quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Alzheimer: a história da música feita por neto para idoso com a doença que viralizou nas redes sociais

No quarto de sua casa, o músico Lucas Laypold, de 20 anos, entoa a canção que fez para homenagear o avô.
No vídeo publicado nas redes sociais e que viralizou nas últimas horas, o artista tem a companhia do idoso, que mesmo com a doença de Alzheimer se recorda dos versos escritos pelo neto.
Lucas e o avôDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionJovem de 20 anos fez música em homenagem ao 'Vô Cabelo'
No quarto de sua casa, o músico Lucas Laypold, de 20 anos, entoa a canção que fez para homenagear o avô.
No vídeo publicado nas redes sociais e que viralizou nas últimas horas, o artista tem a companhia do idoso, que mesmo com a doença de Alzheimer se recorda dos versos escritos pelo neto.
Na letra da música, Lucas fala sobre o esquecimento progressivo enfrentado pelo avô nos últimos anos. "Vê se não me esquece mais. Eu estava lembrando de lembrar você de acordar só quando o dia amanhecer. Vê se não esquece mais. Estou cantando só para te dizer que eu te amo e que a tristeza eu não sei cadê", diz a canção.
O trecho foi escrito pelo jovem que tem visto as dificuldades do avô aumentarem com o tempo, em razão da doença. "Ele tem se esquecido de parentes mais distantes. Os mais próximos, ele confunde às vezes. Ele também tem se esquecido de várias outras coisas, como os nomes de comidas que gostava muito."
Lucas relata que as músicas estão entre as maiores paixões do avô. Em razão disso, todos os dias entoa canções com o violão para o idoso, que o jovem apelidou de "Vô Cabelo". Há um mês, escreveu os versos que falam sobre a doença.
"Comecei a cantar essa música que fiz pra ele todos os dias, junto com as músicas antigas que ele já conhecia", relata o músico.
Na noite de quarta-feira (27), o jovem revela ter ficado surpreso ao ouvir o idoso cantarolando a música feita em sua homenagem. "Eu estava saindo do meu quarto e escutei ele cantando. Fiquei surpreso, porque não sabia que ele se lembrava da música. Fui falar com ele, cantamos mais algumas vezes e pedi para ele ir ao meu quarto, para a gente gravar um vídeo."
O vídeo do jovem com o avô viralizou nas redes sociais e tem, em menos de 24 horas, mais de 2 milhões de visualizações. O artista revela ter ficado surpreso com a repercussão. "Não esperava que fosse fazer tanto sucesso. Publiquei sem pretensão, apenas porque queria compartilhar essa descoberta sobre o meu avô."
"Não era uma música de trabalho ou algo assim. Era algo pessoal, para homenagear o meu avô", conta o artista, que há um ano trancou a faculdade de Publicidade e Propaganda para ir atrás do sonho de viver da música.
Imagens de cérebrosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEspecialistas aconselham que pessoas com Alzheimer escutem músicas ou façam atividades que lhe tragam prazer

