segunda-feira, 26 de junho de 2017

Harry Potter, 20 anos: como livro rejeitado por editoras se tornou fenômeno infantojuvenil


JK RowlingDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionTudo começou com a imaginação de JK Rowling numa viagem de trem
Dá para acreditar que já se passaram 20 anos do lançamento de Harry Potter e a Pedra Filosofal? Foi quando chegou às lojas o primeiro livro de Joanne Rowling, como era conhecida até então, que inventara a história do menino mago de óculos durante uma viagem de trem entre Londres e Manchester.
Ela terminou o manuscrito em 1995, boa parte dele escrito em cafés em Edimburgo, na Escócia, enquanto sua filha, ainda bebê, do primeiro casamento, dormia num carrinho.
Depois de muitas rejeições, o manuscrito foi finalmente aceito pela editora Bloomsbury. A primeira impressão de capa dura, lançada em 26 de junho de 1997, tinha apenas 500 cópias.
Então, algo mágico aconteceu. O primeiro livro - e os outros seis da série - venderam ao todo mais de 450 milhões de cópias ao redor do mundo.
Abaixo mostramos como o fenômeno Harry Potter jogou um feitiço na cena cultural das últimas duas décadas.

Ele fez crianças (e adultos) lerem

Leitor com livros do Harry Potter
Image captionOs livros de Potter venderam mais de 450 milhões de cópias
J.K. Rowling transformou o consumo de livros, especialmente para crianças, em algo próximo a um vício.
Quer uma prova? O lançamento no Reino Unido de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, em 1999, foi marcado para 15h45 para evitar que crianças e adolescentes na Inglaterra e no País de Gales faltassem a escola para ter uma cópia.
Os livros posteriores fizeram um megassucesso, e continuaram sendo devorados por crianças. A essa altura, já não era problema algum um adulto ser visto lendo livros da série - e vários deles foram lançados com capas mais compatíveis com o público mais maduro.
O lançamento dos livros ganhou manchetes: quando o quarto livro, Harry Potter e o Cálice de Fogo, saiu, em 2000, livrarias do mundo inteiro combinaram para coordenar o primeiro lançamento global, à meia-noite.
Quando Rowling recebeu um diploma honorário da Universidade de St. Andrews naquele ano, a instituição escocesa comentou que ela tinha provado que livros para crianças "ainda conseguem capturar e encantar uma imensa audiência, independentemente das atrações concorrentes da televisão, Nintendo, Gameboy e Pokémon".

Levou pessoas a escrever

Fãs de Harry PotterDireito de imagemAFP/GETTY IMAGES
Image captionFãs de Harry Potter na pré estreia do último filme Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2
Os livros do Harry Potter abriram caminho para toda uma gama de novas séries de ficção fantástica para jovens adultos.
Muitas delas foram chamadas de "o próximo Harry Potter", como Artemis Fowl, As Crônicas de Spiderwick Desventuras em Série.
Será que teríamos Crepúsculo e Jogos Vorazes se Potter não tivesse dado o primeiro passo?
E não podemos esquecer do fenômeno da fanfiction - a ficção de fãs. A internet tem dezenas de milhares de histórias não oficiais sobre a vida em Hogwarts, os Dursleys e o que os gêmeos Weasley fazem em festas.

Deixou-nos a todo vapor com trens

Expresso de HogwartsDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO Expresso de Hogwarts transporta alunos da Estação de King's Cross à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts
Para uma geração de crianças que cresceu com Thomas e Seus Amigos O Expresso Polar, houve de repente um novo e brilhante trem a vapor. Sim, o Expresso Hogwarts.
Nenhuma viagem para a estação de King's Cross em Londres é completa sem uma selfie na "Plataforma Nove e Três Quartos".

Introduziu novas palavras ao dicionário

Selo de Harry PotterDireito de imagemROYAL MAIL
Image captionOs Correios do Reino Unido criaram selos especiais com base na capa dos livros
Normalmente, um palavra nova em inglês tem que estar sendo usada há pelo menos dez anos para que sua inclusão seja considerada no Dicionário Inglês de Oxford, mas a palavra "muggle" criada por J.K. Rowling em Pedra Filosofal para se referir a pessoas "comuns" sem poderes mágicos, foi uma exceção.
O termo foi acrescentado ao dicionário em 2002, e refere-se a "uma pessoa sem habilidades, ou que é considerada inferior de alguma forma".
Mas suspeitamos que o "bufador de chifre enrugado" - criatura mágica indescritível do universo Potter oriunda da Suécia - pode demorar mais para chegar ao léxico.

