.

Os Tabom e a escravidão

Mas mesmo após o fim do tráfico e apesar de suas origens, muitos Tabom ainda mantiveram uma relação com a escravidão após deixarem o Brasil e, além de manterem escravizados em casa, atuavam no comércio.

Segundo conta em alguns livors de história, em 1845, o governador dinamarquês Edward Carstensen reportou que "a Acra holandesa tem sido há algum tempo o centro de comerciantes de escravos, especialmente os negros brasileiros emigrados".

O governador Carstensen continuou afirmando que, três meses antes, um desses traficantes brasileiros tinha sido preso no interior do país conduzindo dois escravos para a costa para serem vendidos.

Quase vinte anos depois, em 1864, era ainda relatado que os afro-brasileiros de Acra estavam controlando "um florescente comércio de escravos do território Ewe para Acra".

Farol de Jamestown, em Acra

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Farol de Jamestown, em Acra: maior parte dos descendentes dos retornados de Gana vive na região

No entanto, em Gana e na África Ocidental em geral, a escravatura naquele momento diferia em natureza daquela que existiu no Brasil e nos Estados Unidos. Os escravizados eram considerados parte da família e do clã de seus captores e por isso poderiam até mesmo chegar a ocupar uma posição de autoridade.

"Regras sociais e costumes [...] protegiam muito da dignidade do escravo [...] escravidão nativa em Gana não era [racial]", define Akosua Perbi, professora de história na Universidade de Gana e estudiosa do tema.

A comunidade hoje

Brazil House: primeira casa que abrigou os Tabon em Acra

CRÉDITO,BRAZIL HOUSE

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Brazil House: primeira casa que abrigou os Tabom em Acra

Não há uma estimativa oficial do total de descendentes do povo Tabom que ainda vivem hoje em Gana, uma vez que não existe um censo específico para isso, mas especula-se que a comunidade esteja em torno de 5 mil pessoas.

Eles estão organizados como sempre estiveram desde o seu retorno à África, com um sistema de chefia tradicional equivalente ao do Gana, com um Mantse (chefe ou rei). O Mantse Nii Azumah V é o atual líder da comunidade.

Mas segundo historiadores que se debruçaram sobre o tema, diferente da experiência dos ex-escravizados que retornaram para o Benin ou Nigéria, os Tabom de Gana não possuem mais uma forte influência da cultura brasileira.

O presidente Lula se encontrou com descendentes de brasileiros escravizados em Acra em 2005

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

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O presidente Lula se encontrou com descendentes de brasileiros escravizados em Acra em 2005

Nem todos mantêm uma ligação com as tradições brasileiras, sabem detalhes de sua ascendência ou sabem falar português. Ainda é possível escutar trechos de música na língua, mas segundo pesquisadores que estudam as comunidades seus integrantes na maioria das vezes não sabem o que as palavras significam.

Para Alcione Meira Amos e Ebenezer Ayesu, essa perda da identidade "pode estar relacionada ao fato de que alguns dos imigrantes muçulmanos que chegaram da Bahia a Acra nas décadas iniciais do século XIX, não tenham ficado no Brasil por muito tempo".

Além disso, segundo os autores, os Tabom acabaram se fundindo de forma mais intensa com a comunidade local acabaram, por vezes, deixando de lado a cultura que haviam trazido do Brasil.

Ainda assim, muitos de seus descendentes ainda vivem em uma área que fica de frente para o mar e próxima ao antigo porto de Acra chamada Jamestown.

Lá há uma rua chamada Brazil Lane, onde está localizada a primeira casa que abrigou os Tabon, a Brazil House, e que hoje funciona também como museu e acervo.

O que há de errado com os católicos? (Com Pe. José Eduardo)

quarta-feira, 10 de maio de 2023

'Dor e alegria': o reencontro de pai e filhas separados na imigração dos EUA há 4 anos

 




  • Madeline Halpert
  • Role,Da BBC News em Nova York

Jose Luis Martinez ainda se lembra dos gritos das três filhas depois que as autoridades de fronteira dos EUA as separaram dele e o enviaram para um centro de detenção.

"Elas estavam chorando sem parar", diz ele. "A mãe delas já havia morrido. Tudo o que eles queriam era o pai. Eu era a única coisa que elas tinham."

Era pouco depois de meia-noite de 2 de novembro de 2018. Martinez e as filhas tinham percorrido mais de 3.200 quilômetros de ônibus desde seu país natal, Honduras, em uma viagem de 15 dias até a fronteira do Texas, na tentativa de entrar nos EUA para pedir asilo. As meninas tinham, na época, 10, 12 e 14 anos.

Durante um mês, Martinez perguntou repetidamente às autoridades americanas quando poderia ver suas filhas novamente. Ele não teve respostas.

O governo americano acabou deportando Martinez de volta para Honduras, alegando que ele havia entrado ilegalmente nos Estados Unidos.

Ele teve que esperar quase quatro anos para finalmente reencontrar as filhas nos Estados Unidos, onde elas estavam morando com a mãe dele e a irmã.