O Alzheimer e a música

Lucas mora com os avós em Porto Alegre (RS) e conta que ele e o Vô Cabelo são muito próximos. "Estamos juntos todos os dias. Sempre ajudo no que ele precisa. Meu avô sempre me incentivou muito", diz o artista.
Ele relembra que foi o responsável por descobrir o Alzheimer do idoso. "Isso foi em 2015 ou 2016. Estávamos passando de carro, voltando para casa, quando ele não parou em um cruzamento que sempre parava para voltar para casa. Eu falei para ele que deveria ter parado ali, mas ele não percebeu e não entendeu. Ali, percebi que tinha algum problema."
Dias depois, segundo o jovem, a família levou o idoso ao médico e ele recebeu o diagnóstico do Alzheimer. "Desde então, a situação foi piorando", lamenta o artista.
O Alzheimer é o tipo mais comum de demência que existe no mundo. Conforme estudos sobre o tema, estima-se que 5% da população acima dos 65 anos possam desenvolver a doença. Após os 80 anos, a estimativa sobe para 30%.
Lucas e o avôDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionLucas diz ter percebido que havia algo estranho com o avô durante um trajeto de carro
As causas da doença não são completamente conhecidas. Os tratamentos disponíveis ajudam a aliviar os sintomas, mas não impedem a evolução do Alzheimer.
Apesar das dificuldades do idoso, o jovem conta que tem tentado melhorar a vida dele nesse período. "A música é uma forma de deixá-lo bem", comenta Lucas.
Estudos apontam que a música é uma das formas para ajudar a conservar memórias de pessoas com Alzheimer, pois a memória musical é uma das últimas áreas afetadas pelo cérebro.
Segundo especialistas, as canções ficam armazenadas em lugares diferentes daqueles associados a emoções, conhecimentos e experiências pessoais — que costumam ser os primeiros afetados pelo Alzheimer.
Especialistas aconselham que pessoas com Alzheimer escutem músicas ou façam atividades que lhe tragam prazer. Esta é uma das maneiras para lidar melhor com a progressão da doença, apesar de não evitar que ela piore.
Em meio à tristeza pela doença do avô, Lucas ficou feliz em ver que o idoso foi fundamental para que o neto conseguisse repercussão na internet.
"Não tenho dúvidas de que aquele vídeo só fez sucesso por causa da presença dele. Não era algo que eu planejava, mas isso me ajudou a aumentar meus seguidores nas redes sociais", revela o rapaz.
bbc 

Os planos do menino de 9 anos que está terminando a faculdade: ‘Não tenho ideia de como cheguei aqui’

Laurent Simons no laboratórioLaurent Simons vai se tornar em dezembro o mais jovem graduado do mundo
Laurent Simons tinha quatro anos quando entrou na escola primária, e antes de seus colegas chegarem ao ensino médio, ele chegou à universidade. Aos nove anos.
O jovem belga levou um ano para terminar o primeiro período da escola primária, como a maioria dos estudantes. Mas depois o ritmo acelerou e no ano seguinte ele concluiu de só uma vez o período que vai do segundo período ao sexto.
Aos seis, já na fase seguinte de sua formação, ele concluiu em 18 meses uma etapa na qual outros estudantes passariam seis anos.
E então ele decidiu descansar. Um pouco.
Aos oito, ele tirou uma "folga" de seis meses para passar um tempo em casa. Oito meses depois, se candidatou a uma gradução universitária.

Graduação em nove meses

Laurent SimonsDireito de imagemLAURENT SIMONS
Image captionLaurent pretende trabalhar com a área de órgãos artificiais
Agora, após nove meses de estudo, ele vai se graduar aos nove anos em engenharia elétrica na Universidade de Tecnologia de Eindhoven, na Holanda.
Mesmo sem entender direito o que está fazendo.
Ao ser perguntado pelo programa Newsday, da BBC, por que ele buscava um diploma universitário aos nove anos de idade, Laurent Simons afirmou: "Não tenho ideia".

Engenharia, medicina ou ambos?

