O homem, ao longo de sua história, abriu caminho, literalmente, a
machado e serra elétrica, em busca de seu progresso. A princípio os fins
justificam os meios. Justificavam. Hoje, diante da situação de miséria
que se descortina diante de nós, chegamos à conclusão de que algo
emergencial precisa ser feito. Mas a quem caberia tal responsabilidade?
Devamos aguardar que de reuniões como a Rio + 10 surjam soluções
concretas e eficazes, ou cada um de nós, a nosso modo, deve agir?
O mundo no qual vivemos e percebemos está confuso? Estaria ele nos
pedindo e cobrando uma explicação? Não há como aceitar o mundo assim
como tem sido visto, ouvido, tocado, degustado e cheirado. É inaceitável
concebê-lo desta forma. Não podemos aceitar este estado de coisa, e não
devemos nos dar por satisfeitos com esta manutenção enganosa que aí
está. Já é hora de vermos a existência de vários mundos em um só.
Temos visto o nosso planeta como uma fábrica de ilusões, erguida sobre
muitas falácias e fantasias. Vivemos em uma aldeia global onde o tempo e
o espaço foram diminuídos, encurtando distâncias, aproximando gente de
todos os cantos. Hoje tudo está ao nosso alcance e cabe na palma de
nossas mãos; tudo está diante de nossos olhos.
Contudo para boa parte da humanidade este mundo, simplesmente não
existe. Temos 1/3 dos habitantes do planeta aguardam por uma ajuda
vital: comida. A fome assola populações inteiras em diversas partes,
inclusive no Brasil, e somos o país com a maior área agriculturável do
mundo. A AIDS se alastra como erva daninha, antigas doenças, ditas
extintas, retornam, a mortalidade infantil ainda é uma ameaça constante,
e a metade da natureza é sistematicamente ameaçada pela mão impiedosa
do homem. Mas ainda há tempo! A natureza prodigiosa, incansável
renovadora, já deu mostras de que sabe perdoar quem a castiga. Basta que
tenhamos consciência de que erramos e estamos dispostos a rever nossas
ações predatórias. Do ilustre professor Gilberto Martins. Gratidão!
Ser poeta é ser ponte, é ser telhado, é ser teto mesmo quando existe apenas o firmamento sobre a cabeça. Ser poeta é desconstruir-se e reconstruir-se diariamente. É está navegando em um oceano de lágrimas, e ousar cantar uma canção para fazer sorrir aquele que perdeu a visão, a perspectiva.
Ser poeta é ser pensante, pensador, compositor de canções de acalanto. É saber desdobrar-se, recompor-se, juntando e colando os próprios cacos, passar a mão sobre os olhos encharcados e acolher quem precisa de um abraço, um beijo, um afago, talvez por outros "negado."
Ser poeta é dar visibilidade ao invisível, é levar o "pão" da alma aos famintos de amor e justiça. Ser poeta é embriagar-se do vinho da inspiração; é deixar fluir a sensibilidade, as ideias, as palavras e versos; é ser vigilante permanente de tudo que lhe cerca, de tudo que seu olhar alcança ainda que esteja à milhas de distância.
Hoje (20 de outubro) "Dia do Poeta" eu quero parabenizar a todos os poetas/escritores e poetisas/escritoras. Vocês que encarnam ousadia e teimosia, para tecerem versos tingidos de emoção e sensações diversas, e assim conseguem fazer nossos corações bater mais fortes, nossos olhos marejarem e nossa respiração acelerar. Parabéns para todos/as vocês!!! Doces beijos e afetos mil. Aparecida Ramos http://isisdumont.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=6774793
Nossa Senhora de Aparecida - A origem do culto à Padroeira do Brasil...
"Rainha e Padroeira do Brasil Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi proclamada Rainha do Brasil e sua Padroeira
Principal em 16 de julho de 1930, por decreto do papa Pio XI. A imagem
já havia sido coroada anteriormente, em nome do papa Pio X, por decreto
da Santa Sé, em 1904."
Data
do início do século 18 o episódio que deu início ao culto de Nossa
Senhora Aparecida. Em outubro de 1717, os pescadores Domingos Garcia,
Felipe Pedroso e João Alves ficaram encarregados de garantir o almoço do
governador de São Paulo e Minas Gerais, dom Pedro Miguel de Almeida
Portugal, Conde de Assumar, e de sua comitiva, que visitavam a Vila de
Guaratinguetá, no vale do Paraíba, a caminho de Vila Rica, atual Ouro
Preto.
Após várias horas no rio Paraíba, os pescadores ainda não
tinham conseguido pegar nenhum peixe, quando retiraram das águas a
imagem de uma santa sem cabeça. Em seguida, lançada a rede novamente,
encontraram a cabeça da imagem. A partir daí, a pescaria foi tão boa que
eles encheram suas canoas e cumpriram a sua obrigação com o ilustre
visitante.
Os pescadores notaram que se tratava de uma imagem de
Nossa Senhora da Conceição, feita de terracota e escurecida pelas águas
do rio, medindo 40 cm de altura. A ela atribuíram o milagre da pesca
farta.
O início da devoção Durante 15 anos,
Pedroso ficou com a imagem em sua casa, onde recebia as pessoas para as
orações e a reza do terço. A devoção à imagem foi crescendo e muitas
graças foram alcançadas pelos fieis que a visitavam. Mais tarde, a
família construiu um oratório para a santa, até que - por volta de 1734 -
o vigário de Guaratinguetá resolveu erguer uma capela para a imagem de
aparecida, no alto do Morro dos Coqueiros.
A capela foi aberta à
visitação pública em 26 de julho de 1745. Conta-se que, nessa ocasião,
um cavaleiro que passava por ali debochou dos fieis que rezavam e
resolveu invadir a capela a cavalo. Porém, a pata da montaria ficou
presa num degrau e ele não só não conseguiu profanar o santuário, como
tornou-se devoto de Nossa Senhora.
A essa altura, a imagem já era
chamada de Aparecida e deu origem à cidade de mesmo nome, que se
separou da cidade de Guaratinguetá. Em 1834 teve inicio a construção da
chamada Basílica Velha, pois a capela já não dava vazão ao número de
visitantes.
O manto e a coroa Em 8 de
setembro de 1904, foi realizada a coroação da imagem de Nossa Senhora
Aparecida que passou a usar, oficialmente, uma coroa ofertada pela Princesa Isabel, em 1884, bem como o manto azul-marinho. Em 1908, o santuário recebeu o título de Basílica menor.
O ano de 1928 marcou a passagem do povoado nascido ao redor do Morro dos Coqueiros a município e, um ano depois, o papa Pio 11
proclamava a santa como Rainha do Brasil e sua padroeira oficial. Com o
numero cada vez maior de romeiros, em 11 de Novembro de 1955 teve
início a construção de uma igreja maior, a atual Basílica Nova.
A Basílica Nova O
arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto (neto do célebre pintor
religioso paulista) idealizou um edifício em forma de cruz grega, com
173m de comprimento por 168m de largura; as naves com 40m e a cúpula com
70m de altura, capaz de abrigar 45 mil pessoas. Os 272 mil metros
quadrados de estacionamento comportam 4 mil ônibus e 6 mil carros. Tudo
isso para atender cerca de 7 milhões de romeiros por ano e as
comemorações do dia da Padroeira, que acontecem a 12 de outubro.
O templo foi consagrado pelo papa João Paulo 2o
no dia 4 de julho de 1980. Quatro anos depois, a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) declarou oficialmente a Basílica de
Aparecida, Santuário Nacional; o "maior Santuário Mariano do mundo".
Distante 160 Km da cidade de São Paulo, a cidade de Aparecida tornou-se
conhecida como a "Capital Mariana da Fé".
Santa de grande devoção
popular, cujo dia de comemoração é 12 de outubro, Nossa Senhora
Aparecida está presente em diversas manifestações do folclore
brasileiro, como este "ABC" em versos, recolhido pelo folclorista Luís da Câmara Cascudo,
do qual transcrevemos as três estrofes iniciais. Note que a primeira
delas começa com a letra A, a segunda com o B, a terceira com o C.
Assim, sucessivamente as estrofes percorriam todo o alfabeto,
iniciando-se a última com a letra Z:
A vós, pura e imaculada
Conceição Aparecida
Vem rezar ajoelhada
A minh'alma desvalida
Beijando-vos com fervor
O vosso manto sagrado
Confesso-vos, meu amor
Contrito e resignado
Conceição Aparecida
Neste Itaguassu formoso
Dai-me a paz apetecida
Fazei-me sempre ditoso
Cristina Von, Especial p/ Comunicação é escritora e pesquisadora.
Como arqueólogos descobriram o 'maior sacrifício em massa' de crianças
Especialistas acreditam que as crianças foram sacrificadas para apaziguar deuses venerados pelo povo Chimú
Uma equipe de
arqueólogos no Peru descobriu restos mortais do que acreditam ter sido o
maior sacrifício em massa de crianças da história.
