quarta-feira, 26 de junho de 2019

ONU: Foto de imigrantes afogados mostra fracasso de governos

Para Filippo Grandi, da Acnur, imigrantes morrem por não conseguirem a proteção a que têm direito conforme as leis internacionais



Corpos do imigrante salvadorenho Óscar Alberto Martínez Ramírez e de sua filha Valeria, de quase 2 anos de idade, é visto às margens do Rio Grande em Matamoros, México - 24/06/2019 (Julia Le Duc/AP)
A foto de Óscar Ramírez, 25, e de sua filha Valéria afogados na beira de um rio na fronteira dos Estados Unidos com o México simboliza a incapacidade de se lidar com o desespero dos imigrantes, declarou a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) nesta quarta-feira, 26, em clara crítica à política americana.
O alto comissário da ONU para refugiados, Filippo Grandi, disse que os imigrantes mortos arriscaram suas vidas porque não conseguiram a proteção a que tinham direito conforme as leis internacionais.
“As mortes de Óscar e Valeria representam um fracasso em lidar com a violência e o desespero que empurram as pessoas a fazer jornadas perigosas pela perspectiva de uma vida em segurança e dignidade”, disse ele em um comunicado.
Amplamente compartilhada nas redes sociais, a foto mostra pai e filha mortos por afogamento às margens do Rio Grande, na divida dos Estados Unidos com o México. A tentativa de travessia se deu quando Óscar descobriu que a ponte internacional que liga os dois países estava fechada. No domingo 23, eles decidiu atravessar com a filha pelo rio. Os dois se afogaram diante do olhar da mãe da menina antes de chegarem ao lado americano.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou o México com a imposição de tarifas de importação de seus produtos como meio de forçar o país a adotar medidas internas de controle da imigração proveniente da América Central.
Segundo advogados americanos especializados em imigração, crianças estão sendo mantidas por semanas sem comida ou higiene adequada em centros de detenção na fronteira americana. Na terça-feira 25, o Congresso americano aprovou um pacote de 4,5 bilhões de dólares para os programas de assistência às famílias da América Central que buscam refúgio nos Estados Unidos.
A agência comparou a imagem no Rio Grande com a icônica fotografia de um menino refugiado sírio, Aylan Kurdi, de três anos de idade, cujo corpo chegou a uma praia da Turquia em 2015. Ele fazia parte da expressiva emigração de sírios pelo Mediterrâneo, com destino à Europa, que levou a  Turquia a efetivamente fechar a rota dos migrantes pela Grécia a pedido da União Europeia.
Desde então, muitos países ergueram barreiras aos imigrantes. Nações da União Europeia e os Estados Unidos pressionaram seus vizinhos para reduzir o número de pessoas que tentam fazer as viagens em busca de uma vida mais segura.
Forçados a sair de seus países por causa de conflitos e perseguições, os refugiados somaram 70 milhões até o final de 2018, segundo relatório da Acnur. Especialistas em migração dizem que apertar os controles simplesmente leva os imigrantes a optarem por meios irregulares, o que os expõem aos riscos de morte e de exploração.
(Com Reuters)



terça-feira, 25 de junho de 2019

Por que seu smartphone pode se tornar um espião dentro do seu bolso


Ilustração de homem com uma grande nuvem de dados sobre sua cabeça, em fundo turquesaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionQuem tem acesso aos seus dados?

Para muitas pessoas, o smartphone é uma janela para o mundo. Mas e se for também uma janela para sua vida privada? Você já pensou que pode estar carregando um espião no bolso?
Imagine se hackers pudessem instalar remotamente spywares - um programa que coleta informações sobre uma pessoa ou empresa, sem seu consentimento, e permite controlar o aparelho à distância - para ter acesso a tudo, inclusive mensagens criptografadas, e até acionar o microfone e a câmera?
Bem, isso não é tão difícil quanto parece, e há evidências convincentes de que este recurso está sendo empregado para rastrear o trabalho de jornalistas, ativistas e advogados em todo o mundo.
Mas quem está fazendo isso e por quê? E o que pode ser feito sobre o spyware que pode estar em nossos bolsos?