"Elas me ligavam e diziam: 'Papai, papai, por que você voltou? E eu tive que dizer a elas que fui deportado', conta Martinez à BBC. "Foi muito difícil."

Entre 2017 e 2021, o governo do ex-presidente Donald Trump separou pelo menos 3,9 mil crianças — algumas com apenas alguns meses de vida — dos pais ao longo da fronteira dos EUA com o México, sob o que chamou de política de "tolerância zero".

A política tinha como objetivo desencorajar migrantes de entrar nos Estados Unidos e permitia que o Departamento de Justiça processasse e deportasse adultos que cruzassem a fronteira ilegalmente, colocando seus filhos sob custódia do governo.

As crianças, principalmente da Guatemala, Honduras e El Salvador, passaram dias em centros de detenção, onde algumas foram amontoadas em uma espécie de "jaula" de metal, sem acesso a banho e alimentação adequada.

Centenas de crianças tiveram que esperar anos, algumas mais da metade de suas vidas, nos Estados Unidos, em lares adotivos e com parentes e amigos antes de verem sua família imediata novamente.

O presidente dos EUA, Joe Biden, rescindiu oficialmente a política de tolerância zero poucos dias após assumir o cargo. Um mês depois, ele criou a Força Tarefa de Reunificação Familiar para desfazer o que chamou de "vergonha moral e nacional" das separações.

Anteriormente, a maioria dos pais era forçada a escolher entre ter o filho de volta para morar com eles no país de onde haviam fugido ou deixá-los para trás nos Estados Unidos. Mas sob a nova política do governo Biden, pais que foram deportados, como Martinez, foram autorizados a reencontrar os filhos nos Estados Unidos e a permanecer no país por três anos.

Em março de 2023, o governo americano informou que 2.969 crianças que haviam sido separadas dos pais durante o governo Trump foram reunidas com seus familiares nos EUA, incluindo algumas que foram reunidas durante o mandato de Trump.

Mas no aniversário de cinco anos do dia em que a política foi anunciada, aproximadamente 1.000 crianças ainda estão esperando esse momento, segundo o governo dos EUA.

Ativistas dizem que o governo Trump não manteve bancos de dados ou registros minuciosos vinculando as informações dos pais aos filhos, o que várias reportagens da revista The Atlantic, da rede NBC e outros veículos de comunicação também revelaram.

Como resultado, a equipe de Biden herdou um "desastre", diz Lisa Frydman, vice-presidente de programas internacionais da Kids In Need of Defense (KIND), outra organização envolvida em entrar em contato com as famílias de migrantes.

Reunindo quem foi separado

Grupos sem fins lucrativos dentro e fora dos EUA entraram em cena para ajudar no que pode ser comparado a uma caça internacional a pessoas desaparecidas, com poucas pistas e muito sofrimento em jogo.

Munidas às vezes apenas de números de telefone desatualizados, as organizações de vez em quando enviam profissionais de direitos humanos a aldeias remotas em países da América Central à procura dos pais das crianças.

"Tem sido perigoso, demorado, exige muitos recursos e foi muito mais difícil durante a covid", conta Lee Gelernt, do Projeto Nacional de Direitos dos Imigrantes da American Civil Liberties Union, uma das várias organizações que lideram esforços para ajudar a contatar as famílias.

Quando grupos baseados nos Estados Unidos precisam de apoio local, eles chamam pessoas como Rebeca Sanchez Ralda, uma advogada da Cidade da Guatemala e ativista de direitos humanos da Justice In Motion.

Rebeca Sanchez Ralda

CRÉDITO,KENNY GONZALEZ

Legenda da foto,

Rebeca Sanchez Ralda passou várias manhãs caminhando com destino a aldeias remotas na tentativa de encontrar os pais de crianças separadas na fronteira

Ela e seus colegas de trabalho passam horas vasculhando registros civis e perfis do Facebook para encontrar pistas do paradeiro dos pais — às vezes, com apenas um sobrenome comum para ir atrás.

Muitas das pessoas que eles procuram vivem em locais remotos e falam línguas indígenas que os profissionais americanos não falam com frequência. Quando os ativistas de direitos humanos acham uma pista, a jornada pode ser longa e complexa. Sanchez Ralda disse que passou manhãs inteiras caminhando em estradas traiçoeiras para chegar a comunidades isoladas.

Quando ela finalmente localiza os pais que tiveram seus filhos levados embora, eles geralmente não acreditam de cara que poderiam recuperá-los. Muitos pais, diz ela, desenvolveram uma profunda desconfiança em relação ao governo dos Estados Unidos e têm receio de receber ajuda.

Mas quando as famílias que conseguem se reencontrar, é uma alegria, acrescenta ela. "Muitos deles nunca pensaram que os veriam novamente", afirma.

Organizações sem fins lucrativos localizaram cerca de 1,5 mil famílias desde 2018, estima Gelernt.

Mas alguns ativistas disseram à BBC que estavam preocupados que as decisões relacionadas à política de imigração dos EUA pudessem levar a mais separações de famílias.