Os corpos de
227 crianças com idade entre 5 e 14 anos foram encontrados na cidade
costeira de Huanchaco, a 570 km ao norte de Lima, no Peru.
Segundo disseram os arqueólogos à agência de notícias AFP, alguns dos
corpos ainda tinham cabelo e pele no momento em que foram
desenterrados.
Ainda não está claro em que ano morreram, mas os
especialistas acreditam que as crianças tenham sido sacrificadas há mais
de 500 anos. Direito de imagemAFPImage caption
Arqueólogos acreditam ainda ser possível descobrir mais corpos de crianças
A descoberta acontece pouco mais de um ano após os restos mortais de outras cerca de 200 crianças, também vítimas de sacrifícios humanos, terem sido localizados em outros lugares no Peru.
De
acordo com a pesquisa, os corpos indicam que as execuções ocorreram em
uma época em que o clima estava úmido e foram enterrados em frente ao
mar, o que seria uma evidência de que, provavelmente, tenham sido
sacrificados para apaziguar deuses do povo Chimú.
Os Chimú viviam
no litoral norte do Peru e foram uma das civilizações mais poderosas da
região. A civilização Chimú teve seu apogeu entre 1200 e 1400, antes de
serem subjugados pelos incas que, por sua vez, acabaram colonizados
pelos espanhóis.
De acordo com a pesquisa, os corpos indicam que as execuções
ocorreram em uma época em que o clima estava úmido e foram enterrados em
frente ao mar, o que seria uma evidência de que, provavelmente, tenham
sido sacrificados para apaziguar deuses do povo Chimú.
Os Chimú
viviam no litoral norte do Peru e foram uma das civilizações mais
poderosas da região. A civilização Chimú teve seu apogeu entre 1200 e
1400, antes de serem subjugados pelos incas que, por sua vez, acabaram
colonizados pelos espanhóis. Direito de imagemAFPImage caption
Os corpos de 227 vítimas, com idade entre 5 e 14 anos, foram encontrados ao norte de Lima, capital do Peru
Os Chimú adoravam um deus da lua que chamavam de
Shi. Diferente dos incas, acreditavam que era mais poderoso que o sol.
Os devotos regularmente usavam sacrifícios e outras oferendas durante os
rituais espirituais.
O trabalho de escavação dos arqueólogos
continua no lugar onde os restos foram encontrados. Eles acreditam ser
possível descobrir mais corpos.
"Onde quer que você cave, há outro (corpo)", disse à AFP o arqueólogo-chefe Feren Castillo.
A misteriosa civilização que ocupou a Arábia Saudita há 2 mil anos
Os nabateus tinham uma sofisticada tradição arquitetônica, influenciada pelos mesopotâmicos e gregos
Os desertos rochosos de Al Ula, no noroeste da Arábia Saudita,
são conhecidos por seus céus escuros, que permitem aos observadores de
estrelas estudar facilmente corpos celestes sem o problema da poluição
de luz.
Mas a região também atrai arqueólogos que buscam fazer o
primeiro levantamento aprofundado da região, que tem aproximadamente o
tamanho da Bélgica, em uma tentativa de conhecer mais sobre uma
civilização misteriosa que já viveu ali.
Uma cultura há muito
perdida, a civilização nabateia habitou o norte da Península Arábita e o
sul do Levante entre o século 4 a.C. até 106 d.C.
Os nabateus
governavam seu império na deslumbrante cidade de Petra, na Jordânia, mas
fizeram de Hegra, hoje conhecida como Mada'in Saleh, em Al Ula, sua
segunda capital. Seu status de civilização independente terminou com sua
conquista pelo imperador romano Trajano.
Os nabateus tinham uma
sofisticada tradição arquitetônica, influenciada pelos mesopotâmicos e
gregos. Eles esculpiram fachadas de templos e túmulos em falésias
rochosas e deixaram para trás sofisticados monumentos em pedra – mas
muitos locais permanecem inexplorados.
Uma grande equipe internacional de mais de 60 especialistas começou a
trabalhar em um projeto que durará inicialmente dois anos para
pesquisar a área de 3,3 mil km², que foi habitada pelos nabateus por 200
anos, a partir de 100 a.C..
É a primeira vez que uma área tão
grande de território mais ou menos cientificamente desconhecido é
sistematicamente investigada.
Pesquisa pode colocar Arábia Saudita no mapa da história antiga
Direito de imagemRichard DuebelImage caption
Os sofisticados nabateus habitavam a Península Arábica e o Levante na Antiguidade
Escavações são realizadas há algum tempo em Mada'in
Saleh e outros locais reconhecidos como nabateus por arqueólogos
sauditas, incluindo Abdulrahman Alsuhaibani, professor da Universidade
King Saud. "Eu me concentrei nas civilizações dedanita e lihyanita",
explica ele.
"Agora que a Comissão Real de Al Ula está envolvida,
será possível realizar um trabalho para entender mais profundamente
como sociedades primitivas evoluíram." O envolvimento da Comissão Real
garante que tecnologia de ponta esteja à disposição dos arqueólogos.
Embora
o serviço Google Earth e o olho treinado de especialistas permitam
frequentemente distinguir características naturais e artificiais,
aeronaves leves equipadas com câmeras especializadas que oferecem
imagens mais detalhadas do território pemritirão identificar
características arqueológicas até então desconhecidas. Direito de imagemEPAImage caption
Petra é o monumento mais conhecido deixado pelos nabateus
Segundo Rebecca Foote, arqueóloga americana
responsável pela pesquisa da Comissão Real de Al Ula, os esforços
anteriores se concentraram na escavação, porque uma pesquisa sistemática
nesta escala requer tempo e recursos que estão disponíveis apenas
agora.
Ela acredita que o escopo do empreendimento colocará a
Arábia Saudita em evidência quando se trata da história antiga. "Sabe-se
muito do primeiro ao terceiro milênio antes de Cristo e estamos bem
informados sobre o Egito antigo e a Mesopotâmia", ela reconhece.
"Mas
descobriu-se relativamente pouco sobre a Península Arábica nos tempos
antigos. Ainda não sabemos exatamente como nossas descobertas terão
impacto sobre a compreensão da história antiga. Mas é provável que
reformulem a visão do mundo nestes períodos." Direito de imagemRichard DuebelImage caption
Arqueólogos estão pesquisando a região de Al Ula
para descobrir características arqueológicas até então desconhecidas
Foote passou muitos anos trabalhando em Petra, que
continua a ser o monumento mais conhecido deixado pela civilização
nabateia. Ela diz que a arqueologia aérea será a chave para explorar a
arquitetura funerária desta cultura, monumentos e locais mais incomuns
que, de outra forma, levariam anos para serem investigados.
"A tecnologia agora permite ter uma visão geral confiável e abrangente. Nada disso foi feito antes nesta escala", explica ela.
Enquanto
escavações anteriores lideradas pela França revelaram uma rede de
comércio de incenso que percorria o lado oeste da península, passando
por Al Ula, Foote quer aprender mais sobre o papel da água na
prosperidade da região.
"Podemos imaginar que eles tinham uma
economia agrícola bem-sucedida, mas havia cobrança de impostos sobre o
incenso? Como administravam sua água?"
Tecnologia de ponta ajuda a fazer descobertas arqueológicas
Direito de imagemRichard DuebelImage caption
Muitas civilizações habitaram esta área – e deixaram suas marcas nas rochas
Com o estudo da hidrologia prestes a começar, as
respostas devem começar a surgir, graças em parte ao trabalho da equipe
de arqueologia aérea, que ajuda a identificar locais específicos.
Voando
entre 600 e 900 metros de altura, o grupo de pesquisa liderado por
Jamie Quartermaine, da organização Oxford Archaeology, já cobriu metade
dos 11,5 mil locais previstos.
Conhecido como pesquisa
preventiva, esse trabalho geralmente é realizado para garantir que não
sejam erguidas construções próximo de sítios arqueológicos. "Aprendemos
com os erros de outros países e estamos investindo para evitar danos
aqui", diz Quatermaine.
A pesquisa também ajuda a fornecer
respostas para especialistas de áreas como arte rupestre. "Mesmo há
cinco anos, o GPS não era suficientemente preciso. Hoje, estamos usando
vários métodos diferentes de fotografia, incluindo drones, câmeras
suspensas em aeronaves leves e ortofotografias aéreas de ponta", afirma
Quatermaine.
A ortofotografia produz uma representação fotográfica
de uma superfície terrestre, no qual todos os elementos apresentam a
mesma escala, livre de erros e deformações.
Com câmeras
posicionadas a 45º, essa técnica gera uma imagem a cada dois ou três
segundos e produz assim milhares de fotos que permitem medir distâncias
reais após serem realizados correções topográficas.
Um software
especializado as combina em um modelo detalhado e de alta resolução da
paisagem. Até agora, já foram encontrados desta forma locais e
estruturas funerárias da Idade do Bronze.