Atualmente, o jovem belga está interessado em saber como a tecnologia pode ajudar o corpo humano: seu projeto de graduação passa pela conexão entre cérebro e chip.
Um dispositivo desse tipo poderia medir e monitorar milhares de neurônios ao mesmo tempo.
Laurent Simons sentado em sua cama enquanto é filmadoDireito de imagemLAURENT SIMONS
Image captionJovem gosta de se gabar de suas entrevistas na TV, relata seu pai
Oriundo de uma família de médicos, Simons agora quer estudar medicina e fazer um PhD, mas suas ambições vão bem além de qualificações acadêmicas.
"Meu objetivo é criar órgãos artificiais", afirmou, em referência aos dispositivos que um dia podem substituir partes humanas, como um coração ou um rim, e eliminar a necessidade de transplantes.
"Na verdade, meu objetivo é estender a vida. De outras pessoas, incluindo a dos meus avós."
Laurent Simons com seus avósDireito de imagemLAURENT SIMONS
Image captionHans Simons e Fariba Simons foram os primeiros a identificar talento especial do neto
Foram seus avós, aliás, que identificaram primeiramente o potencial do jovem, antes mesmo de ele ir à escola.
"Ele foi criado pelos avós, que notaram algo especial sobre ele. Mas pensávamos que, como outros, eles só estavam orgulhosos do neto, e não levamos muito a sério", relembra o pai do jovem, Alexander Simons.
Mas quando os professores do ensino primário falaram a mesma coisa, os pais passaram a tentar entender por que ele era tão avançado.
Mesmo especialistas ficaram surpresos com o nível de evolução do garoto.
Laurent Simons posa para fotoDireito de imagemLAURENT SIMONS
Image captionLaurent Simons tem mais 42 mil seguidores no Instagram
Além de ter memória fotográfica e um quociente de inteligência (QI) de 145, o jovem também tem boas habilidades analíticas. No início, ele amava matemática e ciência, mas não demonstrava muito interesse por letras.
Segundo o pai dele, o garoto se mostrou algumas vezes relutante em ir para a escola, querendo apenas ficar em casa para brincar ou ir à praia.
Mas passou a ser bastante metódico depois de chegar à universidade, adotando uma rotina intensa.
"Na segunda-feira, ele é apresentado à disciplina. Na terça, ele vai ao laboratório. A quarta é separada para estudos em casa, onde lê por oito horas. Ele usa a quinta para tirar dúvidas na faculdade e na sexta ele faz provas", relata seu pai.
"Outros estudantes levariam de 9 a 12 semanas para completar esse ciclo."

Infância

Para garantir que Laurent está confortável e aprendendo em seu próprio ritmo, na maioria do tempo ele é ensinado em uma sala separada dos outros graduandos, que acabaram de deixar a adolescência.
Laurent Simons passeando com seu cachorroDireito de imagemLAURENT SIMONS
Image captionJovem gosta de curtir a vida na praia e passear com seu cachorro
Seu pai afirmou, no entanto, que o filho não se afastou das alegrias da infância e não sofre qualquer tipo de pressão em sua trajetória acadêmica.
Ele já é famoso, com mais de 42 mil seguidores no Instagram, onde publica fotos passeando com o cachorro, nadando e concedendo entrevistas.
"Ele se gaba com os amigos quando aparece na TV", disse seu pai.

Prodígio

Laurent Simons jogando futebolDireito de imagemLAURENT SIMONS
Image captionSegundo seu pai, ele não está perdeu contato com a alegria da infância
Mozart compôs música aos cinco anos. Picasso concluiu sua primeira pintura aos nove. Mas muitas crianças-prodígios tornam-se pessoas "normais" quando chegam à idade adulta.
Isso será diferente com Laurent Simons?
"Ele sempre cumpre o que promete", conclui seu pai.

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Elogios ao golpe de 64 e críticas ao Brasil: quem foi Elizabeth Bishop, a polêmica homenageada da Flip