O governo Biden tomou uma série de medidas para tentar impedir o fluxo de migrantes ilegais na fronteira, especialmente diante da expectativa do término da política Title 42 do governo Trump, que deu ao governo o poder de expulsar automaticamente migrantes sem documentação para seu país de origem ou o último país em que estiveram — na maioria das vezes, o México.

Em fevereiro, por exemplo, a equipe de Biden disse que consideraria "inelegíveis" para asilo os migrantes que não tentassem buscar asilo no primeiro país pelo qual passaram a caminho da fronteira com os Estados Unidos, com pouquíssimas exceções. Além disso, os migrantes flagrados cruzando ilegalmente serão impedidos de entrar novamente nos EUA por pelo menos cinco anos.

Depois, o jornal americano New York Times informou em março que o governo Biden estava considerando restabelecer em maio uma prática da era Trump de deter famílias migrantes com os filhos se eles entrassem nos EUA ilegalmente, uma medida que Biden suspendeu ao assumir o cargo.

Embora a prática seja diferente da política de tolerância zero de Trump, os ativistas estão preocupados que isso possa levar a separações familiares, à medida que pode motivar os pais a enviar seus filhos para a fronteira sozinhos, já que menores desacompanhados podem ser libertados da custódia do governo para viver com familiares ou outros patrocinadores nos EUA.

"A implementação desta política seria desastrosa", afirma Jennifer Podkul, vice-presidente de política e defesa da KIND.

A Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário sobre se estava considerando a medida.

'Como um sequestro'

Os líderes das organizações sem fins lucrativos argumentam que muito mais trabalho precisa ser feito para ajudar as famílias a se recuperarem do trauma da separação.

Alguns pais que tiveram que deixar seus filhos nos EUA tentaram suicídio, atormentados pela culpa e desorientação em relação a dor que seus filhos foram tirados deles, diz Cathleen Caron, fundadora da Justice in Motion, organização de direitos de migrantes que atua no México e no norte da América Central.

No caso das crianças, ela acrescenta, resulta em pesadelos e "traumas profundos".

Algumas, que tinham apenas um ano de idade quando foram separadas, nem sequer se lembram dos pais quando se reencontram, diz Gelernt. Ele se recorda de um menino de quatro anos, uma das primeiras famílias que a ACLU ajudou a reunir, que ficava perguntando aos pais se alguém iria levá-lo embora no meio da noite.

Outros agora se recusam a falar suas línguas ou a comer a comida que suas famílias preparam para eles, afirma Sanchez Ralda.

"As pessoas não têm ideia do dano que isso causou", ela acrescenta. "Foi como um sequestro."

Os ativistas dizem que as famílias precisam de mais apoio financeiro e jurídico do governo dos EUA para ajudá-las a se recuperar uma vez reunidas com seus filhos nos EUA, já que muitas não têm acesso a moradia consistente.

Em 2021, o governo Biden estava negociando com as famílias o pagamento total de até US$ 1 bilhão em indenizações pelas separações, em resposta a um processo separado movido pela ACLU, mas essas discussões foram interrompidas após a reação dos republicanos.

E embora a força-tarefa de Biden tenha reunido famílias, a condição de permanecer por apenas três anos nos EUA as deixa em uma situação precária, observa Caron. Segundo ela, algumas famílias podem enfrentar a deportação após esse período ou a possibilidade de outra separação familiar, se os filhos conseguirem estabelecer uma maneira de permanecer no país enquanto seus pais são deportados.

"Quando você não sente que está seguro, é muito difícil se recuperar", diz Caron.

Misto de dor e alegria

Para Martinez, de 54 anos, a jornada para reencontrar as filhas — agora com 14, 16 e 18 anos — se revelou um misto de dor e alegria.

"Fiquei muito feliz em saber que poderia estar lá e que poderia pelo menos começar a ajudá-las desde o momento que cheguei, mas também foi muito doloroso por tudo que sofremos", afirma.

Jose Luis Martinez e a advogada das filhas, Anilu Chadwick

CRÉDITO,MEGAN MCKENNA

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As filhas de Jose Luiz Martinez (à direita) ficaram eufóricas quando souberam que se reencontrariam com o pai, contou sua ex-advogada Anilu Chadwick (à esquerda)

Para as meninas, a notícia de que veriam o pai novamente gerou uma felicidade pura e incontrolável, segundo sua ex-advogada, Anilu Chadwick.

"Elas começaram a chorar e gritar. Eu queria gritar também", diz ela. "A sensação de alívio foi instantânea."

Martinez e as filhas agora moram com a mãe dele e a irmã dele na cidade de Nova York. Ele conta que sonha em construir uma casa para eles em Honduras um dia, para que todos possam ter um lugar para ficar juntos lá também.

Ele afirma que depois de quatro anos longe das filhas, suas personalidades gentis e amorosas não mudaram. Mas a dor do tempo que passaram separados deixou, segundo ele, uma marca permanente.

"É incurável", diz ele. "Isso nunca vai desaparecer. Vai permanecer no coração de cada uma delas."