Além disso, os drones
são usados com câmeras posicionadas na mesma angulação. "Isso nos
permite ver não apenas o plano horizontal, mas até certo ponto o
vertical. Estamos cientes de que podemos encontrar arte rupestre em
locais específicos", diz Quatermaine.
Na etapa final da pesquisa,
membros de equipes especializadas irão a campo. Após cinco anos de
trabalho no norte da Península Arábica, a especialista em arte rupestre
Maria Guagnin está impressionada com o enorme banco de dados que está
sendo criado sobre todos os períodos históricos. "Pela primeira vez,
estão sendo analisados todos os aspectos da paisagem arqueológica",
ressalta ela. Direito de imagemRichard DuebelImage caption
Amr Almadani trabalha com a Comissão Real de Al Ula, que está apoiando uma pesquisa sistemática da área
"Nosso conhecimento da distribuição pré-histórica de
animais é até agora amplamente dependente da localização de sítios
arqueológicos e paleontológicos escavados. Muitas espécies foram
consideradas ausentes na Península Arábica, mas a arte rupestre mostra o
contrário."
A presença de espécies de mamíferos não documentadas
em Al Ula fornece novas informações sobre sua distribuição, bem como os
tipos de habitat e vegetação disponíveis em eras pré-históricas nesta
região.
Representações de animais também ajudam a datar esses
registros. Considera-se improvável, por exemplo, que cavalos ou camelos
com cavaleiros existissem antes de 1.200 a.C..
Gado domesticado,
ovelhas e cabras foram introduzidos na Península Arábica entre 6.800
a.C. e 6.200 a.C.. Eles foram domesticados no Levante e levados para a
Arábia Saudita. Isso fornece uma maneira de datar a arte rupestre,
porque, antes disso, é improvável que houvesse animais domésticos nesta
área.
A grande quantidade de informações coletadas pela equipe
internacional de Al Ula provavelmente será útil para sítios
arqueológicos como Petra, incluindo a revelação de possíveis rotas entre
Petra e Mada'in Saleh.
Abdulrahman Alsuhaibani está escavando há
alguns anos em Dedan, um local onde há evidências de uma civilização que
antecede os nabateus. Ele diz que o escopo do trabalho é tamanho, que
serão necessárias gerações para entender seus resultados.
"O que
torna esse trabalho tão importante no cenário mundial é que ele
fornecerá uma compreensão não apenas de Mada'in Saleh e Petra, mas de
civilizações anteriores amplamente desconhecidas por nós."
Um dos
papéis de Abdulrahman é treinar estudantes da Universidade King Saud, em
Riad, que tem um pequeno posto avançado em Al Ula. "Eles estão
aprendendo em meio a uma das mais extensas pesquisas e escavações. Os
alunos de hoje poderão muito bem fazer descobertas que nem podemos
imaginar hoje."
Estados nordestinos correm para evitar impacto das manchas de petróleo no turismo
Arquivo Pessoal
A chegada de
manchas de petróleo a dezenas de praias do Nordeste trouxe não só
prejuízos ambientais, mas uma ameaça ao turismo justo na época do ano em
que começa a crescer o número de visitantes. Muitas cidades da região
têm no turismo a principal fonte de receitas.
Para evitar a perda
de turistas, gestores públicos, guias turísticos, empresários e
comerciantes se lançaram para tentar minimizar os impactos da imagem
negativa causada pelo vazamento e conter as desistências. Mesmo assim,
os efeitos já são sentidos, segundo integrantes do setor.
Dados
da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
mostram que somente em agosto o turismo rendeu ao Nordeste R$ 2,4
bilhões. Foram R$ 29,1 bilhões em 2018.
Queda em Alagoas
Em
Alagoas, o comerciante Paulo Silva, que tem uma barraca na praia do
Francês, em Marechal Deodoro, disse que na semana passada o número de
banhistas já diminuiu devido ao óleo.
"Nós sentimos demais a
diferença. O Francês é uma praia movimentada e percebemos uma queda de
pelo menos 20% do público. Mas, como as manchas desapareceram esta
semana, as pessoas voltaram a frequentar, ainda bem."
A região de Piaçabuçu é uma das mais conhecidas do litoral sul de
Alagoas por suas belezas naturais e passeios para a foz do São
Francisco. O reflexo por lá é considerado pequeno, mas acendeu um alerta
para a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente da cidade. Image caption
Prefeitura pagou diárias para que pessoas retirassem a pasta de óleo do Pontal do Peba, em Alagoas
Segundo o secretário de Turismo Otávio Nascimento, o cancelamento de
pacotes é um problema real e que aparece pela falta de informação.
"Fomos
acionados por uma operadora e uma pousada sinalizou o cancelamento de
reserva. Recebi ligações de pessoas que queriam passar o final de semana
por aqui e que estão cancelando por causa da presença do óleo na praia.
O cancelamento vem pela falta de informação porque as nossas praias e
foz estão próprias para banho", afirmou.
Otávio disse que diminuiu
o número de turistas e de passeios, mas que a Prefeitura tomou medidas
para que o impacto na cidade não seja maior.
"Nesta quinta-feira,
pagamos a diária de pessoas que ajudaram em um grande mutirão para
retirar a pasta de óleo da praia. Ao todo, retiramos mais de uma
tonelada dessa pasta que estava nos corais. Vamos continuar fazendo
essas limpezas. A foz do São Francisco está operando normalmente. Apesar
da identificação do óleo, nós temos indicação do Instituto do Meio
Ambiente de que os turistas podem tomar banho", explicou.
Por meio
de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Alagoas
(Sedetur) afirmou que o Estado é um dos locais menos afetados com as
manchas e que no diálogo junto às prefeituras foram identificados —
ainda que de maneira sucinta — um certo impacto na atividade turística.
A
Sedetur também disse que "está acompanhado de perto o trabalho dos
órgãos ambientais responsáveis, para que possam identificar o culpado,
puni-lo e encontrar a resolução mais viável para redução de danos da
forma mais célere possível".
O impacto também foi sentido pela
dona de uma barraca na praia de Lagoa do Pau, em Coruripe, Alagoas.
Cineide da Silva contou que após o vazamento de fotos da praia cheia de
óleo na manhã de ontem, a situação hoje mudou e pegou a comerciante de
surpresa. "Ontem várias manchas apareceram aqui e as fotos vazaram.
Hoje, os turistas chegam, olham e vão embora", contou à BBC News Brasil.
"Durante a semana o movimento é menor, vendo em torno de R$ 700 a
R$ 1.000, mas hoje como é sexta-feira e véspera de feriado esperávamos
um fluxo maior de clientes, o que não aconteceu. Não vendi nada. A praia
está deserta."
Limpeza e trabalho intensificados
O
Estado de Sergipe foi um dos mais atingidos pelo petróleo. O secretário
de Turismo sergipano, Sales Neto, disse que o trabalho de limpeza das
praias foi intensificado e que a maior parte da orla está liberada para
banho. Direito de imagemArquivo PessoalImage caption
Na praia da Lagoa do Pau, em Coruripe, após
publicação de fotos das manchas, praia ficou deserta nesta sexta-feira
"Os testes de balneabilidade da água estão dando
'liberadas para banho', mesmo nos lugares onde encontra-se o óleo na
areia. Nestes lugares, a orientação é evitar o contato com a substância
por ela ser tóxica, portanto, não recomendamos o banho, pois para se
chegar na água é preciso passar pela areia", comentou Salles.
Ainda
segundo o secretário, não houve registro de "queda abrupta" do
movimento turístico no Estado. "Acreditamos que nos próximos dias, com o
trabalho de limpeza efetivo que vem sendo feito, até mesmo as áreas
tocadas pelo óleo estarão livres deste problema", afirma.
A
Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Rio Grande do Norte
(ABIH-RN) disse à BBC News Brasil que fez um levantamento para saber se
houve alguma redução na hotelaria, mas afirmou que todos os hotéis estão
lotados e que não houve impacto no turismo nem na economia.
Fotos das praias para atrair turistas
Além
da medida de fazer a limpeza das praias, o presidente da Federação
Nacional de Guias de Turismo (Fenagtur), Henrique Dantas, ressaltou que o
assunto está ganhando notoriedade e preocupando a população.
Ele
contou que os guias estão publicando fotos atrativas para chamar
atenção dos turistas que querem ir a Alagoas mostrando que as praias não
foram impactadas. A ação é para mostrar aos turistas que a situação não
é "tão forte" quanto parece.
"Não temos como interferir na
escolha dos clientes e nós vemos que as operadoras já estão preocupadas
com a possibilidade de cancelamento. Mas estamos mostrando a realidade
de como está o litoral através de fotos. Estamos ficando preocupados com
a forma que está sendo noticiada, mas estamos trabalhando em cima
dessas fotos de como as praias estão limpas", enfatizou Henrique.
Situação real x 'fake news'
José
Odécio, presidente da ABIH-RN, explicou que a associação está fazendo o
monitoramento com os entes públicos para saber quais são as medidas que
estão sendo tomadas e acompanhando as informações vindas das
secretarias municipais de turismo.