Inventou um esporte

quadribolDireito de imagemCHARLIE MCAULEY
Image captionMembros do time de quadribol da Queens University Belfast
Nos livros, quidditch ou quadribol é um esporte mágico jogado com vassouras voadoras, e envolve "balaços", "goles" e um "pomo de ouro" - uma pequena bola com asas.
No mundo "real", quadribol é um esporte sem mágica, jogado com cabos de vassoura, e envolve balaços, goles e pomo de ouro - nesse caso, uma pessoa de camiseta amarela e uma cauda presa a seus shorts.
Surgiu nos Estados Unidos, por volta de 2005, e se tornou um esporte global com federação internacional. A Copa Mundial de Quadribol é realizada anualmente, e a Austrália levou o último campeonato.

Teve uma das maiores franquias de cinema

Emma Watson, Daniel Radcliffe e Rupert GrintDireito de imagemWARNER BROS/GETTY IMAGES
Image captionEstrelas jovens: Emma Watson, Daniel Radcliffe e Rupert Grint
Até pouco tempo, os oito filmes de Harry Potter formavam a franquia de filmes de maior bilheteria da história, tendo acumulado US$ 7,7 bilhões (R$ 25 bilhões) no mundo.
O primeiro filme, Harry Potter e a Pedra Filosofal, foi lançado em novembro de 2001.
Além de quebrar recordes de bilheteria mais rápido do que uma viagem no "nôitibus andante", ele introduziu os jovens Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint ao mundo.
O filme final, Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (2011), teve a maior arrecadação de todos os filmes da Potter, com US$ 1,34 bilhão (R$ 4,47 bilhões). É também a oitava maior bilheteria de todos os tempos.
A franquia - agora conhecida como "O Mundo Mágico de J.K. Rowling", continuou com o filme derivado da saga de Potter, Animais Fantásticos e Onde Habitam (2016).
E há muito mais por vir. Rowling disse ter planejado os scripts para um total de cinco filmes da série.

Jogou seu feitiço também no teatro

Noma Dumezweni (Hermione Granger, à esquerda), Jamie Parker (Harry) e Paul Thornley (Ron Weasley)Direito de imagemMANUEL HARLAN
Image captionNoma Dumezweni (Hermione Granger, à esquerda), Jamie Parker (Harry) e Paul Thornley (Ron Weasley) em 'Harry Potter e a Criança Amaldiçoada'
A peça Harry Potter e a Criança Amaldiçoada foi lançada em Londres em 2016, sob o mesmo frenesi que envolveu o lançamento dos livros e filmes.
Vários do 1,5 mil fãs na noite de estreia, muitos vestidos de bruxas e feiticeiras, se encantaram com as várias revelações da trama e ilusões no palco.
A peça de dois atos começa com Harry, Ron e Hermione, todos na casa dos 30 e poucos anos, vendo seus próprios filhos indo para a escola de Hogwarts.
Os críticos amaram. Um escreveu: "O teatro britânico não conheceu nada igual nas últimas décadas e eu não vi nada comparável em todos os meus dias de crítica".
A peça ganhou um recorde de nove prêmios do prestigiado Olivier Awards - o Oscar do teatro londrino. A Criança Amaldiçoada vai estrear na Broadway, em New York, em 2018, e J.K. Rowling disse que gostaria de vê-la ao redor do mundo.

Ajudou a moldar a 'geração do milênio'

This is a photo of the main Villain in the Harry Potter films Voldemort.Direito de imagemWARNER BROS/AP
Image captionAlguém pode ser pior que Voldemort?
Milhões de pessoas chegaram à fase adulta sem nunca ter conhecido um mundo sem Harry Potter.
Muitos que cresceram com os livros agora podem ter doses regulares de J.K. Rowling pelas mídias sociais - ela tem um exército de quase 11 milhões de seguidores.
Quando Donald Trump foi comparado a Lord Voldemort ano passado, Rowling tuitou: "Que horrível. Voldemort não é tão ruim assim".
Em resposta, vários leitores ameaçaram queimar seus livros por conta de sua reação à Trump.
"A Pedra Filosofal foi o primeiro livro que eu li na vida", escreveu uma jovem leitora. "Eu estou chateada que tenha sido desta forma. Você me envergonhou, me enojou e eu jamais lerei o seu trabalho novamente", completou.
Rowling respondeu: "Acho que é verdade o que dizem: você pode fazer uma menina ler sobre a ascensão e a queda de um autocrata, mas você não consegue fazê-la pensar".
Vinte anos depois do primeiro livro, parece que ninguém vai dizer "Avada Kedavra" (o feitiço que causa a morte instantânea) a Harry Potter tão cedo.