Software é tão poderoso que é classificado como arma


Uma lente de câmera sobre fundo pretoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionUma câmera de celular é como um olho - vê tudo que está na frente dela

Mike Murray é especialista em segurança cibernética na Lookout, empresa que ajuda governos, empresas e consumidores a manterem seus telefones e dados protegidos.

Ele explica que o software de espionagem mais sofisticado já desenvolvido é tão poderoso que é classificado como arma e pode ser vendido apenas sob condições rígidas, porque ele transforma o telefone em um dispositivo de escuta que pode ser rastreado - e permite roubar tudo que está armazenado no aparelho.
"Quem opera o software pode rastreá-lo pelo GPS. É possível ligar o microfone e a câmera a qualquer momento e registrar tudo o que está acontecendo ao redor. Ele rouba o acesso a todos os aplicativos de mídia social, fotos, contatos, informações de calendário, email, documentos", diz Mike.
spyware já existe há anos, mas agora estamos entrando em um mundo totalmente novo.
Este software não intercepta dados em trânsito, quando normalmente já estão criptografados, mas quando ainda estão no telefone, assumindo o controle de todas as suas funções - e a tecnologia é tão avançada que é quase impossível detectá-la.

'Spyware' na captura de El Chapo


Joaquin Guzman Loera, o El Chapo, é levado para prisão de segurança máxima no México em 2016Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNenhuma criptografia poderia salvar o traficante El Chapo de ser rastreado e preso

O traficante mexicano Joaquín "El Chapo" Guzmán tinha um império multibilionário. Depois de fugir da prisão, ele ficou foragido por seis meses, com a ajuda e proteção de sua rede criminosa.
Durante esse período, só se comunicava por telefones criptografados, supostamente impossíveis de hackear.
Mas as autoridades mexicanas haviam adquirido programas de espionagem novos e mais avançados e conseguiram infectar os telefones daqueles que o cercavam, o que os levou ao seu esconderijo.
A captura de El Chapo mostra como esse tipo de programa pode ser uma arma valiosa na luta contra terroristas e o crime organizado. Muitas vidas podem ter sido salvas e extremistas presos após empresas de segurança invadirem telefones e aplicativos criptografados.
Mas o que impede quem compra essas armas de usá-las contra quem quiserem? Quem incomoda um governo corre o risco de ser hackeado?

O blogueiro britânico que tornou-se um alvo


Ilustração representa um código binário com uma caveira no meioDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionComo saber quem está por trás de um email?

Rori Donaghy é um blogueiro que publicava em seu site reportagens sobre violações de direitos humanos nos Emirados Árabes - as vítimas iam desde trabalhadores migrantes a turistas que violavam a lei.
Ele tinha apenas algumas centenas de leitores, e suas manchetes não eram mais incendiárias do que as que apareciam no noticiário todos os dias.
Quando ele passou a trabalhar no site de notícias Middle East Eye, algo aconteceu: começou a receber emails estranhos com links de remetentes desconhecidos.
Rori enviou um email suspeito para o grupo de pesquisa The Citizen Lab, na Universidade de Toronto, no Canadá, que investiga o uso indevido de espionagem digital contra jornalistas e ativistas de direitos humanos.
Eles confirmaram que o link era para fazer com que não só fosse baixado um vírus em seu aparelho, mas também informar ao remetente que tipo de proteção ele tinha para que a invasão não fosse detectada - um sinal de sua sofisticação.
Foi descoberto que Rori estava sendo perseguido por uma empresa de espionagem eletrônica que trabalhava para o governo dos Emirados Árabes monitorando grupos que o governo acredita serem extremistas e riscos à segurança nacional.
Eles até deram ao pequeno blogueiro britânico um codinome - "Giro" - e monitoraram membros de sua família, assim como todos os seus movimentos.