Para ele, é importante que as pessoas relatem como está a situação nas praias do RN e não fotos fake news.
"As pessoas que estão nas praias estão mandando a situação real e não a de fake news,
as principais praias do Rio Grande do Norte estão livres dessas
manchas, exemplo: Pipa, São Miguel do Gostoso. Portanto, a ABIH está
monitorando o processo. Estamos divulgando a notícia real e verdadeira,
principalmente as praias turísticas não estão sofrendo esse tipo de
acidente", reforçou José.
A série de concessões feitas pelo Brasil aos EUA em troca de apoio à entrada na OCDE
BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images Image caption
Trump e Bolsonaro se cumprimentam durante encontro em junho
Depois de alardear a
possibilidade de um ingresso rápido do Brasil — bancado pelos Estados
Unidos — à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o governo Bolsonaro tentou minimizar a importância de uma carta
do secretário de Estado Americano, Mike Pompeo, à entidade, em que ele
defende abertamente apenas o ingresso de Argentina e Romênia ao grupo de
36 países que compõem a organização.
A carta, datada do final de agosto, foi revelada pela Bloomberg e confirmada pela reportagem da BBC News Brasil.
O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE foi obtido em
março, em visita do presidente Bolsonaro ao par americano Donald Trump,
e era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na
política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na
gestão atual.
Havia dentro do próprio governo a expectativa de
que o aperto de mãos com Trump seria o suficiente para que o Brasil
furasse a fila de nações postulantes a membros da OCDE. O protocolo, no
entanto, se impôs.
"A diplomacia internacional tem um tempo
próprio, bem mais lento que o tempo da política de redes sociais do
Bolsonaro. O processo de ingresso na OCDE leva anos. O presidente quis
sugerir à sua base que sua relação especial com Trump faria milagres,
mas não existem milagres", afirma Guilherme Casarões, professor de
política internacional da Fundação Getúlio Vargas.
Após a repercussão da carta, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou
comunicado reiterando apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas ressaltando
que expansão do grupo deve ser feita "em um ritmo controlado".
E
no início da noite, o Departamento de Estado americano divulgou nota
afirmando que o país apoia, sim, a entrada do Brasil na OCDE e que a
carta revelada pela imprensa mais cedo "não reflete com precisão a
posição dos Estados Unidos" em relação à ampliação da organização.
"Apoiamos
com entusiasmo a entrada do Brasil nesta importante instituição e os
Estados Unidos farão um esforço grande para apoiar a entrada do Brasil",
diz o texto.
O secretário Pompeo reproduziu a mensagem no
Twitter, afirmando também que o governo dos EUA dá apoio a que o Brasil
"inicie o processo" de entrada na OCDE. Bolsonaro retuitou as mensagens
do americano acrescentando, em inglês, a frase "Not today, fake news
media!" ("Hoje, não, mídia mentirosa" em tradução livre).
Mais
tarde, o próprio Trump postou sobre o assunto em seu Twitter. Ele chamou
de "fake news" a reportagem da Bloomberg e afirmou que "o comunicado
conjunto que eu e o presidente Bolsonaro divulgamos em março deixa
absolutamente claro meu completo apoio ao início do processo brasileiro
para se tornar um membro da OCDE. Os Estados Unidos apoiam o presidente
Jair Bolsonaro".
A mensagem deixa claro que os americanos
consideram que o Brasil está apenas iniciando sua jornada para se
mostrar apto a compor a OCDE.
Segundo observadores, Bolsonaro
confiava em uma indicação expressa não apenas por sua propalada
proximidade presidencial com Trump. Desde março, quando ocorreu a
visita, o governo brasileiro fez uma série de concessões, inclusive
comerciais, aos americanos em troca do endosso à vaga na organização.
Image caption
Governo Trump resolveu apoiar a entrada da Argentina e da Romênia na OCDE
Agrados aos EUA
A
OCDE, atualmente com 36 países, é um fórum internacional que promove
políticas públicas, realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus
membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e
fortalecer a economia global.
Foi criada em 1960, por 18 países
europeus mais EUA e Canadá. Além de incluir vários dos países mais
desenvolvidos do mundo, o grupo abriu suas portas para nações em
desenvolvimento como México, Chile e Turquia. Brasil, Índia e China têm
status de parceiros-chaves.
O Brasil apresentou um pedido formal para ingressar na OCDE em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
A
expectativa era de que o pedido fosse atendido rapidamente, mas as
negociações emperraram. Um dos entraves seria justamente a posição do
governo dos EUA: além do Brasil, havia outros países pleiteando a
entrada, e Washington considera que a entrada em massa de todos eles
descaracterizaria a organização.
Além de Argentina e Romênia, que
ganharam o endosso oficial dos EUA, desejam fazer parte do grupo países
como Peru, Croácia e Bulgária.
Antes de Michel Temer, durante os
governos dos petistas Lula e Dilma Rousseff, o país não pleiteava o
ingresso na organização. Apesar disso, o Brasil já trabalha com a OCDE
em diversos temas desde a década de 1990.
Para além do apoio ao
pleito brasileiro na OCDE, Brasil e EUA também firmaram uma série de
compromissos comerciais. Bolsonaro concordou em abrir uma cota anual de
750 mil toneladas de trigo americano com tarifa zero, medida que afeta a
Argentina, principal vendedor de trigo para o Brasil.
No fim de
agosto, o Ministério da Economia decidiu não só prorrogar por mais um
ano a importação de etanol americano isenta de uma tarifa de 20%, como
elevou a cota dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros — a
taxa passa a ser cobrada quando o volume negociado supera a cota.
A
medida atendeu principalmente aos interesses dos americanos, os maiores
exportadores ao Brasil, de etanol, produzido a partir do milho —
segundo dados oficiais, 99,7% do etanol importado pelo país vem dos EUA.
Desagradou, em contrapartida, produtores do Nordeste brasileiro, que
consideram desleal a competição com o preço oferecido pelos americanos,
Desde
2016, o Brasil é o país que mais compra etanol americano. A expectativa
dos produtores brasileiros era de que o governo americano liberasse seu
mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas não houve essa
contrapartida por enquanto. Direito de imagemReutersImage caption
Brasil acordou com a entrada no país de mais etanol produzido pelos EUA
Concessões concretas em troca de apoio simbólico
"A
negociação (para o apoio dos EUA à entrada brasileira na OCDE) envolveu
concessões muito concretas do Brasil em torno de expectativas de apoio
mais simbólico dos americanos", afirma Elaini da Silva, professora de
relações internacionais da PUC.
Silva cita outros exemplos, como a
concessão aos EUA da exploração da base espacial de Alcântara, no
Maranhão, a isenção de vistos para turistas do país sem reciprocidade
para brasileiros, e o fato de o Brasil ter abdicado do status de país em
desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial do Comércio
(OMC), o que poderia trazer prejuízos tarifários às exportações
brasileiras.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para
países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por
exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para
proteger produtos nacionais.
Além do impacto direto nas futuras
negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a relação com
países do Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e
África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais
pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia
já está retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a
nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de
pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados
Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explicou à BBC News Brasil antes
da reviravolta o professor Marco Vieira, da Universidade de Birmingham,
no Reino Unido.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no
contexto de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas
também com parceiros do Sul global: as economias emergentes como a
Índia."
Bolsonaro também não colocou na mesa para discussão o
aumento protecionista de impostos sobre o aço — medida de Trump contra
os chineses que prejudicou o Brasil, tampouco o fim dos subsídios
governamentais à produção de soja americana, que a torna competitiva em
relação à safra nacional do grão. Direito de imagemDrew Angerer/Getty ImagesImage caption
Bolsonaro e seus auxiliares minimizaram carta que anunciou apoio dos EUA a Argentina e Romênia
Pressa?
Além
disso, Trump anunciou o Brasil como seu "aliado preferencial extra-Otan"
— nome para designar países que não são membros da aliança Organização
do Tratado do Atlâncito Norte (Otan) mas que são aliados estratégicos
militares dos EUA, ou seja, que terão um relacionamento de trabalho
estratégico com as Forças Armadas americanas.
Para o Brasil, isso
significa vantagens de acesso a tecnologia militar americana. Mas,
segundo alguns analistas, também poderia arrastar o país para conflitos e
disputas com países como China e Rússia, algo totalmente fora da agenda
brasileira, além de ser de interesse dos EUA porque colocaria o país em
sua área de influência de maneira ainda mais segura.
As concessões brasileiras, no entanto, talvez tenham sido apressadas.
"Como
o Brasil tem se mostrado um aliado incondicional da gestão Trump, é
provável que eles queiram extrair ainda mais concessões do país", afirma
o embaixador Paulo Roberto de Almeida.
Em nota enviada no fim da
tarde desta quinta-feira, a embaixada americana no Brasil afirmou que
mantém o apoio à adesão do país à OCDE. " Apoiamos a expansão da OCDE a
um ritmo controlado que leve em conta a necessidade de pressionar as
reformas de governança e o planejamento de sucessão", diz a nota.