Retrato de Elizabeth Bishop
 a escritora americana será o primeira estrangeira a ser homenageado pela Flip
A poeta americana Elizabeth Bishop (1911-1979) nunca havia colocado os pés no Brasil antes de desembarcar no porto de Santos em 1951 para uma estadia breve de duas semanas. Mas ela foi visitar amigos no Rio, apaixonou-se por uma brasileira e acabou morando no país por mais de 15 anos.
Bishop chegou com apenas um livro publicado e ainda longe de ser reconhecida como uma das maiores poetas do século 20, reconhecimento que viria só bem mais tarde. Ela produziu boa parte de sua obra no país, que teve uma grande influência sobre seus versos, e também ajudou a divulgar a poesia brasileira no mundo.
Morando aqui, a americana criou uma relação tão íntima com o Brasil que se permitiu tecer em sua prosa e correspondências com amigos críticas à cultura e aos costumes brasileiros e comentários sobre os eventos que testemunhava por aqui, incluindo alguns elogios ao golpe de 1964.
Palavras que agora se voltam contra sua escolha como a homenageada da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um dos mais importantes eventos dedicados à literatura no Brasil.
Bishop será a primeira autora estrangeira homenageada pela Flip, que chega a sua 18ª edição em 2020. A organização do evento diz que a poeta era cogitada como uma possível homenageada há mais de dez anos e que seu nome foi sugerido por várias pessoas à direção da Flip.
"A boa arte é aquela que faz a gente enxergar o mundo criticamente, e a observação que Elizabeth Bishop faz do mundo em sua obra é uma boa lente para a gente entender e refletir sobre o Brasil", diz Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip, à BBC News Brasil.
Sua produção é considerada concisa. São apenas 101 poemas, divididos em três livros, ao longo dos seus 68 anos de vida. Quem estuda sua vida e obra credita isso ao um perfeccionismo e autocrítica extremos, que a faziam se dedicar meses ou mesmo anos a um único texto.
"Bishop só publicava quando achava que estava perfeito, irretocável. Nos seus rascunhos, você percebe como um poema que começa sentimental e sem forma vai sendo aperfeiçoado até tudo se encaixar e virar uma joia perfeita. Ela é uma artífice da palavra como poucos", diz o poeta Paulo Henriques Britto, professor de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e responsável pela tradução de alguns trabalhos de Bishop.
Esse zelo pelas palavras rendeu a Bishop dois dos principais prêmios literários dos Estados Unidos: o Pulitzer, em 1956, pela antologia poética North & South, e o National Book Award, em 1970, com The Complete Poems.
Britto explica que ela faz parte da primeira geração de escritores que começou a produzir sob o impacto dos modernistas e incorpora suas lições sem abrir mão de diálogo com o passado, equilibrando-se entre diferentes tendências.
"Bishop cria uma tensão interessante entre a modernidade e tradição em sua obra. Usa formas modernas, como versos livres, e formas clássicas, como sonetos. E, mesmo quando usa formas clássicas, emprega uma linguagem radicalmente coloquial. Sua temática tem elementos líricos e autobiográficos, mas ela não cai no extravasamento emocional de outros autores. Bishop coloca sua vida no que escreve, mas de forma discreta", diz Britto.

'Foi uma revolução rápida e bonita'