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O que está por trás do surpreendente aumento no número de mulheres na cracolândia


Direito de imagemADRI FELDEN/ARGOSFOTO
Image captionFrequentadoras da cracolãndia paulistana em retratos da fotógrafa Adri Felden; percentual de mulheres na região dobrou em um ano
Em novembro de 2016, a fotógrafa Adri Felden recebeu um convite da Prefeitura de São Paulo para realizar um trabalho voluntário na cracolândia: fazer retratos de dependentes químicas da região.
"Antes de aceitar, fui conhecer a cracolândia", conta Felden, de 50 anos, lembrando que a presença de meninas e mulheres na área, algumas delas grávidas, foi o que mais chamou sua atenção.
Segundo pesquisa divulgada neste mês pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado, a percepção de Adri está certa: o percentual de mulheres na cracolândia mais que dobrou em um ano: de 16% em 2016 para 34% em 2017.
Enquanto no ano passado 119 usuárias teriam circulado diariamente pela região que concentrou durante anos uma feira de drogas a céu aberto, neste ano a estimativa é de 642 mulheres.
O estudo mostrou que o tráfico está cada vez mais organizado na cracolândia e que traficantes têm privilegiado a cooptação de mulheres para consumo da droga e exploração. Outro ponto identificado foi a associação do tráfico na região à prostituição e ao abuso sexual de crianças, adolescentes e mulheres.
"Mulheres que antes iam somente comprar droga acabaram sendo recrutadas pelo tráfico. Muitas delas passaram a ser exploradas, inclusive sexualmente. É impressionante como a cracolândia conseguiu manter as mulheres na região, tanto para consumo como trabalho", aponta o secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo, Floriano Pesaro (PSDB).
Especialistas envolvidos no estudo apontam que as mulheres são mais vulneráveis do que os homens na cracolândia: chegam com laços sociais e familiares rompidos e, por isso, têm mais dificuldade em procurar e receber ajuda.
A pesquisa entrevistou 139 usuários nos períodos entre abril e maio de 2016 e abril e maio de 2017. Foi o primeiro estudo a traçar características sociodemográficas e de vulnerabilidade social da população dessa região.
Mulher conduzida por policial em ação na cracolândiaDireito de imagemREUTERS
Image captionMulher é conduzida por policial em ação na cracolândia em maio deste ano; pesquisa identificou cooptação de usuárias pelo tráfico
"Foi uma surpresa identificar esse número de mulheres na região e mais surpresa ainda perceber que a violação de direitos humanos em dependentes químicas é maior do que em homens", afirmou Pesaro.
Mulheres estão mais expostas à violência - e ao domínio de traficantes - porque muitas vezes o corpo feminino é visto como moeda de troca por drogas.
"Constatamos trabalho infantil e análogo à escravidão, com maior incidência sobre o sexo feminino. Há mulheres jovens, mas também muitas idosas são exploradas ali. Também encontramos mulheres em cárcere privado e até reféns", relata o secretário.
De acordo com a pesquisa do governo, a população de usuários frequentes da cracolândia saltou de 709 pessoas em 2016 para 1.861 em 2017 - um aumento de 162%.
"Um dos motivos desse aumento foi a região ter ficado mais fértil para compra e venda de drogas", avalia Pesaro.