Nos
bastidores, autoridades brasileiras pressionaram pelo informe da
embaixada para mitigar a reação negativa à carta de Pompeo. O Itamaraty e
a embaixada brasileira em Washington não comentaram. Já a OCDE afirmou
que o ingresso de seis novos membros está em curso e que o processo é
sigiloso e depende do consenso entre os membros atuais.
Publicamente, integrantes do governo agiram para minimizar a decisão dos EUA.
"Toda
a histeria sobre a OCDE na imprensa revela o quão incompetentes e
desinformadas são as pessoas que escrevem sobre política no Brasil. Não
há fato novo. Os EUA estão cumprindo exatamente o que foi acordado em
março e agindo de acordo com o cronograma estabelecido na ocasião",
afirmou no Twitter Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência
para assuntos internacionais.
"Argentina enfrenta desafios
conjunturais que tornam o início do processo de acessão emergencial. Por
isso, Brasil e EUA concordaram com um cronograma que teria início com a
Argentina. Trata-se de fato público e notório, omitido pela imprensa
por incompetência ou desonestidade", acrescentou.
O americano Michael Shifter, presidente do think thank
Inter-american Dialogue, especializado nas relações entre EUA e América
Latina, discorda. À BBC News Brasil, ele afirmou tratar-se de
"definitivamente um grande abalo para Bolsonaro, que apostou tudo nesse
relacionamento com Trump".
"Parece que a decisão dos EUA é a visão
tradicional, ir devagar com a entrada de países na OCDE. Mas certamente
Trump prometeu (a Bolsonaro) outra coisa", acrescentou.
Na sua visão, o que ocorreu pode indicar que, ao contrário do alardeado, as relações entre EUA e Brasil não mudaram tanto assim.
"(Há)
esta certa admiração mútua entre Bolsonaro e Trump, e muito da retórica
dos dois soa muito parecida. Mas quando o assunto são decisões reais,
talvez as coisas não tenham mudado muito. Está tudo no nível
superficial, e quando você precisa agir para construir uma parceria mais
significativa, como se tornar membro da OCDE, os EUA basicamente
aplicam seus critérios normais sobre a extensão da OCDE, o que tem sido
mais ou menos a política tradicional (em governos anteriores)."
O que o governo ainda precisa explicar sobre o funcionamento das escolas cívico-militares
Alunos têm de se apresentar em posição de sentido em escola com parceria militar na Bahia
A implementação de
escolas cívico-militares no ensino básico e médio é um dos principais
projetos do governo Bolsonaro para a educação.
Embora o governo
tenha publicado o decreto de criação do programa com sua moldura básica,
ainda se sabe muito pouco como esse plano funcionará, qual o seu escopo
ou como será o financiamento.
O plano prevê atuação de militares
da reserva na administração de escolas, mas também não está claro qual
será o nível de interferência deles na área pedagógica.
Diferentemente
das escolas totalmente militares, que são geridas somente pelo Exército
e pensadas para os filhos de militares, nesse formato cívico-militar o
currículo é determinado pelas secretarias de educação, mas os estudantes
seguem regras definidas pelos militares.
Fora essa ideia geral e
o fato de que os Estados podem escolher participar — 16 unidades
federativas aderiram —, o governo não determinou praticamente nenhum
detalhe operacional do programa.
O governo não fez nenhum detalhamento sobre como a rotina da escola será alterada com administração militar
Por exemplo, não se sabe ainda como o dinheiro
anunciado para as escolas será usado, quantos militares haverá por
escola ou a quem se recorre se houver algum problema.
Não há
informações detalhadas no decreto que criou o programa, nas notícias
sobre o projeto no site oficial do Ministério da Educação, nem foi
publicada uma portaria com regulamentações.
O governo disse que
irá liberar R$ 54 milhões anuais, o que dá R$ 1 milhão para cada uma das
54 escolas que pretende criar por ano — a ideia é criar 216 delas até
2023, diz o Ministério da Educação.
Mas a pasta não anunciou qual
será o uso desse dinheiro — se vai ser investido nas escolas ou se
pagará o salário dos militares, por exemplo.
Segundo informações
obtidas pelo site Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à Informação, o
cálculo do valor foi feito visando somente a pagar o salário dos
militares inativos que vão atuar nas escolas — que podem ser tanto
bombeiros, policiais ou das Forças Armadas.
Imposição ou escolha?
Por
enquanto, há dúvidas sobre os aspectos mais básicos do programa, como
se as comunidades escolares nas unidades escolhidas para participar —
alunos, pais e professores — poderão escolher aderir ou não.
Inicialmente
foi anunciado pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, que a
comunidade escolar seria consultada e a parceria cívico-militar só seria
implementada onde pais, professores e alunos concordassem. Ou seja, a
adesão seria voluntária não apenas para os Estados, mas também
individualmente para cada comunidade.
No entanto, após duas
escolas em Brasília (de cinco que estavam sendo consideradas para o
programa) votarem contra a implantação da parceria com os militares no
local, o presidente Jair Bolsonaro defendeu "impor" o modelo.
"Se
aquela garotada está na quinta série e na prova do Pisa não sabe uma
regra de três simples, não sabe interpretar um texto, não responde a uma
pergunta básica de ciência, me desculpa, não tem que perguntar para o
pai, irresponsável nesta questão, se ele quer ou não uma escola, de
certa forma, com militarização. Tem que impor, tem que mudar", disse
ele, em um evento.
O governador do DF, Ibaneis Rocha, disse que
iria implementar o modelo "de qualquer jeito", o que levou a atritos com
o secretário da Educação, Rafael Parente. Pouco tempo depois o
governador voltou atrás e decidiu só aplicá-lo nas escolas que o
desejassem, mas Parente acabou exonerado.
"Caso se deseje
realmente fazer esse experimento, está bem claro que ele não pode ser
imposto para a comunidade, tem que ser por adesão", afirma Claudia
Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas
Educacionais (CEIPE), da Fundação Getulio Vargas (FGV), professora
visitante na Faculdade de Educação de Harvard e ex-ministra de
Administração e Reforma, no governo Fernando Henrique Cardoso.
A
BBC News Brasil perguntou ao Ministério da Educação se os Estados que
aderiram ao programa receberam algum tipo de esclarecimento ou garantia
extra além do decreto e das informações gerais já divulgadas, mas não
obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Quem vai administrar os militares?
A principal questão em aberto é sobre a governança das escolas e dos militares que irão atuar nelas.
Sabe-se apenas que os militares atuarão na administração — nada mais.
Não
há regras sobre quem será o diretor (civil ou militar), como ele será
escolhido, quantos militares vai haver por escola, se eles ficarão em
todos os turnos, qual será seu papel, quem definirá esse papel, quem
fará a governança dos militares das forças armadas, como será feito o
planejamento, quem vai participar ou validá-lo etc.
A BBC News Brasil enviou essas perguntas ao Ministério da Educação, mas a pasta não respondeu. O governo não definiu a quem os professores vão recorrer se tiverem problemas com a atuação dos militares
"Essas perguntas sobre governança fazem todo sentido
porque cada unidade federativa tem que olhar para sua rede e para as
crianças e jovens no seu território e garantir que eles tenham acesso e
tratamentos iguais", afirma Claudia Costin, da FGV.
Também não
está claro a quem a secretaria, os professores ou as escolas vão
recorrer se tiverem problemas ou estiverem descontentes com a atuação
dos militares.
"Quem administra a rede? O secretário vai ter poder para divergir do comando da escola?", pergunta Costin.
As
Forças Armadas, de onde vem parte dos militares que atuarão nas
escolas, e as secretarias de educação são instâncias federativas
diferentes e autônomas, que não respondem umas às outras, portanto a
interlocução entre elas pode ficar complicada, diz ela. Também não está
claro como será a relação com a PM e os bombeiros, que são estaduais.
Há
dúvidas sobre como vai ser definida a hierarquia nas escolas, se os
militares podem abandonar o programa a qualquer momento, se vai haver
algum processo de seleção específico para os professores dessas escolas
etc.
O prazo para os Estados aderirem ao programa terminou no fim
de setembro (27), e eles tiveram de tomar as decisões antes de
diretrizes oficiais com esses detalhamentos serem publicadas. Até o dia
27, o Distrito Federal e 15 Estados resolveram aderir.
Como será usado o dinheiro?
Dúvidas
como essas fizeram o Estado de São Paulo hesitar quanto à participação
ou não no programa. No dia do encerramento do prazo, o secretário de
Educação do Estado, Rossieli Soares da Silva, enviou um ofício ao
governo federal pedindo uma extensão do prazo e fazendo mais de 20
perguntas justamente como essas sobre o funcionamento do programa.
À
Folha de S. Paulo, ele disse que é "difícil aderir a um programa que
você não sabe o que é". No dia seguinte, no entanto, apareceu em um
vídeo, divulgado pela deputada do PSL paulista Letícia Aguiar, dizendo
que conversou com o MEC para esclarecer pontos do projeto e que o Estado
desejava aderir ao programa.