Se Elizabeth Bishop continha-se em seus versos, o mesmo não pode ser dito do que escrevia em prosa ou nas cartas trocadas com amigos, publicadas em livros após sua morte. Estes textos trouxeram à tona diversas de suas opiniões mais controversas, inclusive sobre um dos momentos mais sensíveis da história brasileira.
"Foi uma revolução rápida e bonita, debaixo de chuva — tudo terminado em menos de 48 horas", escreveu em 4 de abril de 1964, três dias depois do golpe que daria início a mais de duas décadas de regime militar no país, em uma carta para o poeta Robert Lowell (1917-1977), seu amigo e um dos seus interlocutores mais frequentes.
Bishop com o poeta Robert Lowell no RioDireito de imagemVASSAR COLLEGE LIBRARY ARCHIVES
Image captionBishop (dir.) escrevia frequentemente para seu poeta e amigo Robert Lowell (esq.)
Alguns dias depois, ela expressa sentimentos ambivalentes sobre o que estava acontecendo. "Ando horrivelmente deprimida com o que está acontecendo por aqui, e meu único pensamento é ir embora por um tempo", escreveu.
Ao mesmo tempo, afirma que "a suspensão dos direitos, a cassação de boa parte do Congresso etc., isso tinha de ser feito por mais sinistro que pareça. De outro modo teria sido uma mera 'deposição', e não uma 'revolução'".
Um mês após o golpe, disse em outra carta: "Nunca na minha vida, antes de vir para cá, sonhei por um minuto que algum dia eu gostaria de ver um exército tomar o poder".
Bishop considerava Carlos Lacerda "muito corajoso e inteligente" e "um dos melhores amigos" que tinha no Brasil. Lacerda apoiou o golpe a princípio, mas, depois, foi para a oposição ao regime militar, para o desgosto de Bishop.
"Carlos traiu todo mundo de forma horrível — depois de todos os anos de luta contra a gangue do velho Vargas e a corrupção, de repente, por razões políticas, ele se passou para o lado deles (e dos comunistas) outra vez", escreveu ela a Lowell.
O escritor Marcelo Moutinho lamentou a escolha de Bishop por causa desse posicionamento político. "Todas as pessoas têm o direito de errar, e de fazer suas próprias revisões. Não me filio a patrulhas eternas. Me pergunto, porém, se nesse momento de loas efusivas à ditadura, e mesmo à tortura, não seria o caso de prestar tributo a quem tenha uma trajetória de compromisso com a democracia sem maiores hesitações", escreveu em sua conta no Twitter.
A escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho afirmou que homenagear "uma poeta estrangeira que morou no Brasil olhando-o do alto do seu horror às massas, que apoiou com alívio o golpe militar de 1964, que rejubilou com o desfile 'anti-comunista' pós-golpe" é, "no momento que o Brasil vive, a mensagem oposta do que seria preciso".
Munhoz, da Flip, diz que já esperava por estas críticas e que a direção do evento pretendia com esta escolha estimular um debate. "Em um momento de polarização e em que as pessoas estão se isolando em bolhas, só a arte pode criar um ambiente de resistência. É bom lembrar que essa realidade não se limita ao Brasil. Acreditamos que a arte literária de Elizabeth Bishop, fortemente conectada com o Brasil e com o mundo, será capaz de fortalecer este diálogo internacionalmente", afirma.

Momento político polarizado

Cassiano Elek Machado, diretor editoral da Planeta no Brasil e ex-curador da Flip, considera as críticas "compreensíveis" diante do momento politico polarizado pelo qual o país passa, "em que as sensibilidades estão aguçadas e qualquer coisa já acende uma faísca e vira um incêndio".
"É uma escolha que tem diversos pontos que podem ser contestados, mas também lança uma luz sobre uma poeta que produziu no Brasil uma literatura da maior qualidade, teve uma relação intensa com o país e foi uma importante agente cultural da literatura brasileira no exterior", diz Machado.
Retrato de Elizabeth BishopDireito de imagemARQUIVO NACIONAL
Image captionBishop chegou ao Brasil para passar duas semanas e ficou aqui por mais de 15 anos
Machado foi curador da Flip em 2007, quando o evento homenageou Nelson Rodrigues, que também apoiou o golpe militar. "Não teve essa polêmica, mas era um momento em que as coisas não estavam nem perto do que estão hoje. Acredito que os motivos que levaram a Flip a escolhê-la ficarão mais claros ao vermos como essa homenagem vai estar inserida dentro do festival."
Britto, da PUC-Rio, afirma que a decisão "não deixa de ser uma infeliz coincidência e um pouco incômoda em um momento em que temos um governo claramente autoritário", mas diz ser preciso considerar o contexto em que se se deu o apoio de Bishop ao golpe de 64.
Nascida em Worcester, nos Estados Unidos, Bishop foi criada por parentes, após seu pai morrer quando ela ainda era bebê e sua mãe ser internada por problemas psiquiátricos. Chegou ao Brasil durante o início do segundo governo de Getúlio Vargas, a quem chamava de "ditador" mesmo após de ele ter sido democraticamente eleito.
Seu plano era viajar pela América do Sul, mas, no Rio, conheceu a arquiteta Lota de Macedo Soares, que idealizou a construção do Aterro do Flamengo. Elas se apaixonaram, e Lota foi sua principal razão para permanecer no Brasil. O casal manteve um relacionamento por 16 anos.
"Bishop era muito pouco ligada à política, e sua adesão ao golpe foi simplesmente uma consequência de ela ser casada com a Lota, que era muito próxima de Lacerda, que foi um dos líderes civis do golpe. Ela repete tudo que ouve Lota dizer", afirma Britto, que defende ser necessário separar a vida e a obra de Bishop.
"(O poeta americano) Ezra Pound aderiu ao fascismo, mas ninguém deixa de dar o mérito que ele merece porque agiu de forma desprezível e indefensável. O que não é o caso de Bishop, porque ela não fez propaganda do governo militar nem foi uma porta-voz do regime. Foi uma adesão que se deu apenas nas suas cartas", diz Britto.
Paulo Werneck, fundador da revista de ensaios literários Quatro Cinco Um e ex-curador da Flip, afirma que a biografia de grandes nomes da história muitas vezes não escapa ilesa de uma análise mais detalhada.
"É difícil engolir aquele tipo de opinião sobre o golpe, que a história provou ser equivocada, mas é comum encontrarmos na vida de nossos heróis momentos ou opiniões feias. A obra de Bishop é central no século 20", afirma Werneck.
Elizabeth Bishop no Xingu, ao lado de uma mulher do povo indígena Camaiurá, agosto de 1958Direito de imagemARQUIVO NACIONAL
Image captionElizabeth Bishop viajou para a Amazônia durante os anos em que morou no Brasil
Por sua vez, o poeta Ricardo Domeneck disse que muitas das reações contra Bishop têm sido baseadas na emoção e não na razão. "Ao descobrir certas declarações da poeta, (as pessoas) sentem-se traídas. Não diminuo esse sentimento. É legítimo, mesmo que imaturo, em minha opinião", escreveu em sua conta no Twitter.
"O que desejo, eu próprio, e o caminho no qual gostaria que meus colegas me guiassem, é o da razoabilidade, do senso de proporção, de uma noção madura de causalidade entre política e literatura, sem simplificações, sabendo identificar os verdadeiros adversários."