Um ativista de direitos civis na mira de um governo


Desenho de smartphoneDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCuidado com o que acontece quando você clica em alguma coisa

Ahmed Mansoor, um renomado e premiado ativista de direitos civis, tem sido alvo de vigilância do governo dos Emirados Árabes há anos.
Em 2016, ele recebeu uma mensagem suspeita, que também compartilhou com o The Citizen Lab. Usando um celular, os pesquisadores clicaram no link - e o que viram os surpreendeu: eles testemunharam o telefone ser infectado remotamente, e seu fluxo de dados ser redirecionado.
O iPhone deveria ser um dos telefones mais seguros do mercado, mas o spyware - um dos tipos mais sofisticados - encontrou uma brecha no sistema da Apple, que foi forçada a publicar uma atualização para cada seus celulares no mundo todo.
Não está claro quais informações foram coletadas do telefone de Mansoor, mas ele foi detido e condenado a dez anos de prisão. Ele está agora na solitária.
A Embaixada dos Emirados Árabes em Londres disse à BBC que suas instituições de segurança seguem rigidamente os padrões internacionais e as leis domésticas, mas, como todos os países, não comenta sobre questões de inteligência.

O jornalista que foi morto por agentes do regime saudita


Imagem de um hacker usando um telefone celular para roubar dadosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO que acontece se um desconhecido estiver escutando suas conversas?

Em outubro de 2018, o jornalista Jamal Khashoggi entrou na Embaixada da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia. Ali, ele foi morto por agentes do regime saudita.
Um amigo do jornalista, Omar Abdulaziz, diz que seu telefone foi hackeado pelo governo saudita. Abdulaziz acredita que isso teve um papel importante no assassinato de seu mentor.
Eles estavam em contato regularmente e travavam muitas discussões sobre política e projetos realizados em colaboração.
Durante muito tempo, o governo saudita teve acesso a essas discussões e a qualquer troca de documentos ou arquivos entre eles.
A resposta do governo saudita é que, embora haja softwares maliciosos para telefones celulares, não há evidências de que a Arábia Saudita esteja por trás disso.

Um aplicativo como ponto de entrada no seu telefone


Uma mão segurando um smartphone - a pessoa está usando o WhatsAppDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA 'tecnologia de zero cliques' pode ser o ponto de entrada mais fácil em um telefone

Em maio de 2019, houve uma grande violação de segurança do aplicativo WhatsApp, que muitos usam para conversar com amigos e familiares diariamente.
Se você imaginou que isso apenas permitiu que alguém pudesse ouvir chamadas do WhatsApp, melhor repensar. O aplicativo foi apenas um ponto de entrada para o telefone: uma vez aberto, o hacker poderia instalar uma série de spywares no telefone.
O destinatário não precisava nem clicar em um link. O dispositivo foi acessado apenas fazendo uma chamada e, em seguida, desligando. Isso é conhecido como tecnologia de zero cliques.
O WhatsApp enviou rapidamente uma solução para seu 1,5 bilhão de usuários, mas ninguém sabe quem estava por trás do ataque.
O aplicativo de mensagens foi o alvo desta vez, mas qual estará na mira na próxima?

Qual é o papel dos desenvolvedores?


Imagem simbolizando tráfego de dadosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionDesenvolvedores de 'spyware' mantêm atualizações constantes para seus 'produtos'

Desenvolvedores desse tipo de spyware precisam de licenças especiais de exportação - assim como nos contratos de defesa. Esses programas são vendido com o único propósito de impedir que criminosos atinjam seus objetivos.
Mas o The Citizen Lab criou um dossiê completo sobre o que eles acreditam ser abusos por governos que são seus clientes. Os desenvolvedores de software também devem ser responsabilizados por isso?
O desenvolvedor presta serviço de manutenção do spyware após a venda. Então, é culpado quando o programa é mal utilizado?
A principal empresa do mercado de interceptação legal é uma companhia israelense chamada NSO Group. Ela existe há quase uma década e fatura centenas de milhões de dólares por ano.
O advogado de Abdulaziz está processando a empresa pela suposta invasão do telefone de seu cliente. Isso ajudará a determinar qual o papel das empresas de software nesta questão.
A NSO recusou um pedido de entrevista, mas afirmou em um comunicado que sua tecnologia fornece às agências governamentais licenciadas as ferramentas necessárias para prevenir e investigar crimes graves, e que sua tecnologia salva muitas vidas.
Enquanto isso, o advogado de Abdulaziz diz ter começado a receber chamadas misteriosas no WhatsApp.

Quanto tempo até que o spyware seja detectado?