Não se sabe se haverá custos extras para as escolas e quem bancará esses gastos
No ofício enviado ao governo no dia anterior, o
secretário havia feito — além de diversas perguntas sobre governança —
questionamentos sobre como o recurso para as escolas será recebido e de
que forma seria transferido, se será anual, qual será a periodicidade do
recebimento, se contempla o pagamento do salário dos militares, qual
será a remuneração média dos militares que atuaram nas unidades e se
recurso será o mesmo independentemente do tamanho das escolas. No
ofício, também questionava por quanto tempo está previsto o recurso
anunciado de R$ 1 milhão por escola.
Também fazia questionamentos
sobre aspectos pedagógicos que o governo ainda não definiu
oficialmente, como qual a carga-horária diária que os alunos terão, se
haverá disciplinas extras obrigatórias e se vai haver alguma mudança na
rotina da escola.
A BBC News Brasil reenviou as mesmas perguntas
que estavam no ofício ao Ministério da Educação e perguntou quais os
eventuais esclarecimentos feitos aos governadores dos Estados que
decidiram aderir, mas não recebeu resposta da pasta.
Frederico
Amancio, Secretário de Educação de Pernambuco, um dos Estados que não
aderiram, diz que a decisão de não participar do programa no momento
veio em grande parte das dúvidas sobre como será o funcionamento das
escolas.
"Não teve uma apresentação ampla. Em educação a gente
não muda só por uma ideia, precisa ter uma proposta, precisa ter a
oportunidade de conhecer melhor. E por enquanto não existem evidências
de resultados desse modelo cívico-militar", diz ele.
"Não sabemos
qual será a participação dos militares, quem vai dar apoio, nem quantos
serão. Três pessoa na escola vai mudar as escolas? Como vai se dar o
processo de gestão? Quem vai dar a última palavra?"
Amancio diz
que não descarta a participação no futuro quando tiver mais conhecimento
do modelo. "O problema é que com as informações disponíveis hoje minha
equipe técnica não sentiu segurança em aderir. Se eu entrasse também
seria questionado do porquê."
Custos extras
O governo ainda não explicou se vai bancar eventuais custos extras que as escolas possam ter com as novas regras militares.
Se
os alunos tiverem de usar fardas, por exemplo — que custam mais caro
que os uniformes normais das redes estaduais — não está claro se quem
vai bancar é o governo federal ou as secretarias.
"Nas escolas
que atualmente adotam o modelo de parceria cívico-militar, fora do
programa, na verdade as escolas acabaram gastando mais dinheiro", diz
Costin, citando casos de unidades na Bahia e em Goiás.
Nem o
salário dos militares é pago pelo governo federal, é dinheiro do
orçamentos locais que é utilizado. "Você desvia a política educacional, a
energia e os recursos da educação que já são escassos para
profissionais que não são da área", analisa Costin.
"Hoje olhando
para as 'receitas' e políticas adotadas nos 30 melhores sistemas
educacionais do mundo, não tem em lugar nenhum a conclusão que precisa
ter escolas cívico-militares", diz ela, que também foi Diretora Global
de Educação do Banco Mundial entre 2014 e 2016.
"Lógico que o
Brasil pode fazer experiências e ver se o modelo funciona, mas é preciso
que esteja claro o que será feito e que, acima de tudo, não seja
imposto, porque quem vai ficar com os resultados disso é a comunidade
escolar."
Apenas após a publicação desta reportagem, o
Ministério da Educação enviou uma séria de respostas às perguntas
anteriormente enviadas pela BBC News Brasil. Abaixo, os esclarecimentos:
1) Como o recurso do governo federal será recebido? Ele é anual? Vai ser transferido com que periodicidade? O
investimento anual do modelo por escola de 1.000 alunos será de R$ 1
milhão. Para o primeiro ano, em caráter piloto, para as 54 escolas
fomentadas, o valor destinado será de R$ 54 milhões. O
investimento para as escolas do Programa será financiado pelo Ministério
da Educação, contando com uma contrapartida do estado que desejar
aderir.
2) Ele será somente para o pagamento do salário dos militares? Não.
O recurso será disponibilizado conforme modalidade de pactuação. O MEC
repassará recursos ao Ministério da Defesa para pagamento de pessoal,
que serão militares das Forças Armadas alocados na escola, em
contrapartida, os estados ou os municípios farão adaptações nas
instalações das escolas e providenciarão uniformes, materiais,
laboratórios e tecnologias.
3) Qual será a média da remuneração dos militares que vão atuar nas escolas? Em
relação aos militares estaduais (Polícia Militar e Bombeiros), a
remuneração será realizada pelos estados. Para os militares inativos das
Forças Armadas, que serão contratados na modalidade Prestadores de
Tarefa por Tempo Certo - PTTC, a remuneração baseia-se em 30% dos
valores que o militar recebe na reserva, independente da função que vai
exercer ou exercia.
4) O recurso será o mesmo independentemente do tamanho das escolas? Não,
os valores serão de acordo com a quantidade de alunos e militares que
serão necessários na escola. O MEC calcula a necessidade de 18 militares
para uma escola de mil alunos: a. 1 Oficial de Gestão Escolar - Oficial Superior b. 1 Oficial de Gestão Educacional - Oficial subalterno/intermediário c. 16 Monitores - 1º Sgt/ Suboficial/Subtenente
5) Qual será a função de cada um? •
Gestão Escolar - o militar atuará em colaboração com os demais
profissionais da escola nas áreas didático-pedagógica, educacional e
administrativa; • Gestão Educacional - o militar atuará supervisionando os monitores escolares em apoio à área educacional; e •
Monitoria Escolar - os militares atuarão sob a orientação do
oficial de Gestão Educacional, nas áreas educacional e administrativa,
em atividades externas à sala de aula, com o intuito de melhorar o
ambiente escolar.
6) Quem será o Diretor da Escola? Ele será civil ou militar? Como será o processo de seleção do diretor? O
Programa não interfere na escolha dos diretores. O processo de seleção
será conduzido pelas secretarias de educação dos estados, municípios e
do Distrito Federal, conforme legislação específica.
7) Quantos militares por escola? Eles ficarão nos 3 turnos? Os militares atuarão em 2 turnos.
8) Qual o papel dos militares? Quem definirá esse papel? O
Decreto nº 10.004, de 05 de setembro de 2019, define os limites da
atuação desses profissionais, e os demais normativos estabelecidos pelo
MEC também regulamentarão as atividades dos militares.
9) Terá algum processo de seleção específico para os professores dessas escolas? Quais serão os critérios? A gestão dos profissionais da educação permanece sob a responsabilidade da secretaria de educação.
10)
De quem será a governança dos militares das forças armadas? Como será o
planejamento? Quem participa? Quem validará? A quem se recorre se algo
não estiver ocorrendo bem já que são instâncias federativas diferente e
autônomas? O Ministério da Defesa será o
responsável pelo controle administrativo dos militares, e o diretor,
pelas tarefas previstas no modelo de Ecim.
11) Os militares podem abandonar o programa a qualquer momento? A
contratação do militar será regida por um contratado de trabalho (PTTC)
assinado entre as partes, que abrange as regras e períodos em que o
militar se compromete com o programa.
12) A escola
continuará sendo de responsabilidade do governo estadual? Como será a
relação com as forças armadas uma vez que são instâncias federativas
autônomas? Como será definida a hierarquia? Sim, a escola continua sendo de responsabilidade do governo do estado ou do município. Nas
atividades exercidas pelos militares, existe a hierarquia funcional
nessa ordem: Oficial de Gestão Escolar; Oficial de Gestão Educacional e
Monitores (a patente e a graduação dos selecionados indicarão essa
hierarquia).
13) Escolas de qualquer região do estado poderão receber este Programa? Sim, preferencialmente, na capital do estado ou na respectiva região metropolitana.
14) Quais os critérios de vulnerabilidade vão ser usados para as escolas caso várias se interessem? A escolha das escolas ficará a cargo dos entes federativos, seguindo os critérios estabelecidos, conforme a realidade local.
15)
Caso haja regras específicas que gerem custos, quem vai custear? Ou
seja, vai haver custos extras para as escolas cujos recursos não virão
do governo federal? O Pecim não prevê custos extras.
16) Por exemplo, os alunos terão que usar uniforme específico? Quem vai custeá-lo? O
custeio do uniforme será definido conforme a modalidade pactuada,
podendo ficar com o Governo Estadual/Municipal ou do Governo Federal.
17) Após o prazo de 10 anos a escola deixará de adotar o modelo cívico-militar? Os prazos de adoção do modelo cívico-militar serão estabelecidos em instrumento específico no momento da pactuação.
18) Qual a carga-horária diária que os alunos terão? Serão cinco horas diárias.
19)
Haverá disciplinas - fora as regulares - que serão obrigatórias? Haverá
alguma mudança na rotina da escola? Se sim, quais serão? A
rotina diária dos alunos deve permanecer a mesma, com as aulas sendo
ministradas durante as 5 horas previstas, incluídos os intervalos.