'O Brasil é mesmo um horror'

As opiniões polêmicas de Bishop não se restringiram ao cenário político. A própria curadora do evento, Fernanda Diamant, disse após o anúncio que uma das intenções desta homenagem é mostrar a relação "intensa" e "ambígua" de Bishop com o Brasil, na qual a poeta foi "muito crítica, mas também muito apaixonada" pelo país.
O poeta e diplomata Felipe Fortuna destacou em sua conta no Facebook diversos trechos de textos da escritora com visões negativas sobre o Brasil. Entre eles, passagens do livro Brazil, publicado pela Life World Library, em que a escritora afirmou: "Muitos talentos brasileiros genuínos parecem ir para a cama muito cedo — ou para as redes". Em outra passagem, Bishop disse: "De fato, a bananeira é um ótimo símbolo para o país e para o que aconteceu e continua a acontecer nele".
É bem verdade que, em suas correspondências, Bishop se mostrou em certos momentos encantada com alguns aspectos do país, como quando disse adorar a "miscelânea internacional" formada pela convivência entre brasileiros e imigrantes de diferentes países.
Disse que o hábito de tomar "cafezinhos a toda hora" a estava fazendo emagrecer e contou estar "se engalfinhando" com o português, que dedicou-se a aprender. A princípio, contou em uma carta que ela e Lota tinham "horror ao Carnaval", mas a aversão parece ter sido superada, porque, em correspondências posteriores, disse sempre tentavam ir à "noite das Escolas de Samba dos negros".
Elizabeth Bishop sentada em cadeira com gato no coloDireito de imagemVASSAR COLLEGE LIBRARY ARCHIVES
Image captionEscritora americana morou no país por mais de 15 anos e teve uma 'relação intensa e ambígua' com o país
Em dado ponto, observou que "todos os meninos se chamam 'José' alguma coisa e todas as meninas se chamam 'Maria' alguma coisa". "Esses nomes são sempre abreviados em apelidos absurdos que pegam para a vida toda", escreveu. "Aqui eu sou 'dona Elizabétchi' — sempre os prenomes. Você seria 'seu Roberto'. Não, acho que como tem um diploma seria o 'doutor Roberto'."
Mas claramente incomodava-se com a pobreza, a injustiça e o atraso. "O Brasil é mesmo um horror", disse ela em uma das cartas.
Em outra correspondência, afirmou: "Como você sabe, é um país estranho, uma mistura dos séculos 18 e 19 com rápida industrialização, terrível pobreza, luxo, preto e branco, o avançado e o primitivo — ainda estou surpresa de me ver vivendo aqui, mas vou ficando". Mas, na mesma carta, disse que "aqui é meu verdadeiro lar agora".
O Rio era "o cenário mais lindo do mundo", em sua opinião, mas elas não se furtou de tratar dos seus problemas. "O Rio está mais louco que nunca", escreveu para Lowell. "Falta água em partes da cidade e o gás anda escasso; em cada edifício só um elevador funciona e há filas intermináveis, quarteirões inteiros para pegar os ônibus miúdos, cromados e brilhantes ou os bondes velhos e abertos."