Preconceitos

Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do Recomeço, programa anticrack do governo estadual, o preconceito é mais intenso contra uma mulher viciada em crack do que contra um homem, o que dificulta uma eventual reabilitação.
"É muito mais difícil para a mulher aderir ao tratamento, em função dos estigmas e julgamentos morais, e mais provável que não se sintam confortáveis com o tratamento, por serem minoria", afirma.
"Os laços familiares se perdem, ela se dissocia mais rápido dos amigos por causa dos julgamentos, perde a guarda dos filhos. Para sobreviver, ela substitui laços domésticos pelo grupo que encontra na cracolândia", completa.
Há também agravantes fisiológicos. Do ponto de vista médico, a dependência química é mais severa em mulheres, por fatores hormonais.
"É muito mais difícil para uma mulher se manter abstinente do que para um homem. Também é mais fácil para elas desenvolverem a dependência química", afirma Laranjeira.
Frequentadora da cracolândiaDireito de imagemADRI FELDEN/ARGOSFOTO
Image captionMulher retratada na cracolândia paulistana; dependentes ficam mais expostas à violência na região, aponta levantamento
A origem dessas mulheres dificulta uma possível saída da vida na cracolândia: apenas 56% são de São Paulo e região metropolitana. Outras 19% declararam vir do interior paulista, 21% de outro Estado e 2% de outros países.
Para a fotógrafa Felden, que aceitou o convite da gestão municipal anterior e produziu um ensaio fotográfico com 21 dependentes químicas, de 20 a 53 anos, ver a situação daquelas mulheres de perto trouxe "uma desolação profunda".
Na época do ensaio, os dependentes químicos ocupavam uma esquina na região da Luz, centro de São Paulo. O fluxo, como era conhecida a concentração de usuários e traficantes, era tão intenso que impedia a passagem de veículos.
Desde o último dia 21 de maio, duas ações policiais de combate ao tráfico na região dispersaram os usuários, que se espalharam por outros pontos da área central da cidade, mas tem se reaproximado da cracolândia original.

Violência de gênero

O levantamento indicou que 44% das mulheres da região tinham histórico de abuso físico ou sexual na infância; 70% declararam já terem sido vítimas de violência na cracolândia.
Felden, que conversou com dependentes químicas para produzir o ensaio fotográfico, diz que histórias de violência contra as usuárias eram comuns.
"Uma das mulheres que fotografei tinha acabado de sofrer um estupro. Ela tem 53 anos e já havia sofrido violência sexual na infância", relata a fotógrafa. "Outra, de 20 anos, analfabeta e moradora de rua, já tinha feito seis abortos e, na última vez que a vi, no Natal, havia levado uma facada de seu companheiro no joelho."
"Ali você tem, em um único território, todas as violações de direitos humanos, sendo o grupo das mulheres e crianças o mais vitimado e mais esquecido pelas políticas públicas até agora", afirma Pesaro.
Frequentadora da cracolândiaDireito de imagemADRI FELDEN/ARGOSFOTO
Image captionEnsaio fotográfico se tornou injeção de autoestima em dependentes 'para que se vissem como mulheres fortes', afirma fotógrafa

Gravidez e sífilis

A pesquisa mostrou também que mais da metade das mulheres que engravidaram na cracolândia nunca quiseram fazer exame pré-natal. Todos os filhos das dependentes químicas da região nasceram abaixo do peso, e 67% nasceram prematuros.
No momento da entrevista, 14,3% das mulheres estavam grávidas e 21% já declararam que já tinham praticado aborto.
"É fato que quando pensamos em dependentes químicos, sempre pensamos em homens, não em mulheres. Mas elas estão ali e requerem diferentes cuidados e tratamentos que um homem", alerta Laranjeira, para quem o pré-natal deve ser um serviço essencial na cracolândia.
"Gravidez precoce e não planejada, aumento de sífilis sem precedentes - talvez a maior epidemia dos últimos anos - HIV, hepatite e tuberculose são problemas atuais da cracolândia", acrescenta Pesaro.
O secretário diz que, diante dessas constatações, mulheres estão sendo priorizadas nas unidades de atendimento emergencial a dependentes, montadas pela prefeitura na região central.
"Há também um trabalho de convencimento, porque muitas mulheres escondem que têm crianças ou que estão grávidas, com medo de perder os filhos", conta o secretário.
Ação policial na cracolândia em 21 de maioDireito de imagemREUTERS
Image captionMulheres em abordagem durante ação policial na cracolândia em maio
Para Laranjeira, a maternidade pode ser uma oportunidade para a mulher deixar o vício. "A ajuda que devemos oferecer a uma grávida nessa situação não é tirar a criança dela. É preciso oferecer um tratamento da dependência química que permita a ela ficar com o filho e, depois, ajudá-la a refazer a vida."

Autoestima

Felden conta que produzir o ensaio com as dependentes não foi fácil. Era preciso conquistar confiança e retirá-las da concentração de usuários. Aos poucos e com conversa, conta, as mulheres começaram a vir, trazendo brincos e até maquiagem.
Ao ver o resultado do trabalho, Felden revelou as fotos e voltou à região para entregar as imagens às 21 mulheres que registrou.
"A ideia era apenas fazer um trabalho voluntário com mulheres da cracolândia, mas esse ensaio se tornou um estímulo de autoestima para que se vissem como mulheres fortes. Uma das mulheres me contou depois que tem tentado reduzir os danos do vício depois que se viu bonita", relata a fotógrafa.

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