Mãos da mulher segurando um smartphone - ela está vestindo um top amarelo e está tocando na tela do telefoneDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionMensagem de texto ou email de um remetente desconhecido? Não clique no link em hipótese alguma

O objetivo final da indústria de interceptação legal - seu Santo Graal, por assim dizer - é desenvolver um spyware 100% indetectável.
Se conseguirem isso, ninguém poderá relatar um uso indevido, porque ninguém saberá disso. Todos estaremos nas mãos dos desenvolvedores quanto a estarem operando legalmente ou não.
Pode soar como como algo de um filme de James Bond, mas é uma ameaça real com consequências concretas neste novo mundo - e é algo que todos precisamos ter em mente no futuro.

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A vida de um médico especialista em eutanásia: 'Não sinto que estou matando o paciente'

Doutor Yves de Locht, especialista em Eutanásia, aparece na imagem segurando frasco
O médico Yves de Locht já realizou mais de 100 eutanásias e diz que os procedimentos lhe causam grande impacto pessoal e emocional
"Injetamos isso nas veias do paciente e, em menos de um minuto, ele se vai, cai adormecido e depois morre. Sem sofrimento, sem dor," diz o doutor Yves de Locht, enquanto segura entre os dedos um pequeno frasco com um líquido.
De Locht realiza eutanásias na Bélgica, país com uma das políticas mais liberais sobre o tema.
A eutanásia ativa, ou morte assistida por intervenção deliberada, é legal no país e em apenas alguns outros: Holanda, Luxemburgo, Canadá e Colômbia, enquanto alguns estados dos Estados Unidos permitem certos tipos de morte assistida.
Na Bélgica, o procedimento foi legalizado em 2002 e, em média, é aplicado a seis pessoas por dia. No ano passado, médicos belgas puseram fim a 2.357 vidas com a eutanásia.
O doutor Locht - que realizou mais de 100 eutanásias - recebe constantemente pedidos de pacientes que querem morrer.
Mas por motivos pessoais e emocionais, ele diz que só pode fazer uma por mês.
"É um ato importante e difícil que tem um grande impacto emocional", admite. "Eu não chamo de matar um paciente. Ele encurtou sua agonia, seu sofrimento. Eu lhe forneço o cuidado final."
A BBC acompanhou o médico durante os atendimentos a três pacientes que pediram sua intervenção.
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Alain: 'Quando perder a capacidade de me comunicar e me movimentar'

Alain sendo transferido de sua cadeira de rodas, com a ajuda de três homens. Homem cogitava fazer eutanásia, mas morreu antes de complicações rspiratórias
Image captionAlain saiu da França com os filhos para o consultório do doutor Locht. A eutanásia seria opção, mas ele morreu antes com complicações
Alain tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma condição que enfraquece todos os músculos gradualmente.
Em média, os pacientes com ELA morrem entre três e cinco anos após serem diagnosticados. Cerca de 25%, segundo o Ministério da Saúde do Brasil, sobrevivem por mais de cinco anos depois do diagnóstico.
Ele viajou 700 quilômetros com os dois filhos - saindo da França, onde a eutanásia é ilegal - para conseguir que o ajudem a encerrar a própria vida quando sua situação piorar.
A chegada ao consultório é de ambulância, a única maneira em que Alain poderia ser transportado, diz De Locht.
O médico quer ter certeza de que o pedido é feito pela vontade do paciente e pergunta sobre quando ele vai tomar a decisão.
"Eu acho que quando perder a capacidade de me comunicar e me mover", responde Alain.
De Locht explica a ele que a intervenção será feita em um pequeno quarto do hospital onde poderão estar um ou dois membros da família.
Cabe a Alain decidir se quer que os filhos o acompanhem em suas últimas horas, mas eles também têm a opção de querer ou não estar presentes.
Alain e seus dois filhos em consulta com o doutor de Locht, sobre Eutanásia
Image captionAlain poderia ser acompanhado pelos filhos no momento da eutanásia, se assim ele e os filhos desejassem
Segundo o médico, Alain cumpre as três condições básicas para pedir a eutanásia: "Ele tem uma doença incurável e um sofrimento que não pode ser aliviado", diz ele, e "fez uma solicitação por escrito. Tenho o documento aqui".
Alain voltou para casa com a esperança de poder pedir a eutanásia a qualquer momento. No entanto, ele morreu pouco depois, em fevereiro, de complicações respiratórias.
"Devemos aceitar que não podemos curar tudo", diz o o doutor De Locht à BBC. "Quando não podemos curar, nosso papel é tentar aliviar o paciente, atenuar sua dor. Então, quando chego até o final continuo fazendo meu trabalho como médico."
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Louise: 'Eu não quero acabar em um lugar com cheiro de urina'