Poderá haver a inserção de alguns eventos como formaturas, que não devem
comprometer o planejamento de ensino.
20) Haverá
seleção de estudantes ou prioridade de atendimento com base em critérios
específicos? O governo pretende definir essas especificidades até
quando? A escola continuará sendo gratuita e o ingresso será realizado pela Secretaria de Educação.
De falta de esgoto a moradores demais, os problemas de lares brasileiros que atrasam o desenvolvimento de crianças
Paula Adamo Idoeta - @paulaidoeta
Da BBC News Brasil em São Paulo
Condições do entorno da criança afetam seu desenvolvimento
Moradias de renda
insuficiente, com excesso de pessoas, sem saneamento básico. A descrição
se encaixa em um número considerado preocupante de lares brasileiros
que abrigam crianças de zero a seis anos, com impactos sobre seu
bem-estar, aprendizado e desenvolvimento ao longo de toda a sua vida
futura – e com grande chance de isso se reverter em mais custos futuros
para o Estado.
Das 18,4 milhões de crianças que o Brasil tinha em
2017, 41,3% delas habitavam casas com ao menos uma inadequação de
saneamento, seja ausência de esgoto, abastecimento de água ou coleta de
lixo. Quase um quarto das casas delas tinha ao menos uma inadequação de
moradia, ou seja, sem banheiro próprio, paredes de materiais não
resistentes, adensamento excessivo (mais de três pessoas dividindo cada
dormitório) ou custos de aluguel que não cabiam no bolso da família.
No
que diz respeito a renda, eram quase 2,8 milhões de crianças de zero a
seis anos vivendo em lares com rendimento real per capita de no máximo
US$ 5,50 por dia – linha de pobreza definida pelo Banco Mundial e
equivalente, na cotação atual, a R$ 22 por pessoa por dia.
Os
dados foram levantados na pesquisa do IBGE Pnad Contínua para a BBC News
Brasil pelo economista Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de
Políticas Públicas do Insper, que traçou um quadro sobre a
vulnerabilidade de lares que abrigam crianças pequenas para o Simpósio
Internacional de Equidade na Primeira Infância, realizado na última
semana, em São Paulo.
De acordo com o levantamento, 5,4% dos lares com crianças pequenas estavam em situação de pobreza extrema, vivendo com o equivalente a menos de R$ 8 por dia por pessoa.
O ambiente em que a criança vive em seus primeiros anos de vida
importa porque interfere diretamente em sua saúde e desenvolvimento
cerebral em um período crucial: é na primeira infância que "o cérebro
constrói a base das habilidades cognitivas e de caráter necessárias para
o sucesso na escola, na saúde, na carreira e na vida", segundo costuma
descrever o economista americano James Heckman, ganhador do Nobel e
referência em pesquisas do desenvolvimento humano do ponto de vista
econômico.
Quase 42% dos lares com crianças de zero a seis anos
têm pelo menos uma restrição nos serviços de saneamento: não contam com
coleta de lixo, rede de esgoto ou abastecimento de água.
"Em um país como o Brasil, que chegou a ser a sétima
economia do mundo, é muito impressionante que a gente não esteja
investindo nessas crianças e não deixando que elas cresçam em ambientes
minimamente protegidos", diz Naercio Menezes Filho.
"Essas
crianças vão se tornar jovens e vão ter problemas de aprendizado, de
evasão escolar – muito provavelmente muitas não vão concluir o ensino
médio –, vão pegar um emprego informal, ou se tornar nem-nem (grupo que
nem estuda, nem trabalha) e podem depender do Estado para o resto da
vida", diz ele.
"O melhor é investir agora, resolver esses
problemas (de condições básicas de vida), e economizar dinheiro no
futuro. (...) A primeira infância tem a maior taxa de retorno no ciclo
de vida das políticas públicas."
Um estudo da ONG britânica
Shelter apontou que as crianças do país que viviam em condições
inadequadas de habitação tinham maior chance de desenvolver problemas
mentais, comportamentais e educacionais – e, em consequência, maior
dificuldade em conseguir empregos e sair da pobreza.
A Unicef,
agência da ONU para a infância, estima que o desperdício de potencial
humano na primeira infância tenha impacto de 20% na produtividade futura
dessas crianças quando adultas.
"O que acontece nesses primeiros
anos é crucial para o desenvolvimento de qualquer criança. É um período
de grande oportunidade, mas também de vulnerabilidade a influências
negativas", diz a entidade. "Esforços para melhorar o desenvolvimento de
crianças pequenas são um investimento, e não um custo. Intervenções
indicam que para cada dólar investido em melhorar o desenvolvimento na
primeira infância tem retorno de quatro a cinco vezes maior que a
quantia investida, ou até mais em alguns casos."
A agência
destaca, ainda, que a falta de acesso a condições sanitárias adequadas e
maus hábitos de higiene chegam a respoder, historicamente, por cerca de
metade dos casos globais de desnutrição infantil – o que, por sua vez,
também impacta negativamente o desenvolvimento cognitivo, motor e
socioemocional das crianças, com efeitos diretos em seu desempenho
escolar.
Quase um quarto das casas de crianças pequenas tinha
ao menos uma inadequação de moradia – sem banheiro próprio, com paredes
de materiais não resistentes, adensamento excessivo ou custos de
aluguel que não cabiam no bolso da família
Diferenças regionais e raciais
Ainda
segundo os dados levantados por Menezes, quase 42% dos brasileiros que
moram com crianças pequenas têm rendimento domiciliar per capita de no
máximo US$ 5,50 (R$ 22) por dia. E, apesar de viverem na pobreza, 14%
dessas pessoas não recebem nenhum tipo de transferência de renda
estatal.
O estresse que a pobreza e as condições inadequadas de
habitação impõem sobre os adultos pode refletir nas crianças, explica o
economista.
"É muito difícil morar em domicílios com adensamento
excessivo, sem transferência de renda, sem saneamento. (...) Se mães
sozinhas ficarem deprimidas por essa situação, será um fator importante,
que dificulta sua interação (com os filhos) e prejudica o
desenvolvimento infantil. Alguns estudos mostram que os problemas (de
saúde mental) da mãe se transferem para os filhos."
Menezes identificou, também, significativas diferenças regionais entre as condições habitacionais de crianças pequenas.
Em
Estados como Alagoas, Maranhão, Acre e Piauí, por exemplo, um terço das
crianças pequenas vive em lares com renda efetiva diária de até US$
5,50 – o dobro da média nacional.
As diferenças se evidenciam
também no recorte racial. As inadequações em saneamento básico (acesso a
esgoto, água ou coleta de lixo) afetam os lares de cerca de 30% de
meninas e meninos brancos, mas o índice sobe para cerca de 50% entre
meninas e meninos negros e pardos.
Outro levantamento prévio,
feito pela Fundação Abrinq, também com base em dados do IBGE, aponta que
o Brasil tem 9,4 milhões de crianças e adolescentes em situação
domiciliar de pobreza extrema, ou seja, com renda per capita mensal
inferior ou igual a um quarto do salário mínimo (quantia equivalente a
R$ 250).
Unicef argumenta que políticas para primeira infância devem ser vistas como investimento, e não despesas
Perspectivas opostas
Menezes
aponta que é possível enxergar os dados de pobreza sob duas
perspectivas opostas: o quadro maior dá sinais positivos, enquanto o
cenário de curto prazo é pessimista.
"Historicamente, houve uma
redução muito grande na proporção (de lares vulneráveis), porque o
Brasil vivia em situação de alta pobreza nos anos 1980 e 1990, sem
mecanismos de proteção social e quando o saneamento era pior ainda",
afirma.
"O Brasil melhorou muito desde a Constituição (de 1988)
até agora. Mas a crise econômica pode ter contribuído para piorar um
pouco (o cenário) desde 2015. O IBGE mostra que houve um aumento (na
vulnerabilidade dos mais pobres) entre 2016 e 2017, provavelmente também
entre as crianças. Alguns dados mostram que a desigualdade também
aumentou nesse período."
Esse aumento foi contido, segundo
Menezes, pela rede de políticas públicas e transferência de renda criada
nas últimas décadas, incluindo o Bolsa Família, a expansão do Sistema
Único de Saúde (SUS), seguro-desemprego e programas como Criança Feliz
(de atendimento à primeira infância em lares vulneráveis) e Saúde da
Família.
"Tudo isso serve para impedir que em momentos de crise você tenha um aumento muito grande" na pobreza, diz.
Desigualdade de oportunidades
Ao
mesmo tempo, Menezes explica que essa soma de adversidades logo no
início da vida impede que tantas crianças tenham condições de atingir
seu pleno potencial para competir com quem teve suas necessidades
básicas atendidas desde a primeira infância.
"Não existe
meritocracia no sentido estrito do termo no Brasil, à medida que você
tem tanta desigualdade de oportunidades", afirma Menezes.