Elogios e críticas à cultura brasileira

Sobre a poesia brasileira, afirmou que o que havia lido até dado momento era "tudo gracioso, delicado". Apreciava os poetas João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade. Também gostava de Euclides da Cunha e dizia que o autor de Os Sertões só ficava atrás de Machado de Assis, "a única glória das letras que existe por aqui".
Ainda fez traduções para o inglês de poetas brasileiros como Drummond, Cabral, Cecília Meireles e Joaquim Cardozo, depois reunidas em An Anthology of Twentieth-Century Brazilian Poetry (Uma Antologia da Poesia Brasileira do Século 20, em tradução livre).
Mas Bishop avaliou duramente alguns dos maiores símbolos nacionais brasileiros: "Se você nunca vê um Picasso autêntico, finge que Portinari é bom — ou se você nunca na vida ouviu boa música, finge que bossa nova é bom e que Villa-Lobos é o maior etc".
Em outros momentos, fez comentários mordazes. "Há um grande renascimento do catolicismo pelo que vejo, e famílias grandes são o estilo predominante: dez ou doze", escreveu, para em seguida emendar: "Bem, eu não me incomodaria com as famílias grandes se ficassem restritas à classe alta (e como tudo fica simples quando não existe classe média)".
Munhoz, da Flip, afirma que o evento será "uma ótima oportunidade para a gente discordar de algumas posições da autora e ao mesmo tempo aprofundar o conhecimento de sua obra literária".
O diretor Bruno Barreto afirma que aqueles que criticam a escritora por estes comentários sofrem de um eterno complexo de vira-lata. "A autoestima dos brasileiros é tão baixa que não conseguem ouvir críticas", diz Barreto, que retratou o romance entre Bishop e Lota no seu filme Flores Raras (2013).
O casal viveu junto até quase a morte da arquiteta, em 1967, em Nova York, por overdose de tranquilizantes. Barreto diz que elas eram "diametralmente opostas". "Bishop era frágil, enquanto Lota era um exemplo de fortaleza. Juntas, elas se complementavam e tiveram os melhores anos de suas vidas", afirma Barreto.
Bishop deu aulas na Universidade de Washington e Harvard e, após a morte de Lota, teve um longo relacionamento com a americana Alice Methfessel, 32 anos mais nova do que ela e com quem viveu nos Estados Unidos até sua morte, em 1979, por causa de um aneurisma cerebral decorrente dos anos de alcoolismo.
O que mais chamou a atenção de Barreto na vida de Bishop em sua pesquisa para o longa foi sua capacidade de superar perdas, tema de um de seus poemas mais conhecidos, A arte de perder.
"Desde pequena, ela só sofreu perdas. Ela era errante, disfuncional e alcoólatra, mas vai ficando mais forte entre um porre e outro. Ainda que não se colocasse como uma vítima de nenhuma forma, acho que a Bishop foi salva pela poesia. Talvez tivesse morrido mais cedo se não escrevesse."

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