Louise, mulher que cogita se submeter à eutanásia
Image captionLouise diz ter tomado a decisão 'para ter uma morte digna'
Louise tem 79 anos e está em bom estado de saúde. Ela é paciente do doutor De Locht e, embora a eutanásia não esteja "na agenda" imediata, ela quer ter certeza de que a opção estará disponível caso seja necessária.
"Eu acho que você tem de enfrentar a morte e, se puder, esperá-la de pé", diz. "É algo que afeta a todos nós, porque todos nós vamos morrer, mas eu tenho o direito de exigir qualidade ao final da minha vida."
Louise argumenta que a eutanásia é uma maneira mais humana e mais eficiente de acabar com a vida. "Eu não quero acabar em um lugar com cheiro de urina", exclama.
Ela sabe, no entanto, que por ora sua solicitação será negada.
Yves de Locht, médico especialista em eutanásia, lê as notas que registra sobre a história dos pacientes
Image captionHá alguns anos, o dr. De Locht mantém um registro com as histórias de seus pacientes
"É difícil dizer 'não'", diz o o doutor De Locht. "Somos obrigados a escolher, frente à quantidade de solicitações, então sempre pego os pacientes mais graves."
Ainda que tenha realizado mais de 100 eutanásias, ele teve de recusar algumas e nem sempre por razões médicas.
"Por razões afetivas, de nenhuma forma eu praticaria a eutanásia a pessoas que conheço muito bem ou a membros da família", admite ele.
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Michel: 'Não é o câncer que me leva, sou eu quem decide'

Michel e sua esposa Isabelle. Ele cogitava fazer eutanásia
Image captionMichel estava 'absolutamente decidido' a seguir adiante com o procedimento, mas sua mulher gostaria de ter mais tempo com ele
Uma noite antes de fazer a eutanásia, o doutor De Locht visita o paciente, Michel, que espera com sua esposa.
Michel, de 82 anos, é ex-chefe de polícia e tem câncer terminal na mandíbula. Ele tem se alimentado por meio de um tubo gástrico há quase um ano.
De Locht o cumprimenta e pergunta se ele mudou de ideia.
"Não há perigo (de mudança de ideia)", responde Michel com a voz rouca.
Ele diz que depois de se consultar com o médico em Bruxelas pela primeira vez, sentiu como se tivesse retirado o peso que sentia nos ombros. "Isso me transformou. Eu pensei que finalmente havia uma saída."
Sua dor é tão insuportável que ele passou a pensar em suicídio, mas não deu o passo final porque queria partir "com dignidade".
Para sua mulher Isabelle, tem sido difícil aceitar isso e ela sente que seria melhor esperar.
"No início ele me disse: 'Eu vou lutar até o fim, vou fazer todo o esforço para tentar melhorar'", diz Isabelle, mas ela reconhece que nenhum dos intensos tratamentos a que foi submetido funcionou.
"Chegou o momento de ele acabar com a própria vida, porque já não é mais a sua vida", diz ela, com resignação. "Ele me disse: 'Eu me sinto como um cachorro amarrado'. É um pouco desumano."
Doutor Yves de Locht, especialista em eutanásia
Image captionO médico Yves de Locht, depois de fazer a eutanásia de Michel, um de seus pacientes, diz que ficou impactado com o caso
Michel estava satisfeito por ter deixado tudo em ordem para a família antes de partir. "Não é o câncer que me leva, sou eu quem decide."
Às 10 horas da manhã de 23 de abril, depois de passar a noite acordado com a mulher e os filhos, ele morreu em paz.
Foi um momento de recolhimento para o doutor De Locht.
"A imagem da mulher e dos filhos dele chorando vai continuar comigo por uns dias. É algo que realmente me impacta agora."

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