"Talvez
exista meritocracia entre as pessoas que já nascem sem esses problemas
todos (relacionados à pobreza extrema), daí o esforço e a garra são
recompensados. Mas quando você vê uma parcela grande de (crianças com)
ao menos uma inadequação na moradia – essas crianças não vão ter
igualdade de oportunidades, e se não conseguirem sucesso na vida não vai
ser unicamente por causa do esforço delas, mas pelas condições em que
cresceram (e o impacto disso) no desenvolvimento futuro delas."
Os bebês roubados no Chile: 'Procuro há 30 anos meu filho levado em hospital'
Sara Jineo procura seu filho há 30 anos
Em 1988, Sara Jineo levou seu bebê recém-nascido para o hospital em Temuco, sul do Chile. Mas uma mulher tirou seu filho de seus braços e nunca o trouxe de volta.
"Eles disseram que fariam um exame de sangue nele, mas me enganaram. Procurei por todo o hospital e pedi ajuda a um policial, que olhou para mim, riu e disse que eu estava louca", diz ela.
Desde então, Sara procura seu filho Camilo. Ela está convencida de que ele foi levado para o exterior após um motorista de táxi local dizer ter visto uma mulher carregando um bebê chorando para o aeroporto local no mesmo dia em que Camilo desapareceu. Aparentemente, a criança estaria enrolada no mesmo cobertor que Sara havia usado.
Sua situação não é excepcional. Sara faz parte de uma geração de mães e filhos que tentam se encontrar após serem involuntariamente separados entre 1973 a 1990, durante o regime militar do general Augusto Pinochet (1915-2006).
Cerca de 20 mil crianças foram adotadas por casais estrangeiros neste período. O Tribunal de Apelações do Chile diz que pelo menos 8 mil dos casos são considerados suspeitos, mas alguns ativistas acreditam que o número é muito maior.
Muitas destas mães, incluindo Sara, eram mapuche, a maior comunidade indígena do Chile, que responde por cerca de 7,5% da população de 17 milhões de pessoas do país. Os mapuche geralmente vivem na pobreza em áreas rurais do sul do Chile e dizem que são tratados como cidadãos de segunda classe, privados de sua terra e cultura.
Image captionSara guardou a pulseira do hospital que Camilo recebeu ao nascer
Embora as adoções ilegais não tenham começado durante os anos de Pinochet — e muitas também aconteceram na Argentina — , elas se intensificaram durante o regime e com um objetivo específico.
O governo Pinochet queria eliminar a pobreza extrema, principalmente entre as crianças. A estratégia era simplesmente levá-las para fora do país, de acordo com Jeanette Velásquez, que trabalha para o grupo voluntário Hijos e Madres del Silencio (filhos e mães do silêncio, em espanhol).
Ela diz que assistentes sociais, freiras, médicos, advogados e agências internacionais de adoção estiveram envolvidos em uma operação delicada, que enviou bebês a países desenvolvidos, incluindo Holanda, Estados Unidos, Suécia e Alemanha.
"Algumas mulheres me contam histórias horríveis sobre como estavam amamentando quando seu bebê foi retirado de seus braços. Houve muita violência", diz ela.
Image captionJeanette Velásquez (dir.) está ajudando Sara a procurar seu filho
Em outros casos, a pressão era mais psicológica. As assistentes sociais diziam às mães que elas eram pobres demais para cuidar dos seus filhos ou que já tinham muitos e seriam incapazes de sustentar mais um.
Um reencontro após mais de 30 anos
Mães vulneráveis, principalmente solteiras, foram alvo desta política. Algumas mulheres foram forçadas a assinar papéis que não entendiam ou informadas de que seus filhos haviam morrido.
A mãe de Alejandro Quezada foi uma dessas mulheres. Ela tinha apenas 14 anos, estava solteira e vivia em uma área rural nos arredores de Valdivia, no sul do país.
Logo após o parto em casa, levou seu bebê para fazer exames em um hospital local. Lá, ele foi levado para longe dela, porque funcionários diziam que ele estava doente. Mais tarde, foi informada de que ele havia morrido e que seu corpo já havia sido descartado. "Quando ela começou a gritar, eles lhe deram uma injeção que a apagou por três dias", diz Quezada.
Mulheres como a mãe biológica de Alejandro nunca receberam atestados de óbito ou permissão para ver os corpos de seus filhos. Foram informadas de que isso as abalaria, e o clima de medo durante a era Pinochet as impediu de fazer mais perguntas.
Alejandro só começou a ligar os pontos de sua história mais tarde na vida e descobriu que, em 1979, com apenas algumas semanas, foi enviado para a Holanda.
Direito de imagemARQUIVO PESSOALImage captionAlejandro Quezada foi enviado para a Holanda quando bebê
Ele foi adotado por um casal holandês que queria ajudar países mais pobres e foi informado de que a mãe de Quezada o havia dado voluntariamente para adoção. "Na adolescência, tive muitas dúvidas sobre minha identidade. Embora eu ame meus pais adotivos, me sentia deprimido e sozinho", diz ele.
Em 1997, aos 17 anos, Quezada viajou para o Chile com sua família adotiva para conhecer a freira holandesa que havia cuidado de sua adoção. Ela o levou para conhecer sua mãe biológica.
Ele imediatamente notou sua semelhança física, mas não foi um encontro fácil. "Tinha tantas perguntas para ela, e foi muito frustrante, porque não conseguimos nos entender, e a freira não nos deixou juntos por muito tempo", diz Quezada.
Alejandro decidiu aprender espanhol para que ele e sua mãe biológica pudessem conversar sem um tradutor. Somente aos 30 anos, morando no Chile, ele finalmente descobriu a verdade: sua mãe nunca o deu para adoção, e disseram a ela que Quezada havia morrido.
Direito de imagemCOURTESY OF ALEJANDRO QUEZADAImage captionAlejandro Quezada descobriu aos 30 anos que sua mãe não o deu para adoção
A freira que organizou a adoção e costumava ir e vir entre os dois países agora vive na Holanda. Ela hoje fala publicamente sobre as adoções em que esteve envolvida e insiste que fez a coisa certa, por acreditar ter proporcionado uma vida melhor para aquelas crianças.
As experiências de Alejandro o levaram a criar uma instituição de caridade, a Chilean Adoptees Worldwide (adotados chilenos no mundo, em tradução livre), que ajuda outros como ele a encontrar suas mães.
Investigação busca reunir mães e filhos
A pesquisa geralmente é árdua. Os documentos de adoção raramente informam os nomes completos de ambos os pais. Às vezes, os dados foram deliberadamente alterados.
Alejandro descobriu que o cartório na capital, Santiago, é uma boa fonte de informação, porque certidões de nascimento manuscritas originais às vezes contêm pistas.
Uma investigação do governo começou em 2018, quando as mães exigiram respostas sobre por que seus filhos foram tirados delas contra sua vontade.
Um número crescente de pessoas que tiradas de suas mães biológicas começaram a descobrir a verdade por trás de suas adoções desde então, e 200 mães se reencontraram com seus filhos até hoje.
Devido ao crescente número de reclamações, uma unidade policial especial foi criada em março passado, que trabalha com mães em regiões de onde se pensa que muitas crianças foram levadas.
O governo e instituições de caridade que ajudam estas mães querem que elas façam o exame para um banco de dados central gerenciado pelo governo que ajudará os adotados a encontrar sua família biológica. Mas espera-se que as mulheres paguem os custos, e cada kit custa cerca de US$ 100 (R$ 416), cerca de meio mês de salário para a maioria delas.
Nem todo mundo está convencido de que os investigadores estão se esforçando o suficiente. Os críticos da iniciativa dizem que o Estado chileno está tentando proteger juízes, assistentes sociais, freiras e outros envolvidos.
Eles afirmam que, para que a justiça seja cumprida, a idade avançada e a saúde precária de alguns dos suspeitos de terem participado do esquema de adoção forçada não devem ser uma barreira para o processo.
Jaime Balmaceda, juiz do Tribunal de Apelações, é responsável por descobrir quais das adoções foram legítimas ou não. Ele diz que os atrasos na investigação não são deliberados, mas que o processo é longo e muitas vezes dificultado pela falta de documentação. "Não estamos tentando proteger ninguém ou esperando que as pessoas morram para que não possam ser levadas à justiça", afirma.
Para Quezada, levar à prisão os responsáveis por sua adoção nunca foi o objetivo. Hoje com mais de 80 anos, a freira que providenciou seu envio para a Holanda visitou recentemente o Chile e enfrentou questionamentos como parte da investigação do governo. Mas Quezada diz que não quer que ela seja presa. "Fomos tratados de forma desumana, mas isso não significa que devemos tratar outras pessoas assim."
Garantir que algo assim nunca aconteça novamente é mais importante para ele. "Adotar é uma das coisas mais nobres do mundo. Mas você precisa ter todas as informações, porque as crianças terão perguntas sobre suas raízes biológicas e você precisa saber estas respostas."